A Escola Industrial Francisco de Holanda que serviu, em 1915, de quartel do Regimento de Infantaria 20. |
27 de Agosto de 1915
Deram-se acontecimentos de carácter revolucionário monárquico. Um grupo
de civis tentou assaltar, de madrugada, o quartel de infantaria nº 20 (escolas
industriais, no campo do Proposto). Prenderam muita gente e foi em leva para a
Relação do Porto, no dia 31 deste mês.
(João Lopes de Faria, Efemérides
Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol.
III, p. 181 v.)
Os anos da Primeira República foram de grande agitação política e social.
As diferenças políticas extremaram-se, não se poupando nos meios para se
atingirem os fins, e as páginas dos jornais eram, regra geral, armas de combate
político, onde não se poupava nas munições, isto é, nas palavras que se
arremessavam aos adversários. As tentativas de derrubar o regime republicano
sucediam-se, nos poucos anos que a República levava. No dia 14 de Maio de 1915,
foi derrubado o governo de Pimenta de Castro, que governava desde Janeiro
daquele ano contra a maioria do parlamento, afecta ao Partido Democrático de
Afonso Costa. Mas a instabilidade permanecia. O governo tem informações de que
se preparava, para o final de Agosto daquele ano, um movimento de carácter
monárquico, que deveria acontecer em simultâneo em diversos pontos do país, em
especial a Norte. As medidas preventivas que foram tomadas impediram a
intentona em quase toda a parte, com excepção de Braga e Guimarães.
Na madrugada do dia 27 de Agosto, um grupo de civis invadiu o quartel e
infantaria 29, em Braga, atingindo com um tiro o cabo de dia e apoderando-se de
algumas espingardas, tendo em seguida tentado forçar a saída. Nesta tentativa,
a polícia prendeu presos quatro golpistas, a que se juntariam dois soldados e
mais quatro indivíduos, além de terem sido apreendidas três bombas e duas pistolas grandes.
À mesma hora, em Guimarães, também havia movimentações no local onde
estava aquartelado o 20 de Infantaria (na Escola Industrial). Os acontecimentos
seriam narrados pelo correspondente em Guimarães de O Primeiro de Janeiro, do Porto
À hora indicada, alguns paisanos,
auxiliados, segundo nos dizem, por um ou dois soldados do mesmo regimento,
conseguiram entrar numa das casernas, e, abeirando-se dos cabides, tiraram dali
algumas espingardas.
Nesta altura, um dos soldados, de
nome João António, n.º 204, da 8.ª companhia, que dormia tranquilamente,
pressentindo o que os paisanos estavam a fazer, levantou-se da cama e conseguiu
agarrar-se a um deles. Foi então que esse paisano disparou contra o soldado m
tiro, ferindo-o. A sentinela, ouvindo a detonação, bradou imediatamente às
armas.
Os paisanos puseram-se em fuga, deixando
duas ou três espingardas pelo caminho que trilharam. Nessa ocasião foram
capturados por soldados na parada de quartel três indivíduos da classe civil,
os quais foram conduzidos para a casa da guarda, onde lhes foi passada uma
busca pelo oficial de inspecção sr. Tenente Fraga, sendo-lhes encontrado e
seguinte armamento: uma pistola automática e uma espingarda caçadeira, com a
qual tentavam ferir a sentinela da parada do quartel. Foram-lhes também
apreendidas diversas balas para pistola, inclusivamente três carregadores com
cinco cartuchos para pistola Mauser. Dali foram, removidos para o calabouço do
quartel, onde se encontram incomunicáveis.
O soldado ferido deu entrada no
hospital militar.
Apenas se deram estes
acontecimentos, o sr. oficial de inspecção mandou reunir as companhias e colocar
sentinelas nas ruas que contornam o quartel do Proposto, passando em seguida
uma busca minuciosa nos quintais contíguos àquele quartel não dando resultado
algum.
Para os lados do quartel e rua de
Santa Cruz também se ouviram uns tiros que deram margem a que o sentinela
bradasse às armas, sendo tomadas as necessárias e urgentes providências.
Os presos civis são: Álvaro Pinto
de Almeida, o “Clarim”, Jerónimo Ribeiro de Faria e José de Castro Lobo,
funileiro.
Também foram presos os soldados n.º
310, da 1.ª companhia, José Amador, e o n.° 38, da 6.ª companhia, José de
Castro.
Além do assalto frustrado ao quartel, foram cortadas as comunicações por
telégrafo com o Porto e com Braga, foi cortada a linha do caminho-de-ferro, em
Covas, e foi dinamitada a ponte da Trofa.
Nos dias que se seguiram foram feitas dezenas de detenções na cidade de
Guimarães e nas freguesias rurais. No dia 31, vinte presos vimaranenses foram conduzidos
de comboio para o Porto, onde chegaram já noite, sendo aguardados
na estação por numerosa multidão que, à sua chegada, os acolheu com
manifestações de desagrado. Os presos, que ficaram à disposição do Juízo de
Investigação Criminal, eram os seguintes:
Joaquim de Sousa Fernandes, António Martins da Silva, Eduardo Azevedo
Machado, Custódio José da Silva Filipe, Joaquim da Silva Campos, José Machado
Oliveira. António Ferreira Araújo, Manuel Fernandes Radmaker Guimarães,
Francisco Castro, José Ferreira Ramos, Manuel Martins Ribeiro da Silva, António
Ferreira Melo Guimarães, José Cardoso da Silva, Manuel da Silva Marques, Maximino
José Ribeiro, João da Silva Canário, António Mendes Ribeiro Vasconcelos, Domingos
Gonçalves, Sebastião Ribeiro Costa e Francisco Ferreira.
Entretanto, os jornais publicam a lista de indiciados em envolvimento nos
acontecimentos do dia 27, que andavam a
monte:
António Joaquim de Azevedo Machado, o Machadinho
das Medalhas, director de O Comércio de
Guimarães, José Martins Júnior, o Via-Sacra,
merceeiro; João Ribeiro Cardoso, o Castanholas,
e Joaquim Ribeiro Cardoso, industriais de S. Torcato, António Xavier de Abreu, o
Mata, Luís Ribeiro de Faria,
escrevente, Gaspar Peixoto Sampaio de Bourbon (Lindoso), proprietário, António
da Silva o Senhor às Costas, taberneiro
e bombeiro voluntário, Joaquim de Magalhães Lapeira e José de Magalhães Lapeira,
cobradores, Alfredo de Magalhães Lapeira, cocheiro, Alexandre Costa e Silva, proprietário
das Caldas das Taipas, um tal Macedo, electricista, Pedro de Freitas,
jornaleiro, o dr. Álvaro Sampaio, secretário da administração do concelho de
Famalicão, entre outros.
Entretanto, no dia 9 de Setembro, o jornal Alvorada, dava conta de que tinha sido apanhado peixe
graúdo. Dera entrada no calabouço de Guimarães um tal Costa Alemão, ex-aspirante da marinha e sobrinho do lente do mesmo nome, foi apanhado
em Condeixa, assolapado entre molhos de palha, numa depressão nervosa de
cagarola. Este monárquico, que era, segundo o Alvorada, uma
figura insinuante, tinha 22 anos, e... usava meias de renda com bordados
realistas, tinha estado em Guimarães dias antes de 27 de Setembro, participando
numa reunião conspirativa com a preparação da intentona na ordem do dia,
realizada num gabinete do hotel do Toural, onde também estiveram dele o “Machadinho das medalhas”, o guarda-livros
do hotel e o José Ramos.
Entretanto, no dia 9 de Setembro, os três golpistas apanhados em
flagrante no quartel do 20 fugiram do calabouço do regimento, com a
cumplicidade do cabo da guarda, que os acompanhou. Logo a seguir, um cabo daquele
regimento, que tinha sido preso na sequência de uma denúncia de envolvimento
nos acontecimentos do dia 7, também escapou.
E assim terminou mais uma intentona monárquica, a sexta desde a
implantação da República. Os jornais republicanos descreveram-se como uma madrugada burlesca, cometimento herói-cómico, obra de quixotescos palermoides. No rescaldo,
contaram-se três baixas: dois soldados baleados, um em Guimarães outro em Braga,
e um morto (um conhecido monárquico de Braga, Miguel de Sotto Maior, que estava
detido e que, segundo os jornais, se suicidou com um tiro de pistola no
gabinete do Governador Civil, quando este se preparava para o interrogar).
Se não serviu, para derrubar a República, a intentona de 27 de Agosto de
1915 serviu para concluir que, por mais que insistissem, os adeptos da monarquia
não conseguiriam derrubar o regime instaurado a 5 de Outubro de 1910, porque,
como escreveu o jornal A Capital, de
Lisboa:
As tentativas abortadas de Braga e
de Guimarães apenas provaram que nem já nesses supostos redutos da fé religiosa
o da fé monárquica é possível insurreccionar as populações contra o regime, por
muito intensa que seja a propaganda feita por clérigos, aristocratas e especuladores
de vária espécie que ainda se não convenceram da inanidade dos seus criminosos
manejos.
A Capital, Lisboa, 28 de Agosto de 1915
Ou, como se escreveria dias depois, no Alvorada de Guimarães:
Se os republicanos não derem cabo
da República, está cada vez mais provado que não são as arremetidas dos
monárquicos que coisa tão fácil conseguem — fácil para quem traz o rei e mais o
país na barriga...
Alvorada, Guimarães, 9 de Setembro de 1915
0 Comentários