Cartaz do 24 de Junho de 2013, de Vasco Carneiro Bastos |
24 de Junho de 1128
D. Afonso Henriques
alcança vitória de S. Mamede, em Guimarães e entra a governar.
(João Lopes de Faria, Efemérides Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade
Martins Sarmento, vol. II, p. 295)
De Guimarães o campo se tingia
Com o sangue próprio da intestina guerra,
Onde a mãe, que tão pouco o parecia,
A seu filho negava o amor e a terra.
Luís de Camões, Os Lusíadas, III-31
O reconhecimento da
importância de 24 de Junho de 1128 para a afirmação da nacionalidade portuguesa
é relativamente recente. É certo Alexandre Herculano, em meados do século XIX, elevou
a Batalha de S. Mamede à condição de acto fundador da nacionalidade:
Se na batalha do
campo de S. Mamede, em que Afonso Henriques arrancou definitivamente o poder
das mãos de sua mãe, ou antes das do conde de Trava, a sorte das armas lhe
houvera sido adversa, constituiríamos provavelmente hoje uma província de
Espanha. Mas no progresso da civilização humana tínhamos uma missão que
cumprir. Era necessário que no último ocidente da Europa surgisse um povo,
cheio de actividade e vigor, para cuja acção fosse insuficiente o âmbito da
terra pátria, um povo de homens de imaginação ardente, apaixonados do
incógnito, do misterioso, amando balouçar-se no dorso das vagas ou correr por
cima delas envoltos no temporal, e cujos destinos eram conquistar para o cristianismo
e para a civilização três partes do mundo, devendo ter em recompensa unicamente
a glória. E a glória dele é tanto maior quanto, encerrado na estreiteza de
breves limites, sumido no meio dos grandes impérios da Terra, o seu nome
retumbou por todo o globo.
Alexandre
Herculano, O Bobo, Cap. I
No entanto, ainda
no primeiro quartel do século XX prevalecia prevalecia a tradição que dava a primazia a Ourique, como o momento em que
Portugal nasceu. E esta ideia prevalecia também em Guimarães.Também aqui era em
função da Batalha de Ourique que se estabelecia a cronologia do antes e do
depois da fundação da nacionalidade, atribuindo-se a S. Mamede um papel
manifestamente menor. Também aqui Afonso Henriques era designado como o “vulto
grandioso de Ourique”, “glorioso vencedor de Ourique” e “heróico batalhador do
campo de Ourique”. Só raramente aparecia como o “herói de S. Mamede”.
Seria preciso
chegar ao oitavo centenário da Batalha para que Guimarães se começasse a
reivindicar o reconhecimento do dia 24 de Junho de 1128 como momento fundador
da nacionalidade portuguesa. Por aqueles dias, escreveu Alfredo Pimenta:
A batalha de S.
Mamede é o primeiro acto decisivo, claro, que não admite dúvidas, da série
gloriosa de feitos do fundador do Reino de Portugal. É o nosso grito de
independência, é a nossa primeira afirmação de personalidade e de vontade.
Vitorioso da hoste estrangeira, Afonso Henriques ergue voo, nas suas legítimas
aspirações, e sonha o talhar de fronteiras que é o seu longo reinado.
Por essa altura, já
Acácio Lino havia pintado o dia da Batalha de S. Mamede, numa das salas do
Parlamento português, num fresco que baptizou como A primeira tarde portuguesa.
Acácio Lino, Batalha de S. Mamede - Primeira Tarde Portuguesa, pintura a fresco (Assembleia da República), 1922 |
Para se perceber
como Guimarães demorou a despertar para a importância da Batalha que em 1128 se
travou no seu território, basta notar que, nas suas “Memórias Ressuscitadas da
Antiga Guimarães”, escritas no final do século XVII, o Padre Torcato Peixoto de
Azevedo nem sequer se lhe refere e que o Padre António Caldas no seu Guimarães – Apontamentos para a sua História
continuava a dar primazia a Ourique, como se pode perceber pelo texto seguinte:
PRIMEIROS
LINEAMENTOS DA LIBERDADE PORTUGUESA
Foi aqui nestes
campos feracíssimos, nas quebradas destes montes levantados, onde o primeiro
dardejara seus raios o astro adorável da nossa liberdade pátria.
O conde D.
Henrique, neto famoso de Hugo Capeto, escolhendo Guimarães para sua residência,
principia daqui, no declinar do século XI, a exercer uma tal ou qual soberania,
que foi sem dúvida a gloriosa estreia do pequeno reino português; devendo por
isso considerar-se esta nobilíssima
terra o firme alicerce, sobre o qual se erguera uma nação, que hasteara os seus
estandartes em mundos ignotos, até os mais dilatados confins da terra.
Posto que esta
província, no governo do conde, não fosse completamente independente dos
suseranos de Leão e Castela, todavia, como diz a HISTÓRIA DE PORTUGAL de
Fernando Dinis, o governo proceloso do conde borgonhês foi o crepúsculo matinal
da nacionalidade portuguesa; desde então essa luz nascente não deixou de
arraiar o horizonte político das Espanhas, até que se tornara sol deslumbrante,
diante do qual tivera de curvar-se o próprio rei de Leão. Por morte do conde D.
Henrique, e na menoridade de seu filho D. Afonso Henriques, herda a condessa viúva D.
Tareja o governo dos seus estados; mas desvairada pelas intimidades que a ligam
ao conde de Trava, quer entregar nas mãos do odiado estrangeiro os destinos dos
seus vassalos. É então, 1128, que a fidalguia portuguesa, não podendo suportar
já a ideia de um jogo estranho, rodeando o jovem infante Afonso Henriques na
cidade de Braga, aí o anima e impele a marchar sobre Guimarães para assumir as
rédeas do governo, que sua mãe loucamente alheava.
“Cavalgavam ao lado
do infante os principais fidalgos portugueses, Soeiro Mendes, o arcebispo de
Braga, Ermígio Moniz, Sancho Nunes, Garcia Soares; ao lado de D. Tareja poucos
barões portugueses se tinham conservado; e uma grande parte da hoste fidalga,
que se agrupava em torno do conde de Trava, saindo de Guimarães ao encontro de
D. Afonso, compunha-se de fidalgos galegos. Os dois exércitos toparam um com o
outro nos campos de S. Mamede, e a vitória enfunou as pregas dos balsões de
Afonso Henriques.”
Eis o primeiro
sangue derramado pela independência de Portugal; e assim o grandioso prólogo da
nossa história comemorando a segunda época assinalada e feliz do nosso
Guimarães. «Se na batalha do campo de S. Mamede, em que Afonso Henriques
arrancou definitivamente o poder das mãos de sua mãe, ou antes das do conde de
Trava, a sorte das armas lhe houvera sido adversa, constituiríamos
provavelmente hoje uma província de Espanha. Mas no progresso da civilização
humana tínhamos uma missão que cumprir. Era necessário que no último ocidente
da Europa surgisse um povo, cheio de actividade e vigor, para cuja acção fosse insuficiente
o âmbito da terra pátria, um povo de homens de imaginação ardente, apaixonados
do incógnito, do misterioso, amando balouçar-se no dorso das vagas ou correr
por cima delas envoltos no temporal, e cujos destinos eram conquistar para o
cristianismo e para a civilização três
partes do mundo, devendo ter em recompensa unicamente a glória. E a glória dele
é tanto maior quanto, encerrado na estreiteza
de breves limites, sumido no meio dos grandes impérios da terra, o seu nome
retumbou por todo o globo”.
Finalmente, no
sempre memorável dia 25 de Julho de 1139, o anjo da vitória entrega em Ourique
a D. Afonso a coroa de rei e confere a
Guimarães o sempre glorioso título de “berço da monarquia”.
António José
Ferreira Caldas, Guimarães – Apontamentos
para a sua História, 2.ª Edição, Guimarães, CMG/SMS, 1996, parte I, pp.
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