5 de Agosto de 1789
A Câmara, com a presença do juiz
de fora, faz auto para responder à reclamação feita à rainha, por José António
de Carvalho Mascarenhas, de nulidades e suborno numa eleição das pautas para
vereadores. Mostrou a legalidade com que foi feita a eleição e a seguir : que a
acusação consistia em vontade e génio particular do acusador único em matéria
que nada lhe importava, porque o capitão-mor, vereador mais velho, Francisco
Cardoso de Meneses, objecto principal do antigo e notório ódio do acusador por
ter sido sorteado para soldado pelo capitão-mor Pedro Bernardino Cardoso de
Meneses seu pai e antecessor; que todos sabiam que o acusador é pobre
necessitado com empenho maior que os bens de seu, solteiro, sem ofício nem
benefício, um homem vago, ocioso e intrigante que só se ocupava em passear
pelas praças públicas e boticas espreitando novidades, fazendo murmurações,
difamando os créditos alheios e procurando toda a ocasião de intrigar para
armar contendas e discórdias e para perturbar o sossego público; filho de um
criado que foi do Conde de Alva casado com uma criada da mesma casa; libertino
que sempre viveu amancebado, tendo chegado a ser preciso ir o seu pároco
chamado para satisfazer aos preceitos da igreja. Parecendo a eles vereadores
que tal homem com tal vida e costumes se faz digno para utilidade do bem
público de ser castigado pelo poder real como merece, etc., etc. Também se
queixou outro indivíduo à rainha de suborno na dita eleição.
(João Lopes de Faria, Efemérides
Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol.
III, p. 120)
A eleição dos vereadores a Câmara de Guimarães no ano de 1789 provocou
grande controvérsia, com acusações de manipulação para que as mesmas famílias
se perpetuassem no poder. José António de Carvalhais Mascarenhas, que foi, por
largo tempo, mesário da Santa Casa da Misericórdia de Guimarães, dirigiu uma
reclamação à rainha, com graves acusações de ilegalidades, nulidades e suborno
que teriam envolvido aquela eleição. O processo é muito curioso, sendo
particularmente esclarecedor para a compreensão da elite vimaranense do final
do século XVIII.
Segundo Mascarenhas
- as eleições não teriam sido precedidas de pregão ou anúncio público,
tendo sido concluída com aceleração,
suborno e nulidades contínuas, para segurarem e perpetuarem no governo os que
há muitos anos costumam andar nele, a bem dos seus interesses particulares;
- devendo ser arruadores dois homens
prudentes e maduros da vila, foram mandados buscar a duas aldeias em uma delas
mais de uma légua dois moços solteiros que nunca serviram de arruadores;
- não obstante a notória grandeza e
notória quantidade de pessoas nobres da vila
, apenas introduziram 25 homens no apuramento, deixando de fora muitas
pessoas que reuniam condições apra serem eleitas, incluindo todos os advogados da terra, que são mais de
20.
- foram eleitos João de Melo
Pereira Sampaio, João António Vaz Vieira de Melo, João Machado de Melo, José de
Freitas do Amaral e Melo, Inácio Leite de Almada, e António Cardoso de Meneses,
todos parentes: o 3.º sobrinho do primeiro, o 4.º primo do 1.º e 3.º e o mesmo
o 5.º por sua mulher, o 2.º parente de todos 4, e o 6.º actualmente culpado em
livramento com seguro por crimes de vereação e almotaçarias; elegendo uns aos outros e sendo eleitores e
eleitos só as mesmas pessoas das mesmas famílias que há muitos anos andam sempre
no governo da Câmara, por meio de semelhantes intrigas e destrezas e subornos e
notório e gravíssimo prejuízo de boa economia pública.
Segundo o reclamante, a pressa e o secretismo na eleição explicavam-se
pelos interesses particulares deles
vereadores tendo a vila e estradas do termo cheias de tabernas para passarem os
seus vinhos por preços maiores e o pão que metem às padeiras diminuindo-lhes
tirando-lhes onças e relevando-as depois das condenações pela falta de peso,
constrangendo os lavradores aos carretos e outros serviços além das mais dependências
possíveis.
No dia 5 de Agosto, a Câmara reuniu, em claustro pleno, para responder às acusações de José António de
Carvalhais Mascarenhas, negando-as a todas e passando ao ataque, como propósito
evidente de atacar a credibilidade do autor da reclamação, insinuando-se que
era movido por um ódio antigo ao vereador mais velho. Do auto que então foi
lavrado, extraímos parte da declaração do Senado, que afirma que
…a acusação consistia em vontade e
génio particular do acusador único em matéria que nada lhe importa. Que
tudo fora feito com toda a solenidade e
sem suborno; que todos sabiam que o acusador é pobre e necessitado com empenho
maior que os bens de seu, solteiro, sem ofício nem benefício, um homem vago,
ocioso e intrigante que só se ocupa em passear pelas praças públicas e boticas
espreitando novidades, fazendo murmurações, difamando os créditos alheios e
procurando toda a ocasião para armar contendas e discórdias e para perturbar o
sossego público o que tudo era bem notório, e, movido da sua má intenção maus
costume e do dito antigo ódio contra o capitão-mor vereador mais velho já quis
embaraçar outra eleição antecedente com outros pretextos igualmente caluniosos.
E ia ainda mais longe no ataque ao carácter do acusador, classificando-o de
libertino que sempre viveu amancebado.
As restantes declarações inscritas naquele auto iam no mesmo sentido,
procurando demonstrar que o acusador era digno de ser castigado pelo poder real como merece, pela gravíssima injúria que
lhes estava fazendo.
Todavia, o Mascarenhas não seria acusador
único neste processo. Tomás de Valadares de Carvalho, natural
e da nobreza desta vila, também se queixou à rainha da eleição dos
vereadores, acrescentando às acusações de Mascarenhas a de que a eleição teria
sido precipitada para se fazer na ausência do Corregedor, que se tinha deslocado
a Lisboa, evitando a sua fiscalização, por
este ter muitas vezes estranhado a má administração da Câmara.
No dia 12 de Agosto, a Câmara
voltava a reunir em claustro pleno,
para responder às acusações de Tomás Valadares que, segundo o Senado, seria uma manifesta maquinação e orgulho de um
rancho de vadios ociosos e malévolos há tempos levantados nesta vila em ar de
conjuração contra o sossego público, tecida com o propósito de injuriar e
insultar os membros da Câmara, e armar
embaraços e enredos, sendo cabeça deste mau rancho o suplicante José António de
Carvalhais, autor da primeira representação, igualmente falsa e caluniosa como
esta segunda.
Seguidamente, tratava-se de
atacar a credibilidade do novo acusador, dando-lhe o mesmo tratamento do
primeiro:
Enquanto ao merecimento do suplicante é este um
moço solteiro, pobríssimo que nada tem de seu, sem oficio nem benefício,
ocioso, vadio, sem nobreza, nem de que se possa sustentar mais do que o ténue
rendimento de 12 moedas de ouro que recebe de um ofício de escrivão do juízo do
geral e além disso é o mesmo muito atrevido, petulante, orgulhoso, malévolo de
péssima criação e indignos costumes que chegou a matar seu pai com desgostos e
maus tratos, e fez ultimamente ir sua mãe morrer fugida a casa de um estranho,
que por caridade a recolheu, e toda a sua vida tem andando com intrigas e
falsidades chegando a fabricar uma sentença falsa em causa sua própria com a
irmandade de Nossa Senhora da Oliveira desta vila para lhe usurpar grande
porção de dinheiro, e todo o seu emprego consiste nas mesmas falsidades,
intrigas e em contínuas murmurações e difamações dos créditos alheios pelas
praças, boticas casas de jogos, etc. etc.
É de ontem, como é de hoje:
por regra, o poder convive mal com a crítica. Vai daí, impunha-se punir
exemplarmente as queixas e reclamações do pernicioso
rancho de que faziam parte os
dois acusadores, Mascarenhas e Valadares. Para tanto, para evitar que continuassem
com queixas sobre queixas sem que sejam
severamente castigados como declarados inimigos e perturbadores da pátria da
paz e do sossego público em ordem a evitar o mau exemplo e a manter o
necessário sossego em que de outra sorte não pode ficar a terra.
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