A igreja de S. Miguel do Castelo após o restauro da década de 1870 |
20 de Julho de 1880
É a igreja de S. Miguel do Castelo solenemente benzida e restituída ao culto, depois da restauração principiada a 17 de Agosto de 1874; houve missa cantada e à noite arraial. No ano seguinte também houve missa cantada e à noite arraial. Estas festas de 1880 e 1881 foram promovidas pelo pároco encomendado da freguesia de Nª Sª da Oliveira, padre Abílio Augusto de Passos, a quem esta igreja estava anexada. - Vide neste dia, mais ampliada a notícia.
(João Lopes de Faria, Efemérides Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol. III, p. 58 v.)
Erguida no primeiro
terço do século XIII, a igreja de S. Miguel do Castelo foi objecto de intervenções
de restauro em meados do séc. XVII e em finais do séc. XIX. Porém, na década de
1870, estava quase em ruínas, agravadas pelo desmoronamento, no dia 30 de
Novembro do seu campanário e do cunhal voltado para Paço dos Duques. Este
derrocada deu força a um movimento de cidadãos de Guimarães que se movimentavam
para conseguirem que a igreja fosse restaurada. Surgiu uma comissão, composta
por Francisco Martins Sarmento, pelo cónego José de Aquino Veloso de Sequeira,
por João Pinto de Queirós e pelo padre António José Ferreira Caldas, que
descreveria estas obras no seu Guimarães
– apontamentos para a sua história. Para
o efeito, avançou-se com uma subscrição pública de recolha de fundo para
custear as obras, tendo-se arrecadado cerca de 700$000 réis. O Estado
comparticiparia com um subsídio do governo de 1:200$000 réis. As obras
iniciaram-se no dia 17 de Agosto de 1874.
Escreveu Ferreira
Caldas:
Nesta restauração, que em tudo seguira o mais que pode o antigo estilo,
foi abatido o arco cruzeiro moderno, e levantado em seu lugar, a expensas do
digno presidente da comissão, o exmo. dr. Sarmento, o que hoje se vê nas dimensões
e formas arquitectónicas do primitivo: o que tudo se conseguiu verificar, pelos
vestígios da antiga emposta, que se descobriram nas paredes que serviam ao arco
e pelas antigas aduelas do mesmo, que então se encontraram soterradas, umas nas
escadas laterais do adro, e outras a fechar a porta travessa do lado norte.
Destas aduelas aproveitaram-se algumas no arco actual, e guardaram-se
outras na parede de suporte do adro à direita de quem sobe as escadas laterais
do mesmo, tendo por baixo esta inscrição: Do arco primitivo da capela-mor.
Vê-se fronteiro a estas, encravado na parede do lado esquerdo, um brasão de
armas portuguesas, que estava sobre uma das portas da muralha da vila, na torre
de Nossa Senhora da Graça - vulgarmente de S. Bento - e que aqui foi colocado
em 1876, durante a restauração.
Hoje está a igreja completamente isolada de quaisquer dependências ou
anexos: todavia é certo que em alguma época as tinha, porque ali viveram por
quatro anos os frades capuchos da Piedade, que para isso necessitavam de casas
mais ou menos extensas. Pelo menos a existência de um claustro, em volta da
igreja, é-nos afiançada pelos cachorros de pedra, que de espaço a espaço,
ressaltam a meia altura, aproximadamente das paredes exteriores. No interior da
igreja nada há de notável a não ser a singeleza e humildade da sua
arquitectura, além de ser o seu pavimento, na maior parte composto de grandes
pedras, as quais serviram de lousas sepulcrais, em que se descobrem vestígios
de antigas inscrições e emblemas, toscamente insculpidos, e hoje quase
desfeitos pela lima dos tempos.
Na última restauração apenas se lhe deixou o altar-mor, por se julgar
isto mais próprio, inutilizando-se-lhe dois laterais, de época recente, que se
levantavam logo abaixo do arco. Era um destes, o do lado do Evangelho, dedicado
a Nossa Senhora da Graça; e o fronteiro, a Santa Margarida, de quem o povo se
tornou tão devoto, que deu ao templo a sua invocação, esquecendo assim o título
do seu legítimo padroeiro. No ângulo formado pelo arco cruzeiro e parede do
corpo da igreja, do lado da Epístola, guarda-se hoje uma pedra tosca com duas
cavidades na superfície, que é o célebre padrão das teigas, medida usada na
fundação da monarquia; ficando reservado o ângulo fronteiro, para nele se
guardar a pia baptismal de D. Afonso Henriques, quando o cabido da Colegiada se
resolver, ou for obrigado a restituí-la a esta antiga igreja.
António José Ferreira Caldas, Guimarães - Apontamentos para a sua História, 2.ª Edição, Guimarães, CMG/SMS,
1996, parte II, pp. 263/267
Durante as obras, foi encontrada, “emparedada na fresta traseira daquele velho templo”, uma imagem gótica de S. Margarida (note-se que a igreja tem duas invocações, S. Miguel e Santa Margarida) perante a qual, segundo o testemunho de Sarmento, o escultor Soares dos Reis soltou exclamações de surpresa” (Francisco Martins Sarmento, "A igreja de Rio Mau", A Vida Moderna, Porto, 1884, V, pág. 1)
Foi Martins Sarmento alma mater deste processo de
restauro, que seria objecto de reconhecimento público. Em 1876, Joaquim
Possidónio da Silva, apresentou à da Real Associação de Arquitectos Civis e
Arqueólogos Portugueses uma proposta para a atribuição de uma
medalha a Martins Sarmento, pelo restauro da Igreja de S. Miguel do Castelo, que seria aprovada em
Assembleia Geral.
Em 1878 o restauro já
estava concluído, mas seria necessário esperar pelo dia de Santa Margarida de
1880 para que a igreja fosse reaberta ao culto. Lá estaria exposta a imagem de
Santa Margarida resgatada dos escombros. O Religião
e Pátria do dia 17 de Julho
convidava a elite vimaranense a participar nas cerimónia de
reabertura daquele pequeno templo, que
não sabemos se é vigia do castelo, ou se o castelo é vigia dele.
A parte religiosa do
acto de reabertura da igreja esteve a cargo do padre Abílio Augusto de Passos.
Aconteceu no dia 20 de Julho de 1880, e foi assim noticiada no dia seguinte
pelo Religião e Pátria:
Bênção e festa
Ontem, dia em que a igreja celebra a festividade de Santa Margarida, fez-se, como noticiámos no n.º passado, a bênção solene da histórica igreja de S. Miguel do Castelo, de que esta Santa é um dos padroeiros, e seguidamente fez-se uma pomposa festividade em honra da mesma Santa.
A igreja esteve todo e dia e durante a noite aberta à visita dos fiéis,
que ali concorreram em grande número.
À noite houve vistosa iluminação na frontaria da igreja, fogo e arraial
no largo e olival fronteiro, tocando uma banda de música.
Está pois restituído ao culto este famoso templo, que, como se sabe, uma
escrupulosa restauração, largamente subsidiada pelo governo e patrioticamente
auxiliada pela generosidade dos vimaranenses, levantou das ruínas que lhe ameaçavam a existência secular.
Religião e Pátria, 21 de Julho de 1880
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