Quando, há cinco
anos, fomos surpreendidos com o anúncio de que Guimarães seria Capital Europeia
da Cultura em 2012, cada um de nós formou a sua utopia, o seu falanstério, a
sua civitas dei: a projecção do que Guimarães seria no início da segunda
década do século XXI. Em larga medida, esta visão idealizada adquiriu contornos
de realizável ao ser consagrada na candidatura ao título de Capital Europeia da
Cultura, apresentada em Bruxelas. Estabelecia as bases para uma vigorosa movida cultural, associada a uma aposta
na qualificação das pessoas e das instituições e na regeneração económica por
via da cultura.
Esta utopia
possível não resistiu ao confronto com a realidade. A conjuntura política, com
mudanças sucessivas no Ministério da Cultura, associada à depressão económica,
contribuiu para o abaixamento das expectativas iniciais. Mas o cerne do
problema residiu no esfriamento da relação da cidade com a CEC, decorrente de
opções infelizes quanto ao modelo de governo, à estrutura de gestão e aos
protagonistas que deveriam conduzir o processo. Os inenarráveis estatutos da
Fundação Cidade de Guimarães instituíram o absurdo, ao darem forma a um corpo
estranho à realidade local e hermético ao escrutínio externo. Ancoradas neles,
as pessoas escolhidas para governarem a construção da CEC seguiram por um
caminho de fechamento à realidade envolvente, cometendo equívocos clamorosos e
suscitando polémicas inaceitáveis, que atingiram rudemente a imagem que Guimarães
projectava para o exterior, ofendendo a auto-estima dos seus cidadãos.
Por demasiado
tempo se manteve uma situação que cedo se percebeu que só podia conduzir ao
desastre. Não faltaram os silêncios que contribuíram para o seu arrastamento.
Também não faltaram os apoios dos do costume, aqueles que, conforme os
momentos, apoiam qualquer coisa e o seu contrário, porque navegam sempre a
favor da corrente.
Não, não estava
tudo errado no que vinha sendo feito na preparação da Capital Europeia da Cultura.
Também houve boas práticas. Todavia, não se compreende que se diga agora que
tudo o que foi feito antes estava bem feito, reduzindo as mudanças em curso a
meras trocas de pessoas. Mais do que de pessoas, o rumo do ciclo que agora se
inicia tem que se expressar ao nível das práticas.
Hoje, temos
razões para acreditar que algo mudou e que vivemos tempos de ruptura com as
práticas de um passado que não deixou boa memória. Os que chegam ao Conselho de
Administração da FCG que agora inicia funções, em conjugação com o regresso do
Director de Projecto, são a expressão de uma nova atitude de preocupação com o
restabelecimento da relação com a cidade e os cidadãos. São excelentes
escolhas, que honram quem as soube fazer. Correndo contra o tempo, têm pela
frente tarefas exigentes. A começar pela necessidade de restaurar a imagem
positiva que Guimarães há muito se habituou a projectar de si própria e que as
polémicas e querelas que envolveram, ao longo de demasiado tempo, a preparação
da Capital Europeia da Cultura, afectaram gravemente.
Sabemos que já não
vai ser possível construir a utopia que começámos a imaginar em 2006. Temos
consciência de que se ficará pelo possível. Mas quem foi que disse que o
possível não pode ser grandioso, envolvente e exaltante?
[Texto publicado em O Povo de Guimarães de 9 de Setembro de 2011]
3 Comentários
Cândido Capela Dias
A não ser que alguém com autoridade moral obrigue à discussão pública da insensatez que nos querem impingir.
Cândido Capela Dias