Estatutos da Associação de Classe das Quatro Artes da Construção Civil de Guimarães |
21 de Julho de 1913
Greve geral das 4 artes de
trabalho, que queriam só 10 horas de trabalho. Terminou a greve em 24 deste
mês, perto da meia-noite, havendo então alguns foguetes.
(João Lopes de Faria, Efemérides Vimaranenses, manuscrito
da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol. III, p. 59 v.)
Quando, em Outubro de 1910, se instaurou a República em Portugal, havia muito
que os operários se organizavam para defenderem a melhoria das suas condições
de trabalho e de vida. O movimento operário estava razoavelmente organizado,
dando mostras de grande combatividade. Os operários criavam as suas associações
de classe e, apesar da monarquia não reconhecer o direito à greve, esta era uma
forma de luta utilizada com frequência crescente. Assim era em Guimarães, onde
a primeira greve de que temos registo aconteceu no ano de 1873.
A primeira lei da greve(e do lock-out)
portuguesa foi publicada dois meses após a revolução de 5 de Outubro, por obra
de Brito Camacho, ministro do Fomento. No entanto, logo se percebeu que a
atitude do novo poder em relação às reivindicações operárias pouco diferia da
adoptada nos últimos tempos da monarquia, não tardando a acontecer episódios de
repressão violenta das greves e dos grevistas, de que resultavam mortes e
prisões. A realidade da Primeira República defraudou as expectativas que os
operários colocaram no novo regime, com as greves a sucederem-se um pouco por
todo o lado.
Assim foi em terras de Guimarães, onde não faltam exemplos de greves de
trabalhadores, muitas vezes acompanhadas de violência.
Esse não foi o caso da greve geral dos operários das quatro artes da
construção civil (carpinteiros, estucadores, canteiros e pedreiros), decretada
pela respectiva associação no dia 21 de Julho de 1913. Pretendiam a fixação de
um horário de trabalho que não os obrigasse a trabalharem de sol a sol, seis
dias por semana, o que fazia com que, trabalhando sempre demasiadas horas, o
seu horário de trabalho encolhia ou alongava-se ao ritmo das estações do ano.
Não foi por acaso que esta greve aconteceu em pleno Verão. Neste tempo de
dias longos, o horário de trabalho de um operário da construção civil podia
ultrapassar as 12 horas, descontadas as pausas para refeições. No Inverno,
sendo os dias mais curtos, as jornadas de trabalho também o eram. Os operários
pretendiam que fosse fixado um horário mais digno, comum limite máximo de 10
horas diárias.
Os estatutos da Associação de Classe das Quatro Artes da Construção Civil
de Guimarães foram aprovados em assembleia geral no dia 25 de Junho de 1911,
sendo subscritos por 21 sócios fundadores. Tinha por fim “o estudo e a defesa
dos interesses económicos comuns aos seus associados”. Foram publicados no
Diário do Governo de 22 de Maio de 1912. A greve de Julho de 1913 foi a primeira
demonstração de força que promoveu.
Com mandato da assembleia geral da associação, a Comissão de
Melhoramentos dos Operários das Quatro Artes de Construção Civil começou por
dialogar com os mestres de obra, eles próprios antigos operários, expondo-lhes
as suas reivindicações e as razões que as motivavam. Pretendiam um horário de 10
horas de trabalho, igual para todo o ano, embora distribuído de modo diferente
ao longo do ano, além de uma jornada de trabalho mais curta ao sábado. Segundo
os jornais, a maioria dos mestres acederam às pretensões dos operários. No entanto,
alguns teimavam em não ir de encontro a este esforço de concertação, pelo que
os operários das quatro artes decidiram avançar para a greve.
Num manifesto que distribuíram à população, os operários em greve
explicaram as razões da sua luta. Segundo O
Comércio de Guimarães, viam-se numerosos
grupos atravessando a cidade, inquirindo, perguntando, sabendo onde alguns companheiros
trabalhavam para os impedir de “furar” a greve.
A greve duraria dois dias. O administrador do concelho, Guilhermino
Alberto Rodrigues, que chamou à secretaria do concelho representantes dos mestres
de obras e a Comissão de Melhoramentos dos Operários das Quatro Artes de
Construção Civil, encarregando-se da mediação do conflito. O acordo seria
alcançado ao final da noite do dia 22, com a assinatura de uma acta em que as
partes se comprometiam a cumprir o seguinte horário:
Nos meses de Abril a Setembro inclusive, far-se-ão as entradas para o
trabalho às 6 horas e as saídas às dezanove, devendo haver, durante este tempo,
meia hora de descanso para almoço e duas para o jantar.
Nos restantes meses do ano, as entradas e saídas serão desde o ser dia
aquelas e estas no escurecer, havendo meia hora de descanso para o almoço e uma
para o jantar.
Ao sábado, a entrada para o trabalho efectuar-se-á respectivamente à
mesma hora destas duas épocas, e a saída às dezassete, com o mesmo período de descanso
conforme o estabelecido nas épocas correspondentes.
Ou seja, no essencial, os operários viram satisfeitas as suas reivindicações,
conseguindo ainda que os patrões se comprometessem a não lhes descontar o dias
em que estiveram em greve.
Na noite de 22 de Julho de 1913, houve festa nas ruas de Guimarães. Os
operários das quatro artes cantavam vitória extravasavam a sua alegria. À meia
noite,a cidade estremunha foi acordada pelo rebentamento de foguetes.
Acta do acordo entre mestres e operários da construção civil
Aos 22 dias do mês de Julho de 1913, nesta cidade de Guimarães e
Secretaria da Administração do Concelho, onde se encontrava o respectivo
Administrador, cidadão Guilhermino Alberto Rodrigues, perante ele compareceram
os mestres de obras abaixo assinados e bem assim a Comissão de Melhoramentos
dos Operários das Quatro Artes de Construção Civil, uns e outros como legítimos
representantes das suas classes, para acordarem na regulamentação das horas de
trabalho, sendo, de comum acordo, aceite o seguinte horário:
Nos meses de Abril a Setembro inclusive, far-se-ão as entradas para o
trabalho às 6 horas e as saídas às dezanove, devendo haver, durante este tempo,
meia hora de descanso para almoço e duas para o jantar.
Nos restantes meses do ano, as entradas e saídas serão desde o ser dia
aquelas e estas no escurecer, havendo meia hora de descanso para o almoço e uma
para o jantar.
Ao sábado, a entrada para o trabalho efectuar-se-á respectivamente à
mesma hora destas duas épocas, e a saída às dezassete, com o mesmo período de descanso
conforme o estabelecido nas épocas correspondentes.
O pagamento dos competentes diários continua a efectuar-se aos sábados
(semanalmente) logo em seguida à terminação do trabalho nos locais que os
mestres para tal designarem.
Declararam os mestres que por este motivo, isto é, por os operários se
haverem declarado em greve, não diminuiriam aos salários.
Por todos foi declarado, enfim, empenhando a sua honra, que se
comprometiam a cumprir integralmente o exposto na presente acta, e mais
declararam os mestres de obras que não exerciam qualquer pressão ou vingança
sobre os seus operários, pelo facto de se haverem declarado em greve. Esta
regulamentação de horas de trabalho é extensiva a todo o concelho.
Para constar se lavrou a presente acta da qual se vão extrair duas cópias
autênticas que serão entregues aos referidos mestres de obras e operários,
depois de assinada pelo Meritíssimo Administrador, pelos mestres de obras e
operários, e por mim Manuel de Freitas Aguiar, secretário, que a subscrevi.
(Seguem-se as assinaturas)
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