Os cometas


Aqui fica, na íntegra, o texto sobre os cometas publicado no jornal Imparcial de 11 de Julho de 1881, já citado a propósito da efeméride do dia 23 de Junho.

Ainda o Cometa
Ontem, como anteontem, era grande o ajuntamento do povo nas elevações mais desafogadas da cidade a ver o cometa, o qual se tem elevado sensivelmente para noroeste. Ontem, o cometa apresentava-se muito menos brilhante do que nos dias anteriores. Daremos hoje algumas informações a respeito destes viajantes aéreos, que ainda hoje são um enigma para a ciência.
Muita gente há, que, sem partilhar dos preconceitos do vulgo a respeito da maléfica influência dos cometas, admite todavia a possibilidade de apanharmos num belo dia, uma trombada de algum de esses viageiros errantes, de modo que a terra se pulverize no espaço, ou de ser lambidos e reduzidos a torresmos pelo seu penacho de fogo. Tudo isso é absurdo.
Enquanto à trombada. Os cometas não são corpos sólidos. Não são astros compactos. A prova irrefutável é que, através do núcleo dos cometas, e que constituem a sua parte mais densa, se observam estrelas da 7.ª e 8.ª grandeza. Para que este facto possa dar-se a tão enormes distâncias, é necessário, não só que o núcleo do cometa não seja sólido, mas até que seja de uma composição tenuíssima. E se isto sucede com o núcleo, a densidade é ainda muito menor na cauda. O cálculo neste ponto está perfeitamente assentado. É tão ténue, tão pouco densa, a composição dos cometas, que, ainda topando com a terra, não fariam sobre ela mais impressão do que um tenuíssimo assopro. Há até todas as presunções — tantas quantas a ciência pode estabelecer — que a cauda de um dos últimos cometas envolveu a terra por algum tempo. Mão se percebeu. Uns nevoeiros desusados, que apareceram em alguns pontos nessa ocasião, podem ter tido outra origem.
O que é fora de dúvida, é que não há perigo algum no encontro de um cometa com a terra — a não ser que ele seja composto de gases venenosos, o que é hipótese sem nenhuma plausibilidade.
Enquanto ao incêndio. Também não há receio de que possamos ser chamuscados por um cometa, que se encontre connosco. Os cometas não têm luz própria. É o mesmo que sucede à Lua, a qual todavia nos aparece como um corpo luminoso. Não tendo luz própria, menos tem fogo incandescente, que nos reduza a torresmos. Portanto, podemos dormir descansados.
Qual é, porém, a verdadeira natureza dos cometas? que funções desempenham no sistema planetário? a que leis obedecem? Sobre estes pontos a ciência sabe apenas o bastante para saber... que não sabe coisa nenhuma. Segundo a opinião autorizadíssima de Camillo Flammarion, nem sequer se pode afirmar, com segurança, qual é a natureza da curva que um determinado cometa descreve. Os cometas são verdadeiros judeus errantes, uns Basorras vadios, que fogem a todas as leis.
O famoso Tycho Brahé, astrónomo dinamarquês do século XVII, considerou os cometas como verdadeiros corpos celestes, que giram ao redor do sol, descrevendo elipses extremamente alongados. Kepler, Newton e Laplace seguiram a opinião de Tycho Brahé. Kepler dizia que havia mais cometas no céu, que peixes no oceano. Hevélius, outro astrónomo do seculo XVII, sustentou que as órbitas cometárias eram parabólicas e não elípticas, e ainda isso se não sabe hoje!
A mais curiosa de todas as teorias é a que sustentou, há poucos anos Ch. Nagy no seu livro Cons. sur les cométes ou Élem. d'une cométologie. Segundo este autor os cometas são apenas — “simples fenómenos luminosos, ilusões ópticas, imagens do sol produzidas por corpos celestes diáfanos e pelas atmosferas planetárias”. Estas, como aqueles corpos celestes, viriam a ser verdadeiras lentes, semeadas no espaço.
Não cabe nos estreitos limites de uma notícia indicar os fundamentos da teoria de Ch. Nagy. A demonstração é indirecta, e pode reduzir-se a dois pontos capitais: — 1.º que é impossível que uma matéria qualquer, constituída em corpo celeste, possa passar por transformações incessantes e bruscas como as dos cometas e apresentar os fenómenos, que eles oferecem; 2.º que, a não serem os cometas, não se encontram no espaço as imagens do Sol que, segundo os princípios da óptica, necessariamente hão-de ser formados pelas atmosferas planetárias, cuja existência está posta fora de qualquer dúvida pela análise espectral. Convém notar, que efectivamente os cometas estão sujeitos a variações bruscas na sua forma, variações efectuadas de um dia para o outro, o que não se compadece bem com a ideia de um corpo sujeito a leis regulare.
O que é certo... é que nada se sabe de certo.
A palavra cometa vem do grego e quer dizer etimologicamente estrela crinita. Os cometas constam de três parles distintas : a saber, núcleo, cauda, e nebulosidade ou crina. O núcleo é a cabeça, a parle principal e mais intensa; a crina é uma espécie de auréola, que cerca o núcleo; e a cauda é o rastilho luminoso, «que se prolonga e esbate no espaço. Têm sido observados alguns cometas sem cauda — Basorras depois da procissão de Corpus Christi. Dois ou três têm sido vistos sem núcleo aparente, mas nunca sem crina. Dois ou três têm aparecido com duas caudas, sendo a mais curta dirigida para o Sol — como diz a Basorra e Basorrinho juntos. Algumas vezes aparecem as caldas divididas em duas, ou três ou mais porções, até sete, sendo estai divisão feita por linhas escuras. Esta divisão doas caudas, e o aparecimento de caudas em duplicado, dão argumento em favor da teoria de C. Nagy.
Os núcleos mudam de forma, de grandeza e de brilho. Varia o aspecto das caudas e das crinas em cada instante, transformam-se umas nas outras, e à custa de uma destas desenvolve-se a outra. Há fundadas indicações de um cometa se ter dividido em dois cometas completos — o que seria um argumento formidável em favor da teoria do Ch. Nagy. Os núcleos algumas vezes têm a forma de focos de incêndio, e as caudas parecem agitadas pelo vento, formando ondulações visíveis até a olho nu.
Eis o que podemos dizer aos nossos leitores a respeito dos cometas... do céu. Cá pela Terra também andam cometas de várias espécies. O cometa regenerador é de mais destruidores efeitos. Esse sim, que não é ilusão de óptica. Por onde passa, fica tudo lambido.
Imparcial, Guimarães, 1 de Julho de 1881


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