O Terreiro das Claras (2)


O Convento de Santa Clara, no início do séc. XX.
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As freiras do Convento de Santa Clara de Guimarães, assim como as suas irmãs clarissas em geral, eram afamadas pelos seus dotes no fabrico de doçaria, mas também pelo modo como se expunham a galanterias mais ou menos secretas, que as tornavam objecto das murmurações públicas. Mas não era só fama: não faltam provas de que o diz-que-diz do povo tinha correspondência na vida do Convento. Na generalidade, as nossas clarissas não eram santas. Eram mulheres como as outras que, não por devoção, mas quase sempre por imposição social, eram empurradas para a clausura conventual.

Não faltam histórias de amores clandestinos e pecaminosos encobertos pelos muros de Santa Clara de Guimarães. Não raras vezes, envolviam cónegos da Colegiada. Aqui fica uma, tal como a contei há uns anos:

O cónego Miguel de Macedo Portugal deixou descendência (algo comum entre os clérigos minhotos dos séculos XVII e XVIII). O seu neto, além de lhe herdar o nome, herdou-lhe também a prebenda da Colegiada na Colegiada de Guimarães.

Miguel de Macedo Portugal, o novo, ao longo da sua existência nunca deu provas de recato ou de temperança. Por várias vezes, foi objecto das condenações do Cabido, motivadas pelas suas faltas e insolências. Em 1751, foi preso, na sequência de um processo em que foram investigadas as suas relações pouco piedosas com uma prima, que era freira no convento de Santa Clara, a madre D. Antónia Eusébia da Encarnação, com quem conversava algumas vezes disfarçado com trajes seculares, publicamente, nos locutórios do mosteiro, ou furtivamente, pelas frestas dos muros do mosteiro que confrontavam com a parte escura da rua do Sabugal. Em Guimarães, era pública voz e fama de que o réu já antigamente violara a clausura do dito mosteiro escalando para esse efeito os muros que a defendem com o fim de poder mais íntima e particularmente tratar e comunicar a dita religiosa sua prima.

Uma das testemunhas ouvidas no processo afirmou que tinha visto, repetidas vezes, o cónego Portugal quando este se dirigia para o interior da porta de Santa Cruz (uma das portas públicas da vila de Guimarães), sítio escuro e não frequentado, transportando uma escada, com a qual vencia o muro do quintal de umas casas, de onde escalava o muro do mosteiro, contíguo ao quintal. Diversas testemunhas relataram que o costumavam ver entrar furtivamente no interior do recinto do mosteiro, entre as nove e as dez horas da noite, e que das vezes que o viram sair seria entre as onze da noite e as três horas da madrugada. As diferentes testemunhas repetiram o que era público: tais visitas nocturnas tinham como destino a cela da religiosa sua prima, com quem era notório que mantinha um namoro clandestino. Três freiras de Santa Clara confirmaram que era franqueada a entrada a homens no interior do mosteiro, pela calada da noite, o que elas sabiam por os ouvirem dando assobios, fazendo escarradas e senhas. Por tais sinais uma das religiosas não teve dúvidas em identificar o cónego Portugal. Para estas testemunhas, era perceptível que os intrusos entravam no convento socorrendo-se de escadas de mão, que identificavam pelo ranger e estrondo delas. Este facto seria corroborado pela descrição de uma estranha ocorrência: uma manhã, foi encontrada uma destas escadas no interior de Santa Clara, sem que ninguém pudesse explicar como teria ido ali parar.

Na sequência deste processo, o cónego Miguel de Macedo Portugal seria mandado preso para o aljube de Braga, onde ficaria pouco tempo. Um pouco mais tarde, voltaria a apresentar-se ao Cabido de Guimarães, sendo portador de uma certidão da sentença, que, anos depois, se comprovou estar viciada.

[A partir de: António Amaro das Neves, Filhos das Ervas - A ilegitimidade no Norte de Guimarães (séculos XVI-XVIII), NEPS / Universidade do Minho, Guimarães, 2001]

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