Desenhos do Cometa C/1881 K1 (Tebbutt), por Henry Chamberlain Russell
23 de Junho de 1881
Ao escurecer apareceu no nosso
horizonte um formoso cometa de grande cauda. Tendo o nascimento a noroeste e o
ocaso a nordeste. O povo vê sempre nestes casos o prognóstico de grandes
calamidades, e nesta ocasião o prejuízo redobrou, porque o seu aparecimento coincidiu
casualmente com a profecia de um célebre astrónomo italiano que pressagiava o
fim do mundo a 15 do próximo Novembro.
(João Lopes de Faria, Efemérides
Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol.
II, p. 292)
Mother Shipton (aliás Ursula
Southeil) na Inglaterra entre finais do século XV e meados do seguinte. Tinha
fama de vidente. Em 1641, oitenta anos após a sua morte, foi publicado o seu
livro de profecias. Entre elas, o anúncio do fim do Mundo no ano de 1881:
The world to an
end shall come
In eighteen hundred and eighty one.
(O Mundo chegará ao fim / Em mil oitocentos e oitenta e um)
Esta previsão seria confirmada por
muitos, a partir dos resultados obtidos pelo astrónomo escocês de origem
italiana Charles Piazzi Smyth nos seus cálculos matemáticos sobre a pirâmide de
Quéops. No Egipto, subsistia então a crença de que as
pirâmides de Gizé eram dos judeus guiados pela mão divina, guardando os
segredos de acontecimentos futuros. Segundo estas interpretações, o fim do
Mundo aconteceria no de 1881.
Há milhares de anos que os cometas
são olhados pelos homens com fascínio e medo. Por regra, são percebidos como
prenúncios de grandes cataclismos (epidemias, guerras, terramotos, tempestades
inundações) ou da morte de alguém importante. Segundo muitos, a visão de um
cometa anuncia o fim do Mundo.
No dia 22 de Maio de 1881, John
Tebbutt, astrónomo amador de Sidney, avistou no firmamento a inesperada
aparição de um cometa, que ficaria baptizado com o seu nome (é também conhecido
como o Grande Cometa de 1881 ou C/1881
K1. Para muitos, este era o sinal que confirmava as previsões de Mother Shipton
e de Piazzi Smyth. Um mês depois,
a 22 de Junho, o cometa de Tebutt começou a ser visto no hemisfério Norte.
O primeiro avistamento em Guimarães aconteceu na noite do dia 23. Escrevia
o jornal Imparcial do dia 28:
Haverá cinco ou seis noites que apareceu no nosso horizonte um astro
brilhante de cauda, visível, a que a ciência chama cometa. Vê-se na direcção do
nordeste, bastante inclinado sobre o horizonte, e por isso a sua duração será
curta.
Imparcial,
Guimarães, 28 de Junho de 1881
Por aquelas noites, as gentes de Guimarães acorreram aos pontos mais
elevados, onde as vistas do céu eram mais desimpedidas, a observar o fenómeno. A
inquietação começou a circular entre as gentes de Guimarães. No entanto, os
jornais locais logo trataram de procurar aquietar os espíritos. No dia 2 de
Julho, escrevia-se no Religião e Pátria:
O povo, em geral supersticioso e
ignorante, considera estes astros errantes como prenúncios ou correios de más
novas, atribuindo lhes toda a casta de calamidades, principalmente guerras, ou
falecimento de personagens ilustres, sendo que a casual coincidência de se
darem algumas vezes acontecimentos graves por ocasião da aparição de um cometa,
tem feito com que desde remotos tempos tenha voga entre o povo, e continue
arreigada em seu ânimo semelhante crença. Há porém ainda quem, em vez das
influências maléficas, que gratuitamente são atribuídas a estes viajantes
celestes, lhes conceda pelo contrário da mesma sorte benéficas influências; e
na verdade tanta razão há para uma coisa como para outra. Bem hajam os
franceses com o seu provérbio que diz: “Ano de cometa, ano de bom vinho”. A ser
assim não deve haver motivo para susto, mas antes para alegria, especialmente
para os devotos de Baco, na presente conjuntura. Astro inofensivo ele continua
o seu giro no espaço sem se importar com a boa ou má reputação que possa
merecer.
Religião e Pátria,
Guimarães, 2 de Julho de 1881
Na véspera, o Imparcial havia
publicado um longo artigo em que se expunham os conhecimentos disponíveis
acerca dos cometas, à luz da ciência, procurando desfazer algumas ideias feitas
sobre os perigos deste fenómeno astral:
Muita gente há, que, sem partilhar
dos preconceitos do vulgo a respeito da maléfica influência dos cometas, admite
todavia a possibilidade de apanharmos num belo dia, uma trombada de algum de
esses viageiros errantes, de modo que a terra se pulverize no espaço, ou de ser
lambidos e reduzidos a torresmos pelo seu penacho de fogo. Tudo isso é absurdo.
Sossegadas os espíritos quanto à suposta periculosidade do cometa que naquelas
noites rasgava o céu, o articulista fechava o seu texto chamando a atenção para
outros cometas, terrestres e, esses sim, daninhos:
Eis o que podemos dizer aos nossos
leitores a respeito dos cometas... do céu. Cá pela Terra também andam cometas
de várias espécies. O cometa regenerador é de mais destruidores efeitos. Esse sim,
que não é ilusão de óptica. Por onde passa, fica tudo lambido.
Imparcial,
Guimarães, 1 de Julho de 1881
Duas notas finais: (1) as previsões de Mother Shipton eram, afinal,
invenção do responsável pela ediçãodo seu livro de 1862, um tal Charles Hindley,
e (2) Piazzi Smyth rejeitou a profecia do
fim do Mundo em 1881, anunciando, no entanto, algumas datas do século XX em que
poderia acontecer. As quais, como bem sabe quem leu este texto até aqui, também
não se confirmaram.
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