Recorte do periódico O Ecco, jornal crítico, literário e político, n.º 393, Lisboa, 30 de Julho de 1839 |
18 de Julho de 1839
Na noite do dia 18 de Julho de 1839, para
o dia 19, foi morto, nas Caldas de Santo António das Taipas, o célebre façanhudo
frei Domingos Pedreira, filho de um taberneiro, morador a Trás-os-Oleiros
(tinha sido pedreiro), e natural desta vila. Este facínora depois de ter cometido
os maiores crimes, foi morto por um ferreiro (morava aos Pontilhões, indo para
as Caldas) com um tiro de clavina, que lhe deu no peito, depois de ter sido
agredido pelo defunto com um pau, assim como os seus companheiros (andavam com
uma festa de violas, etc.) que tinham fugido depois de ter apanhado, ficando só
o ferreiro com ele que depois de ter apanhado também instado com ele para que
se retirasse, e não o fazendo desfechou com ele e matou-o Assim acabou os seus
dias este malvado que mais era um monstro do que um homem. Foi frade graciano (não
chegou a ordenar-se) e já no tempo em que esteve no convento se fez muito
célebre pelas suas maldades. Depois da extinção dos conventos e da Aclamação da
Rainha e da Carta, principou a anular os votos (o que só conseguiu depois da
Revolução de Setembro) para casar com uma filha do defunto Jerónimo Vaz do Toural,
a qual tinha tirado da casa da mãe para casa de seus pais, onde viveu
amancebado com ela algum tempo, tendo filhos dela. Não tinha casado com ele,
por causa da mãe dela lhe não querer dar nada, mas ainda falava com ela e a
tinha em casa de seu sócio Valentim de Sá, escrivão de direito. Depois da
Revolução de Setembro de 1836, declarou-se um acérrimo partidário dela, sendo
quem fazia tudo nesta vila, tendo-lhe todos muito medo. Fez-se notável em todas
as eleições e com especiosidade na última eleição de Deputados como se mostrou
neste livro a folhas 120 ( vide a 26 de Agosto de 1838) e na última eleição da
Câmara e administrador do concelho, chegando a reunir muitos votos para
administrador indo na lista dos cinco para o Governo. Não andava de noite senão
carregado de armas e poucas eram as desordens que havia na vila em que não
entrasse. Finalmente, era um homem que não tinha qualidade alguma boa. Os
habitantes desta vila (com mui raras excepções) receberam com satisfação a
notícia deste acontecimento, não porque eles tenham de costume o regozijo com o
mal dos seus semelhantes, pois são dotados de bastantes sentimentos de
humanidade, mas por ver que um tal verdugo não podia deixar de ter mais cedo,
ou mais tarde um tal fim, e por se verem livres de um tão grande opressor.
Apareceu morto em ceroulas, e assim esteve todo o dia até ao seguinte em que a
justiça foi levantá-lo, estando tão descomposto que causava horror a quem o
via. Estava em ceroulas porque assim tinha saído de casa, quando tinha vindo
bater nos da festa e tirar-lhes umas moças que eles levavam. O sítio aonde ele
apareceu morto foi na Devesa, junto as casas do José Leite e por esse sítio foi
aonde principiou a desordem, e aonde ele levou o tiro. Se o ferreiro o não
matasse, era mui provável que fosse morto, pois o agressor era desalmado e
tinha, além do pau, um grande navalhão de mola com que apareceu. Foi depositado
no dia 20 na capela de Santo António das Taipas, e sepultado na tarde do mesmo
dia na igreja de S. Tomé de Caldelas, e o pai mandou-lhe fazer neste mesmo dia
um ofício a igreja de S. Sebastião desta vila (igreja da sua freguesia) e
mandou-lhe dizer missas gerais pela alma. Teria trinta anos de idade pouco mais
ou menos. PL
(João Lopes de Faria, Efemérides
Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol. III,
p. 50)
No dia 18 de Julho de 1839 foi assassinado
frei Domingos Florentino da Silva, conhecido por frei Domingos Pedreira. A nota
do cónego Pereira Lopes, que João Lopes de Faria transcreveu para as suas Efemérides Vimaranenses, é rica de
pormenores, acerca da sua vida. Era filho de um taberneiro da rua de
Trás-Oleiros, que antes havia sido pedreiro (de onde lhe veio o apelido de Pedreira). Frequentou o Colégio de Nossa
Senhora da Graça de Coimbra, que pertencia à Ordem dos Eremitas de Santo
Agostinho, os agostinhos calçados, onde professou votos, embora nunca se tenha
chegado a ordenar. Já no tempo em que
esteve no convento se fez muito célebre pelas suas maldades, escreveu o
Cónego Pereira Lopes, que acrescenta: mais
era um monstro do que um homem. Após a extinção das ordens religiosas, em
1834, o egresso Domingos Pedreira tentou anular os votos religiosos, para se
casar com Maria Antónia, órfã do fidalgo do Toural, Jerónimo Vaz Vieira (liberal
vimaranense que, no tempo da Usurpação, se juntaria aos apoiantes de D. Pedro
na Ilha Terceira, onde faleceu em 1829), com quem viveu amancebado em casa do
seu pais e de quem tinha filhos. Livre dos votos após a Revolução de Setembro
de 1836, não se chegaria a casar com a filha do fidalgo do Toural, porque a mãe
dela, sendo contra o casamento, nada lhe daria.
Francisco Brito, que investigou esta
personagem cujas
façanhas inspiraram um filme, acrescenta que frei Domingos Pedreira nasceu
no primeiro dia do ano de 1812, sendo o sétimo de nove filhos de Manuel
Domingues, de Canidelo, Vila Nova de Gaia, e de Ana Maria da Silva, de Mesão
Frio, Guimarães.
Frei Domingos Pedreira foi um dos mais
entusiásticos aderentes à causa setembrista de Guimarães. Segundo Pereira
Lopes, fez-se notável em todas as
eleições e com especiosidade na última eleição de Deputados, onde foi
responsável por um auto de fé político, noticiado pelo Periódico dos Pobres do Porto:
Em 26 de Agosto de 1838 de tarde,
na praça da Misericórdia, em uma loja de António do Couto Ribeiro, quartel do
comandante do regimento 18, foram vítimas da barbaridade religiosa do Santo
Ofício Político, umas pobres senhoras, ainda virgens, chamadas Donas Actas,
filhas do Povo Soberano, e de tenra idade, as quais foram publicamente
queimadas por mão do algozes, pelo crime de não acreditarem nos ministérios da
Bernarda!!!
Segundo a notícia, Domingos Pedreira, a um
sinal do presidente da Câmara, José Correia de Oliveira, fez
entrar um “grupo de rapazes” (aliás, soldados do regimento 18) que, armados de
cacetes, invadiram a casa da Câmara, onde roubaram a urna com as actas
eleitorais, que queimaram entre gritos de viva
a liberdade e morram os cartistas,
numa loja da casa dos Coutos, no terreiro da Misericórdia (onde se aquartelava
o comandante do 18). As eleições seriam repetidas no dia 23 de Setembro
seguinte. Desta vez, os setembristas de Guimarães asseguraram. OS votos foram
contados no dia 7 de Outubro. Segundo o Periódico dos Pobres no Porto, desde manhã cruzaram patrulhas pelas ruas da
vila, e uma delas foi constante em rondar junto aos Paços do Concelho em que
aquela operação se processara. Nenhum habitante ousou aproximar-se do lugar
privilegiado, e a urna esteve sempre debaixo do Setembrismo puro. Contados
os votos, todos os lugares de senadores e deputados foram preenchidos por mijados
(setembristas). Um dos candidatos a deputados era um outro Pedreira, egresso
beneditino, o Padre Manuel dos Prazeres, irmão de Domingos Pedreira. Foi eleito
suplente, o que escandalizou o seu irmão, por ver que não haviam sido atendidos
os serviços que os dois irmãos prestaram à causa setembrista.
Teve vida
breve o façanhudo Domingos Pedreira.
O relato da sua morte, ocorrida na noite de 18 de Julho de 1839, saiu na edição
de 25 de Julho de 1839 do Periódico dos
Pobres no Porto:
Andava por aquele sítio
[junto aos pontilhões das Caldas das Taipas, onde frei Pedreira tinha o casa] uma
súcia de aldeia, tocando viola na companhia de uma rapariga. O ex-reverendo,
que não podia estar sossegado, sem mostrar o poder das suas valentias, foi
embaraçar-se com a dita súcia, querendo tirar a moça, disseram-lhe que se
retirasse e não quis; teimou em querer quebrar a viola e espancar os que a
acompanhavam. Um ferreiro que ia na súcia tentou por meios brandos fazê-lo
desviar e, não sendo possível, se foi retirando dizendo-lhe sempre que o deixasse:
o ex-frade porém, que tinha a sua hora chegado, o foi perseguindo até que o
meteu entre uma parede onde o homem não tinha remédio senão matar ou ser morto:
ele escolheu essa defesa própria e primeira medida e desfechou sobre ele um
bacamarte à queima roupa, e o ex-frade caiu sem dizer uma palavra.
Estava em ceroulas,
porque saira de casa em tais preparos para dar um correctivo aos foliões que o
não deixavam dormir.
Segundo o mesmo jornal,
o crime teria sido testemunhado pelo Juiz de Direito de Guimarães, da janela da sua
casa nas Caldas das Taipas, que teria começado por afirmar que o homicida de
frei Domingos Pedreira agira em legítima defesa, mas que depois diria que a
morte fora ditada por motivos políticos.
A morte de Domingos
Florentino da Silva não terá feito correr muitas lágrimas em Guimarães. Aos 27
anos de idade, era longo o seu rasto de malfeitorias, como anotou o cónego
Pereira Lopes:
Não
andava de noite senão carregado de armas e poucas eram as desordens que havia
na vila em que não entrasse. Finalmente, era um homem que não tinha qualidade
alguma boa. Os habitantes desta vila (com mui raras excepções) receberam com
satisfação a notícia deste acontecimento, não porque eles tenham de costume o
regozijo com o mal dos seus semelhantes, pois são dotados de bastantes
sentimentos de humanidade, mas por ver que um tal verdugo não podia deixar de
ter mais cedo, ou mais tarde um tal fim, e por se verem livres de um tão grande
opressor.
Sobre Frei Domingos Pedreira, recomendo vivamente a
leitura do que publicou Francisco Brito:
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