Desfile de crianças no Cortejo do Trabalho Nacional de 1935. A saudação de braço estendido era uma demonstração de que a doutrinação ideológica começava logo nos primeiros anos. |
1 de Maio de 1935
Festa do
Trabalho em Guimarães.
(João Lopes de
Faria, Efemérides Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins
Sarmento, vol. II, p. 105)
O escritor Saint-Exupéry, descreveu, numa carta, a impressão que lhe
causou a sua passagem por Portugal, em Dezembro de 1940, que lhe surgiu como “uma
espécie de paraíso claro e triste” agarrado “à ilusão da sua felicidade”,
num tempo em que a Europa mergulhava na mais terrível das guerras e se falava
na iminência de uma invasão:
“Era irreal. Lembrava um verdadeiro baile de bonecas. Porém era triste.”
Este baile de bonecas começara a ser encenado por António de Oliveira
Salazar no início da década de 1930, impondo o seu modelo de uma sociedade
ideal: rural, paroquial, imune às influências estrangeiras, puritana, corporativa
onde prevalecia a ordem e a paz social. Um dos elementos desta ilusão de
felicidade era a ideia da harmonia entre patrões e os operários, que começou a
ser imposta com a entrada em vigor, em 1934, do Estatuto do Trabalho Nacional,
que replicava a Carta del Lavoro, de
Mussolini, proibindo a existência de sindicatos livres e impondo a criação dos
sindicatos nacionais, que integrariam a nova estrutura corporativa.
No dia 1.º de Maio 1935, Guimarães vai ser palco da Festa do Trabalho
Nacional, que funcionaria como uma demonstração do novo modelo de relações
laborais que o Estado Novo pretendia impor, onde reinaria a consonância entre
assalariados e patrões. O ponto mais alto dessa celebração, foi o Cortejo do
Trabalho Nacional em Guimarães, que percorreu as ruas da cidade, onde, segundo
a reportagem de O Comércio de Guimarães:
Os operários aos milhares, acompanhados
pelos seus chefes, davam largas às suas aspirações,levantando vivas ao 1.º. de
Maio, Estado Corporativo, a Salazar, ao braço trabalhador, aos seus chefes, à
cidade de Guimarães etc, etc.
Estes vivas eram acompanhados pela saudação romana, ressuscitada pelo
fascismo europeu. Aqueles braços estendidos eram um dos sinais da identificação
do regime português com a Itália de Mussolini, a Espanha de Franco ou a
Alemanha de Hitler.
A celebração de Guimarães do 1.º de Maio de 1935 foi, acima de tudo, uma
manifestação de celebração do regime, que estava apostado na consolidação da
ideia de que o Estado Novo trouxera a paz e a harmonia a um país em desordem. Terminou
com um banquete onde alguns operários, confraternizaram com três ministros (do
interior, da Agricultura e do Comércio e Indústria), o Governador civil do
distrito, o presidente da Câmara, o Director do Secretariado de Propaganda Nacional, António Ferro, algumas figuras destacadas do Exército português, além de
centena e meia de médicos, oficiais, industriais do concelho e distrito e representantes da imprensa. No seu dia, os trabalhadores apareciam como meros figurantes num "baile de bonecas" onde os protagonistas eram outros.
Carro da indústria de Pevidém. |
As fotografias que acompanham este texto foram publicada na revista Ilustração, acompanhando o texto que se segue.
AS FESTAS DO
1.º DE MAIO EM GUIMARÃES
À semelhança do
que Braga fizera no ano passado, Guimarães comemorou o passado dia 1 de Maio
com uma Festa do Trabalho Nacional que resultou um espectáculo brilhantíssimo
de cor e animação. O acontecimento fez acorrer à vetusta cidade do Norte grande
multidão de forasteiros, computada em mais de trinta mil pessoas. O Governo
fez-se representar pelos srs. ministros do Interior e do Comércio.
O desfile do
cortejo começou às 15 horas. À frente seguia a banda de música dos órfãos de S.
Caetano, composta por rapazes de 12 a 16 anos, todos com fardamento à
marinheira, branco Vinha depois um estudante de capa e batina com a bandeira
nacional e atrás as crianças das escolas primárias empunhando vários dísticos.
Quase todos os concelhos de distrito estavam representados no cortejo, pela sua
bandeira e pela sua população escolar: Póvoa do Lanhoso, Esposende, Vieira,
Fafe. Cabeceiras de Basto, Celorico e Vila Verde. Fechava esta primeira parte
do cortejo, dedicada ao trabalho intelectual, um carro alegórico, homenagem ao
trabalho escolar, liceal e técnico.
O cortejo
continuava depois consagrado ao Trabalho Industrial e Comercial. Sucediam-se os
carros alegóricos, alguns ornamentados a capricho e representando todos os
ramos de actividade daquela laboriosa região.
A parte do
cortejo dedicada à Agricultura não era menos pitoresca. Figuravam nela os típicos
carros de bois puxados a dez e quinze juntas, com os jugos caprichosamente
entalhados. As gravuras que acompanham estas linhas mostram em cima o desfile
das crianças e em baixo o carro alegórico da indústria de Pevidém.
Com todos estes
elementos e muitos outros que o pouco espaço de que dispomos não permite
referir, o Cortejo do Trabalho Nacional em Guimarães constituiu um espectáculo
cheio de beleza e movimento que deixou em quantos a ele assistiram as melhores recordações É isto um legítimo motivo de orgulho para a antiga cidade do
Norte.
Ilustração, n.º 226, 16 de Maio de 1935,
p. 24
[Nota: No Manuscrito de João Lopes de Faria há erro na data desta efeméride, uma vez que diz que esta celebração aconteceu no ano de 1932.]
0 Comentários