Pregões a S. Nicolau (66): 1911.2

S. Nicolau (repare-se, mais uma vez,no pormenor das maçãs)


De 1911 conhecemos um segundo Bando Escolástico, que aparece com a indicação de “edição primitiva” e vem publicado no terceiro número do quinzenário académico O Caloiro, que saiu no dia 15 de Janeiro de 1912, com a indicação de que a publicação se fazia em satisfação de alguns pedido e de que se tratava do “Bando – uma parte que foi substituída – que deveria ter sido recitado por ocasião das Festas Nicolinas e não o foi por vários motivos”. Da leitura do texto podemos perceber quais teriam sido esses “vários motivos” para retirada do pregão da parte que O Caloiro deu à estampa: a resposta violenta que dava a A. L. de Carvalho, que queria “ver a festa acabada”; uma crítica agreste um João Semana que teria sido cacique no tempo da Monarquia e que agora estaria ao serviço do novo regime; e uma boa dose de soltura na linguagem usada na parte em que se dirigia às tricanas (operárias têxteis) e às costureiras, pedindo-lhes que fizessem aos estudantes bicha-gata (carícias), e ternos tagatés (carícias com as mãos), que eles retribuiriam com “os mais lindos nenés”...

Apesar de não ser identificado, nada indica que esta “edição primitiva” não seja obra do general Sousa Macário, que assina a versão expurgada do pregão que foi declamado no dia 5 de Dezembro de 1911.



Bando Escolástico
Edição Primitiva
(PARTE)

Um ano mais volvido e a festa a Nicolau,
Sem ver que é caro o azeite, o vinho e o bacalhau,
Se faz mais uma vez com estrondo e galhardia,
Como era justo esperar da nossa academia.
A mocidade e assim. Desconhecendo dores,
Só pensa em divertir-se, em cantar seus amores.
A vida é isto, ò loira e fresca mocidade!
Querer ver-te a chorar em tão risonha idade...
É ser muito cruel querer atrofiar-te...
Então fora melhor duma só vez matar-te!

Carvalho enfatuado, enrista uma vareta
De velho guarda-sol e escreve para a gazeta:
“Que a festa já não tem do Povo a simpatia,
Nem graça, e que é gramada assim por cobardia”.
Carvalho amigo quer ver a festa acabada,
Reduzida a silêncio a nossa zabumbada,
Para poder escrever as suas chinesices,
Dizendo asneiras mil, e mil parlapatices.
Não e um carvalho assim, de casca grossa e testa,
Que recuar nos faz. O Povo quer a festa.
Unido à mocidade, assim de par a par,
O Povo quer rir muito, o Povo quer brincar.
A festa não acaba, a festa há-de viver!
O teu enfatuamento, esse é que há-de morrer,
E nós havemos de ir acompanhar a tumba
Carpindo a tua sorte a toques de zabumba.

Hoje é tudo mudado. Até o destino quis
Que no antigo lugar do nosso chafariz
Fosse erguido o padrão da nossa maior glória,
Do Rei Conquistador a brônzea memória.
Mas não se julgue, só desse facto iracundo
De o nosso chafariz, que assombrava o mundo,
Estar hoje substituído pela brônzea figura,
Que pode um Zé qualquer, armado de finura,
Vir cá meter bedelho à festa de estudantes;
Pois se apanhado for algum desses tunantes,
Irá perante a estátua, e mesmo de roldão,
E ali aprenderá a velha tradição...
E depois de saber o peso da vingança
Comendo a sopa de urso assim, na velha usança
Irá logo cavar... batatas, que é da moda,
Nos mimosos torrões que ali ficam à roda.

Querida Guimarães! oh! Como tu és linda,
Soberba, majestosa e mais coisas ainda!
Nada te falta já; tens tudo quanto é bom;
Água e luz a granel, jardim do último tom.
Avenidas tu tens e ruas espaçosas.
Em ti só se respira o perfume das rosas.
Porém ainda te falta o que te é mais preciso
– Juízo, Guimarães, muito senso e juízo.
Quando dentro de ti alguém ouse afirmar
Em político brinde, ao fim dum bom jantar,
Que votos não pediu para alguma eleição
Tendo sido cacique, oh! corre o intrujão.
Se alguém ousa dizer em um lugar idêntico,
Embora se intitule um João Semana autêntico,
Que nunca pediu nada à finda monarquia,
Tendo-lhe ele pedido uma qualquer fatia
Na Escola Industrial ou mesmo no Liceu,
Não consintas em tal, encara esse sandeu
Dizendo-lhe que mente; e ajunta em tom funéreo:
João Semana foi sempre um velho muito sério.

Tricanas desta terra, ó ledas costureiras,
Ouvi o que vos digo, e vós também, sopeiras…
É morta esta nossa alma. Os nossos corações
Cansados de pular num mundo de ilusões
São já mortos também. Não há já um sorriso
Que nos faça lembrar o doce paraíso
Onde habita o amor. Como um cão sem dono,
Andamos por aí, da rua ao abandono,
Sem que uma mão amiga, um peito amante e são
Nos dê uma nova vida, um novo coração.
Tricanas! Costureiras! Hoje vós todas juntas,
Fazei já reviver nossas almas defuntas.
Fazei-nos bicha-gata, e ternos tagatés...
Dar-vos-emos em paga os mais lindos nénés...

O Caloiro, ano 1.º, n.º 3, Guimarães, 15 de Janeiro de 1912

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