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Legenda |
O pregão de
1896 volta a ter a mão de Bráulio Caldas e foi lido por Luís Augusto de
Freitas. Segundo o jornal Povo de Guimarães de 13 de Dezembro, no dia 5:
A chuva
impertinente que caiu durante a tarde não conseguiu arrefecer o entusiasmo dos
briosos académicos. (…)
Num landeau tirado por duas magníficas
parelhas, vinham o presidente da comissão dos festejos, que recitava o pregão,
e o primeiro e segundo secretários.
O pregão,
tal como as festas, entra definitivamente num novo tempo, em que, além de
anunciar as festas do dia 6, desempenha a função de crónica satírica dos dias
que corriam.
BANDO ESCOLÁSTICO
da
Festa Académica
O S. Nicolau em Guimarães
RECITADO
no dia
5 de Dezembro de 1896
pelo estudante de filosofia
Luís Augusto de Freitas
eu d. pantaleão pancrácio pepino pita e pegas (sucessor
de D. Virgílio Maronis), por graça de S. Majestade Atroadora El-Rei Zabumba,
Doutor Gramático-Filosófico-Latinista; Autor da última edição da emancipação da mulher e reformado em
solteirão pelo Ministério de D. Cuco, Velobicicletista-aereonauta em transacção
com a companhia estafete-liteira e
com os caminhos-de-ferro de além-campa;
Sacristão-mor da capela de S. Crispim, com matrícula assente na Associação da
Borga; Artista de paisagens nocturnas; assíduo frequentador da Costa e provador
abalizado de Queijo; Amigo íntimo do Sábio estudo em todas as lucubrações
cabulógicas; Editor responsável de todos os compêndios de aulas feitos em Prado,
etc, etc, etc.
Faço saber que principiaram e continuam as grandiosas festas de S.
Nicolau em Guimarães, e que por uma Portaria de D. Jerónimo Sampaio,
Pregador-mor do ano passado, podem entrar nesta pândega todos os estudantes
antigos e modernos que se acharem ao abrigo das disposições dos estatutos de
1837 e respectivos actos adicionais, com que me conformo. Por isso, mando ao
meu súbdito Luís de Freitas, que fale às massas
como entender!
Alto frente!
é parar; ouvi. Ne sus Minervam!
Eu bem sei o
que digo. Estudantes não vergam
A cerviz a
quem quer que pretenda mandá-los.
Quer seja
ele um Rei, quer mestre de badalos,
Que, tocando
a rebate, incite a freguesia
Para a festa
abafar, julgando-a uma utopia.
Quem manda
somos nós, quem reina é Nicolau.
Governo
ditador em festas não é mau.
Saudemos
Guimarães a grande e nobre grei,
Que formou
Portugal no baptismo dum Rei.
Saudemos o
Comércio honrado e protector,
Saudemos o
artista, o bom trabalhador.
Viva a
imprensa da terra, aclame-a o mundo inteiro,
Viva o
correspondente austero do Janeiro.
Este ano há
novas leis; pois fica revogado
O antigo
chafariz por ter sido mudado.
Tiraram-no
do Toural, apanhando o ensejo
De ninguém
contestar a acção do seu despejo
Se alguém
nos maltratar chamamos pelo amo
Que o file
como a um cão para lhe pôr açamo,
Se, preso,
ainda assim nos arremete e ladra
É entregue à
polícia, e preso para a esquadra.
Seminário-Liceu! Liceu ou Seminário?...
Tu dás-nos
que estender! és o nosso Calvário!
Mas fechas
hoje a porta e ficas com perrice
Por não nos
aturar a grande cabulice,
A moléstia
da moda, essa madrasta sostra
E que se
agarra a nós como ao rochedo à ostra.
Ilustres
professores, que temos respeitado.
Deixai-nos
divertir, lembrai-vos do passado;
Perdoai-nos
o folgar nestas festas simbólicas.
Um remédio
eficaz para curar as cólicas.
Oh! tempo
jubiloso! oh! grande comezaina
Que amanhã
vamos ter em paga desta faina!
Vamos beber Falerno
ao Sindicato Agrícola,
Melhor que o
Alto Douro e mais do que a Vinícola.
Fora o
inimigo de alma, - a carne - e viva o Khune!
Lá diz à
boca cheia a claque que reúne
Na grande
propaganda em honra dedicada
Ao inimigo
maior da bula da Cruzada!
Adeus oh
belo beef, esplêndida orelheira
Feita de
feijoada à moda brasileira!
Oh! Vitela
de Fafe! oh! Port-wine antigo !
Caiu vosso
reinado em poder do inimigo!
Agora é vegetais, tomates, agriões,
Com sumo de
pepino, óleo de camarões,
Nabiça,
couve penca e flor e os nabos doces
Que o Penafort dá por ser das posses.
. . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Que cozinhe
lá isto o Zé Maria,
Se é capaz de
entender esta filosofia.
Estudantes de
outrora, moços e anciãos
Lembrai o
vosso tempo, as posses, as maçãs,
Lindas
exibições, fantásticas folias
Que só em
Guimarães as houve nestes dias.
Oh! que
tempos, que amor, nessa alegria louca,
Que os
nervos faz pular, e vir água à boca.
À Penha!
vamos lá; volvamos os olhares
Além, ao
firmamento, a contemplar os mares
Na fímbria
do horizonte; ao longe... muito ao longe...
Não há ali a
tristeza ascética do monge:
Há muita
vida e sol!... as mágoas desaparecem
Sem se saber
porquê; as tristezas esquecem.
A torre lá no
alto... as capelinhas brancas...
As ruas de
granito em nome de almas francas...
Têm muita
poesia e muita adoração
Para dar
crença na alma e vida ao coração!...
. . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
M quando
iremos lá na grande cavalhada?
Depois de
construída a legendária estrada!
Tricanas
desta terra, ó lindas patusquinhas
Que roubais
o juízo às nossas cabecinhas,
Malmequeres
do campo e dores do rosmaninho,
Botõezinhos
de rosa... e rosas com espinho
Que nos
picam sem dor. É tecer... é tecer.
Fabricai-nos
amor, fabricai-nos prazer;
A vida é uma
meada às vezes sem costal,
Mas vosso
linho é bom para o nosso enxoval.
Não é pior a
malha agora para o frio
Eo algodão
tecido é quente e é macio.
Tece, tece ó tear, é suave o teu som
Para abafar os ais do nosso coração!
Guapas sem
senão, para ganhar conquistas,
Segundo reza
a história e dizem os cronistas.
Vinde
connosco, vinde, e ao rufar dos tambores
Saudai a
Nicolau, cantai nossos amores.
* * *
Damas de
Guimarães; mimosas flores-de-lis.
Que a cidade
adornais e o nosso bando ouvis.
Eva enganou
a Adão com a maçã traidora:
Mas as
nossas maçãs, ò virgem sedutora,
Não são
pomos de engano ou pomos de discórdia;
Vossa boca
rosada aromatiza-a e morde-a,
Libando na
doçura amarga essa saudade
De um desejo
de amar que tem a mocidade!
Cada um de
nós é Adão e a maçã aliança.
A árvore é o
balcão e a serpente a lança
Conquistando
um sorriso, um meigo olhar bendito,
Que nem o
próprio Deus acusa de maldito,
Se o Paraíso
fosse em Guimarães na terra
Que tanta
santa tem, que tanto amor encerra
Cândido como
a aurora, e de um noivado o véu
Não
expulsava o Anjo as Evas deste céu.
Quem nos
dera viver onde viveis... no Empíreo
Do vosso
santuário onde rescende a lírio,
A flor de
laranjeira... a rosas, a lilases...
Vós tendes
um altar no peito dos rapazes!
Merecíeis
outro altar, numa capela de ouro,
Marchetado a
mosaico, esplêndido tesouro
De esmeraldas,
rubis, safiras e brilhantes,
Se não
fossemos nós uns pobres estudantes.
Até ao ano,
adeus! cantai estes festins
Na sentida
canção dos vossos bandolins.
Companheiros,
partir que o dia em breve finda!
À noite é
descansar; seja ela bem-vinda.
Que as peles
rufem bem, berrem com bizarria.
Retumbando
no espaço um eco de alegria.
Bráulio
Caldas
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