O Toural no séc. XVII (reconstituição de Alexandre Reis) |
19 de Julho 1793
Provisão declarando
nulos os aforamentos que o juiz de fora, servindo de provedor, fizera do
terreno do Toural, e mandando que fosse demolido o muro desde o Postigo de S.
Paio à Torre da Senhora da Piedade e que os moradores da Rua de Arrochela para
ali puderem aumentar as suas casas, fazendo portas e janelas e lojas para
comércio, tudo conforme o prospecto enviado, não excedendo a largura actual do
muro, e vendendo-se a pedra deste e o produto aplicado às obras públicas,
especialmente às calçadas da vila.
(João Lopes de Faria, Efemérides
Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol. III,
p. 55)
Até ao final do século XVIII, o Toural era
delimitado a norte e a poente por frentes de casas assobradadas com alpendres voltados para a
praça. A nascente, era fechado pela muralha,
ligeiramente encurvada, junto à qual estava interdita qualquer construção.
No início da década de 1790, havia quem pretendesse tomar por aforamento (aquisição do
direito de usufruto perpétuo da propriedade) terrenos do lado do Nascente do Toural,
para nele construir casas que se encostariam à muralha e que, eventualmente, de
ligariam às casas que ficavam do lado de dentro, na rua da Arrochela. Foi
apresentado um requerimento ao representante do rei na governação da cidade, o
Provedor, que não obteve deferimento. Não tardariam muito em voltar à carga.
Aproveitando um tempo em que o lugar de provedor estava vago, sendo as suas
funções assumidas pelo juiz de fora, renovaram o requerimento, que decidiria autorizar
o aforamento a particulares de toda a extensão
de terreno junto à muralha do Toural, para edificação de casas. Esta decisão
foi tomada contra a vontade da Câmara,
que, tendo sido consultada, respondera a 17 de Novembro de 1791, com os argumentos que usara anteriormente e que
retomaria na reclamação que seguiria para a rainha D. Maria I,
(…) expondo-lhe o dano que resultava ao
público desta vila do projecto que o Juiz de Fora, servindo interinamente de
corregedor, tinha posto por obra, pretendendo repartir em particulares
aforamentos a extensão do terreno contíguo ao muro da vila ao longo do campo do
Toural, terreno de que sempre se servira o público para fazer a feira do pano
de linho para que tinha toda a propriedade por ser lugar alto formado em
escadaria, e, se houvessem de verificar-se os ditos aforamentos, não só ficava
deturpado e informe o dito campo, mas as casas que ali se edificassem teriam
muito pouco fundo e era prejuízo que se encostassem sobre a muralha que guarnecia
a vila que pela parte de fora devia estar livre, havendo em diversos terrenos
da vila aptidão para semelhantes aforamentos se fazerem com maior utilidade e
direcção de prospecto do que ali, onde ficaria diminuída a largura do campo,
este perdendo a sua nobreza com que formoseava a vila, pois que tendo o mesmo
pouca largura a respeito da sua extensão, ficaria na parte dos pretendidos
aforamentos muito mais estreito e sem regularidade.
A resposta da rainha seria remetida a 19 de
Julho de 1793. Nela eram declarados nulos os aforamentos autorizados pelos juiz
de fora, aceitando o argumento da Câmara de que as casas que se pretendiam
erguer junto ao muro diminuiriam a largura e a formosura do Toural. Todavia, mandou que se demolisse a muralha
entre o postigo de S. Paio e a torre de S. Domingos, de modo a que os moradores
da rua da Arrochela (situada do lado de dentro da muralha) pudessem estender as
suas casas para o lado do Toural, com a condição de que as novas construções não ultrapassassem o limite
da linha onde estava a muralha, de modo a não reduzir o tamanho da praça. A pedra resultante da demolição da muralha seria
vendida, devendo o produto da venda ser aplicado em obras públicas, nomeadamente
no arranjo das calçadas.
Para o efeito, foi enviada de
Lisboa a planta que deveria ser respeitada na construção dos edifícios, que iam
ser erguidos no chão antes ocupado pela muralha, provavelmente desenhada pela
Casa do Risco criada pelo Marquês de Pombal em 1755 para dirigir a reconstrução
de Lisboa. É por isso que se costuma chamar de pombalina à frente edificada do
lado nascente do Toural, embora essa designação não seja particularmente
rigorosa. Quando a obra foi concebida, já o Marquês de Pombal estava morto havia
mais de uma década. Por outro lado, nem o desenho das fachadas, nem as técnicas
de construção dos edifícios do Toural correspondem ao modelo pombalino. Daí que
fará sentido colocar entre aspas a expressão “pombalina” quando atribuída aos
edifícios do Toural.
O que se disse acima em nada
diminui à importância, nem à originalidade, daqueles edifícios. São um
excelente exemplo de arquitectura programada, num tempo em que esta quase se
não praticava. Quem quisesse construir no Toural, no sítio onde antes passava a
muralha, tinha de seguir o projecto pré-existente, concebido com manifestas preocupações
urbanísticas. Nestes edifícios, seguiu-se as orientações da Junta das Obras
Públicas, criada pelo Marquês de Pombal para cuidar do urbanismo da cidade do
Porto, segundo o qual as construções deviam obedecer a planos rigorosos que
valorizavam, não os edifícios isolados, mas sim o conjunto arquitectónico.
Segundo o padre António Caldas, a frente
oriental do Toural ganhou “o aspecto de um só edifício regular e simétrico, de
quarenta e quatro portas e cento e vinte e cinco janelas”, em cujo centro se
alçava “um majestoso frontão, pousando-lhe no vértice a estátua colossal da
Fama, empunhando um clarim de metal”. O frontão e a estátua, de que se não
conhece qualquer memória desenhada ou fotográfica, seriam removidos “porque o
seu peso considerável ia fazendo afastar as paredes da linha de prumo”.
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