Claustro da antiga Colegiada da Oliveira |
28 de Junho de 1632
O Cabido,
constando-lhe que o tesoureiro-mor Baltasar Dias de Afonseca trazia armas, o
que era contra as leis da Colegiada, delibera multá-lo em 8 dias de risco, bem
como em outros 8 por fazer demanda ao Cabido sem primeiro pedir licença, e em
mais 60 dias “por constar que falou contra as pessoas do Cabido chamando-lhe cabrões, judeus e soltar outras palavras infames, visto ser afronta grave e
o dito tesoureiro acostumado a fazê-las”.
(João Lopes de Faria, Efemérides Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade
Martins Sarmento, vol. II, p. 310)
Situações como a que levou a
que o tesoureiro-mor da Colegiada da Oliveira fosse recriminado e castigado
pelos seus pares do Cabido são, ao contrário do que provavelmente seria de
esperar de homens religiosos e austeros, recorrentes. Cónegos que mantinha relações
amorosas com mulheres solteiras, viúvas, casadas ou mesmo religiosas são
recorrentes. Cónegos beberrões, que se vestem de maneira considerada imprópria,
que jogam a dinheiro, que desrespeitam os interditos quaresmais, que são
desbocados, que têm mulheres e filhos aparecem-nos a todo o momento nas
visitações que o Prior fazia à Colegiada e nas devassas que então eram
instauradas.
Aqui fica um exemplo:
Era a Colegiada de
Guimarães, segundo o retrato que nos é traçado pelos seus membros na
devassa promovida por D. João Lobo de Faro, D. Prior, em 1642/1643, uma
comunidade onde dezanove dos seus quarenta
membros, todos eles com voto de castidade, são acusados de terem relações com
mulheres, dois deles com freiras e um com duas mulheres ao mesmo tempo. Catorze
são indicados como tendo filhos ou mulheres prenhes. Dois deles são mesmo
acusados de terem levado a que as mulheres com quem andaram
amancebadas
a abortarem por força de pancada.
Vejamos alguns casos, começando
pelo Chantre que, segundo o meio-prebendado Cosme Fernandes “menos há de seis
meses tinha uma mulher em sua casa por nome Jerónima Ferreira de quem tinha
filhos o que era público nesta terra; e tratando ele testemunha com o dito
Chantre lhe desse ordem devida, e a lançasse fora, ele pediu a ele testemunha
lhe buscasse casa comprada, e um homem com quem a casasse que ele daria ordem
para isso, o que não teve efeito, e sabe ele testemunha que ela alugou umas
casas para ir morar a elas, e perguntando ele testemunha a uma pessoa da casa
do dito Chantre se vivia já nas casas alugadas a dita Jerónima Ferreira, lhe
disseram que não, mas que vivia com uma vizinha junto das ditas casas, mas ele
testemunha não sabe aonde ela de presente está.”
Já Francisco Correia não tinha
uma, mas duas concubinas. Uma delas, que se chamava Susana, a Negra, e de quem tinha filhos lhe terá
dito publicamente, da sua janela: “judeu, cabrão, hei-de-te fazer prender pelo
Santo Ofício por que me disseste que arrenegasse de Deus”. Chamadas testemunhas,
uma delas, Gonçalo Rodrigues Corneta, vizinho da Susana na Rua de Santa Luzia,
disse que não tinha ouvido tais palavras, apenas que a ouvira algumas vezes
chamar cão ao cónego.
Caso ainda mais complicado
parecia ser o de Baltasar Soares, coreiro, de quem era público e notório dizer-se que, como contou Tomás Bocarro, “tinha
uma mulher com quem andava amancebado, e que andando algumas vezes prenhe lhe
dava muitas pancadas das quais dizem a fizera mover [abortar]”.
Mas o rol dos pecadilhos dos
cónegos era mais vasto, a crer nas denúncias feitas pelos próprios, mutuamente.
Assim, três deles são referenciados como sendo jogadores inveterados de jogos
de fortuna e azar. Aliás, segundo o depoimento de Baltasar Soares, haveria
mesmo o costume de se fazerem merendas e jogos na sacristia da Colegiada,
especialmente no Verão. Alguns, são acusados de andarem descompostos, mudando
os trajos, especialmente de noite, em que andavam de curto, por vezes com armas
e embuçados, armando arruaças.
Outros comportavam-se com
indecência no coro, falando de uma ala para a outra e fazendo acenos,
nomeadamente a moças; e falavam muitas torpezas
que não são para escrever, como as que terão sido proferidas, no dizer de
Gaspar da Fonseca, pelo cónego Gonçalo
de Freitas, contra o D. Prior, de quem disse que era um asno, e burro, e tolo, e outras mais palavras. Ou então,
nos votos do Cabido, recorriam a suborno
para a eleição de juízes, como transparece do depoimento de Francisco
Correia.
Eram uns santos, estes cónegos…
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