Dos vimaranenses se diz que são diferentes. Não que sejam perfeitos já que, do inventário das virtudes e dos defeitos humanos, nada falta em
Guimarães. São diferentes porque são gregários, porque ainda mantêm firme o
cimento comunitário que por toda a parte se vai desagregando. Os de Guimarães ainda
respondem a uma só voz ao chamamento da sua cidade. São generosos, voluntariosos
e obstinados quando se envolvem em projectos colectivos. São ainda, como a
geração de 1886, gente de antes quebrar que torcer.
Persistem duas ideias contraditórias acerca do modo como os vimaranenses recebem
quem chega de fora. Por um lado, diz-se que têm um comportamento tribal e fechado,
sendo refractários a estranhos; por outro, diz-se que Guimarães é má mãe e boa
madrasta, tratando melhor os de fora do que aqueles que beberam o leite materno
dentro dos seus muros. Ambas as ideias estão longe da verdade, como o
demonstrou o último grande empreendimento colectivo em que a cidade esteve
envolvida.
O processo da preparação da Capital Europeia da Cultura dava um romance,
mas ainda não é o tempo de o escrever. Lembremos apenas que, instalada a equipa
que foi encarregada de a organizar, não foi preciso muito para se perceber que
os novos hóspedes do palacete de Vila Flor estavam de costas voltadas para
cidade. Não tinham percebido nada, nem davam sinais de fazerem qualquer esforço para perceber. Eram
pródigos em palavras bonitas, como envolvimento e legado para o futuro, mas
faziam tudo às avessas.
E foi assim que, como em tantos outros momentos da sua história, os
vimaranenses dividiram o Mundo em nós
e eles. Eles eram os que olhavam a cidade do alto, do Monte do Cavalinho.
Aqueles foram dias difíceis e, para muitos de nós, especialmente
dolorosos, num momento em que todos deveríamos estar a participar na construção
de um acontecimento que tinha tudo para ser um marco único em toda uma geração.
Foi por essa altura que te fui conhecendo melhor. A maior parte de nós
estava enganada. Entre eles havia
quem já sofresse as mesmas dores que nós sofríamos. E sei bem que, para ti,
aqueles foram tempos especialmente difíceis, porque te sentias a navegar num
barco que ameaçava ir ao fundo e que era preciso manter à superfície.
Foi preciso chegar ao Verão de 2011 para que, finalmente, se corrigisse a
rota. Faltava menos de meio ano para subir a cortina e havia que começar de
novo. Era preciso golpe de asa para evitar o desastre anunciado.
Sem tempo para lamber as feridas, era urgente voltar a ganhar os vimaranenses.
Afinal, dos trabalhos de Hércules que tinham pela frente, este acabou por ser o
mais simples. Tu fazes parte. Envolvimento deixou de ser uma palavra vazia. Eu
faço parte. Os cidadãos responderam ao chamamento. Nós fazemos parte. A cidade cabisbaixa
erguia-se de novo, carregada de orgulho de si.
E 2012, em vez do naufrágio anunciado, foi tempo de celebração colectiva
de Guimarães, cidade de cultura, da Europa e do Mundo.
A medalha que hoje Guimarães te entrega constitui um acto de justiça elementar
que, antes de o sabermos, todos adivinhávamos. Porque, quando havia tudo para
que desse errado, tu, com a tua inteligência, persistência e capacidade para
fazer pontes entre margens adversas, foste o homem certo para assumir os
destinos da nau arrombada que andava à deriva no meio da mais tormentosa das
tempestades.
Vimaranenses não são apenas os que nasceram em Guimarães. Vimaranenses
são, como tantas vezes ouvi a Santos Simões, os que aprendem a amar Guimarães.
Ser vimaranense é fazer parte de um colectivo de homens e mulheres que
partilham um modo de ser singular.
Tu fazes parte, João.
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