S. Nicolau (repare-se, mais uma vez,no pormenor das maçãs) |
De
1911 conhecemos um segundo Bando Escolástico, que aparece com a indicação de
“edição primitiva” e vem publicado no terceiro número do quinzenário académico O Caloiro, que saiu no dia 15 de Janeiro
de 1912, com a indicação de que a publicação se fazia em satisfação de alguns
pedido e de que se tratava do “Bando – uma parte que foi substituída – que
deveria ter sido recitado por ocasião das Festas Nicolinas e não o foi por
vários motivos”. Da leitura do texto podemos perceber quais teriam sido esses
“vários motivos” para retirada do pregão da parte que O Caloiro deu à estampa: a resposta violenta que dava a A. L. de
Carvalho, que queria “ver a festa acabada”; uma crítica agreste um João Semana que teria sido cacique no tempo da Monarquia e que
agora estaria ao serviço do novo regime; e uma boa dose de soltura na linguagem
usada na parte em que se dirigia às tricanas (operárias têxteis) e às
costureiras, pedindo-lhes que fizessem aos estudantes bicha-gata (carícias), e ternos tagatés (carícias com as mãos), que eles
retribuiriam com “os mais lindos nenés”...
Apesar de não ser
identificado, nada indica que esta “edição primitiva” não seja obra do general
Sousa Macário, que assina a versão expurgada do pregão que foi declamado no dia
5 de Dezembro de 1911.
Bando Escolástico
Edição Primitiva
(PARTE)
Um ano mais
volvido e a festa a Nicolau,
Sem ver que
é caro o azeite, o vinho e o bacalhau,
Se faz mais
uma vez com estrondo e galhardia,
Como era
justo esperar da nossa academia.
A mocidade e
assim. Desconhecendo dores,
Só pensa em
divertir-se, em cantar seus amores.
A vida é
isto, ò loira e fresca mocidade!
Querer
ver-te a chorar em tão risonha idade...
É ser muito
cruel querer atrofiar-te...
Então fora
melhor duma só vez matar-te!
Carvalho
enfatuado, enrista uma vareta
De velho
guarda-sol e escreve para a gazeta:
“Que a festa
já não tem do Povo a simpatia,
Nem graça, e
que é gramada assim por cobardia”.
Carvalho
amigo quer ver a festa acabada,
Reduzida a
silêncio a nossa zabumbada,
Para poder
escrever as suas chinesices,
Dizendo
asneiras mil, e mil parlapatices.
Não e um
carvalho assim, de casca grossa e testa,
Que recuar
nos faz. O Povo quer a festa.
Unido à
mocidade, assim de par a par,
O Povo quer
rir muito, o Povo quer brincar.
A festa não
acaba, a festa há-de viver!
O teu
enfatuamento, esse é que há-de morrer,
E nós
havemos de ir acompanhar a tumba
Carpindo a
tua sorte a toques de zabumba.
Hoje é tudo mudado.
Até o destino quis
Que no
antigo lugar do nosso chafariz
Fosse
erguido o padrão da nossa maior glória,
Do Rei
Conquistador a brônzea memória.
Mas não se
julgue, só desse facto iracundo
De o nosso
chafariz, que assombrava o mundo,
Estar hoje
substituído pela brônzea figura,
Que pode um
Zé qualquer, armado de finura,
Vir cá meter
bedelho à festa de estudantes;
Pois se
apanhado for algum desses tunantes,
Irá perante
a estátua, e mesmo de roldão,
E ali
aprenderá a velha tradição...
E depois de
saber o peso da vingança
Comendo a
sopa de urso assim, na velha usança
Irá logo
cavar... batatas, que é da moda,
Nos mimosos
torrões que ali ficam à roda.
Querida
Guimarães! oh! Como tu és linda,
Soberba,
majestosa e mais coisas ainda!
Nada te
falta já; tens tudo quanto é bom;
Água e luz a
granel, jardim do último tom.
Avenidas tu
tens e ruas espaçosas.
Em ti só se
respira o perfume das rosas.
Porém ainda
te falta o que te é mais preciso
– Juízo,
Guimarães, muito senso e juízo.
Quando
dentro de ti alguém ouse afirmar
Em político
brinde, ao fim dum bom jantar,
Que votos
não pediu para alguma eleição
Tendo sido
cacique, oh! corre o intrujão.
Se alguém
ousa dizer em um lugar idêntico,
Embora se
intitule um João Semana autêntico,
Que nunca
pediu nada à finda monarquia,
Tendo-lhe
ele pedido uma qualquer fatia
Na Escola
Industrial ou mesmo no Liceu,
Não
consintas em tal, encara esse sandeu
Dizendo-lhe
que mente; e ajunta em tom funéreo:
– João Semana foi sempre um velho muito sério.
Tricanas
desta terra, ó ledas costureiras,
Ouvi o que
vos digo, e vós também, sopeiras…
É morta esta
nossa alma. Os nossos corações
Cansados de
pular num mundo de ilusões
São já
mortos também. Não há já um sorriso
Que nos faça
lembrar o doce paraíso
Onde habita
o amor. Como um cão sem dono,
Andamos por
aí, da rua ao abandono,
Sem que uma
mão amiga, um peito amante e são
Nos dê uma
nova vida, um novo coração.
Tricanas!
Costureiras! Hoje vós todas juntas,
Fazei já
reviver nossas almas defuntas.
Fazei-nos bicha-gata, e ternos tagatés...
Dar-vos-emos
em paga os mais lindos nénés...
O Caloiro, ano 1.º, n.º 3, Guimarães, 15
de Janeiro de 1912
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