Recuperando um contributo para 'insuflar um suplemento de alma ' na CEC



Na sequência da última reunião do Conselho Geral da Fundação Cidade de Guimarães, está em curso um processo de reflexão estratégica acerca dos problemas identificados ao nível do envolvimento da comunidade e da comunicação, promovido pelo Conselho de Administração daquela Fundação. Trata-se de uma reflexão útil, embora tardia, atendendo aos sinais que há muito tempo se vinham acumulando, que indicavam que algo não ia bem na preparação da Capital Europeia da Cultura, o que agora é uma evidência para todos. Os sinais não são de hoje: para quem conhece a nossa realidade, eles já estavam identificados, no essencial, em finais de 2009. Por essa altura, cinco associações de Guimarães tentaram suscitar a reflexão sobre o escasso envolvimento dos cidadãos de Guimarães no processo de construção da CEC, propondo a criação de "espaços, formais e informais, de diálogo e de partilha". Não foram escutadas, mas a análise que então fizeram permanece actual.

Aqui fica:

 
Introdução ao debate: A Cidade, os Cidadãos e a Capital Europeia da Cultura 2012

 
[...]

Todos temos consciência de que o sucesso da Capital Europeia da Cultura irá medir-se, não só pelo que acontecer em 2012, que será, certamente, grandioso, mas também pelo que acontecerá em 2013, em 2020 ou em 2030. O investimento de 2012 valerá, acima de tudo pelas sementes que lançar para o futuro, na medida em que contribuir, de uma forma sustentada e perene, para a afirmação cultural de Guimarães nos contextos nacional e europeu. Para o seu sucesso, muito concorrerá, também, o que se fizer antes de 2012.

Tem feito o seu caminho a ideia da Capital Europeia da Cultura como indutora de desenvolvimento económico. Estamos completamente de acordo com o objectivo expresso de que a CEC deve contribuir para "facilitar o processo de reestruturação do tecido económico e produtivo da região". Mas, numa perspectiva realista, poderemos alimentar tão grandes expectativas em relação a este objectivo? A elevação cultural será, certamente, factor de atracção de progresso e de desenvolvimento económico, mas não estamos certos de que seja a solução para retirar da depressão uma região com uma economia tradicionalmente centrada no recurso a mão-de-obra intensiva. Não será fácil acreditar que a velha indústria têxtil, que despeja para o desemprego sucessivos contingentes de mão-de-obra indiferenciada, venha a ter o seu espaço ocupado pelas novíssimas indústrias criativas, geradoras empregos para um reduzido número de profissionais altamente qualificados. A CEC poderá contribuir, contribuirá certamente, para o aparecimento de novos nichos de actividade económica, mas não será fácil ser a solução para a crise sistémica e profunda em que a nossa região está mergulhada. 

Estamos de acordo com a intenção, várias vezes manifestada pela Senhora Presidente da Fundação Cidade de Guimarães, de que "a programação da Guimarães 2012 vai envolver todos os agentes e habitantes da cidade nos diferentes programas e projectos", porque acreditamos que a CEC terá o seu sucesso assegurado na medida em que se apoiar na reconhecida disponibilidade e generosidade dos cidadãos de Guimarães, que se manifesta sempre que toca a reunir para grandes empreendimentos colectivos. O Dr. Jorge Sampaio, Presidente do Conselho Geral da FCG, utiliza uma expressão feliz para definir este modo de ser tão vimaranense, de que sucessivas gerações têm produzido impressionantes manifestações, quando recomenda que se aproveite o "patriotismo de cidade" que se respira em Guimarães. Este é um capital que não se pode desperdiçar.

O anúncio, no já longínquo Outubro de 2006, da candidatura de Guimarães a Capital Europeia da Cultura em 2012, despertou uma onda de entusiasmo entre os cidadãos vimaranenses. Olhando em volta, nos dias que correm, sentimos que esse entusiasmo inicial anda adormecido. Vai ser preciso ganhar os cidadãos para o desafio que se nos coloca pela frente e que não se repetirá. Há muito trabalho a fazer para conseguir que os vimaranenses assumam a CEC como coisa sua. Temos consciência de que vai ser necessário insuflar um suplemento de alma neste grande projecto, para que todos se revejam nele.

A CEC deve ser para todos. Deve convocar as vontades e mobilizar os afectos de todos os vimaranenses. Deve ser transversal a gerações, a diferenças sociais e a posicionamentos políticos ou credos religiosos. Deve ser dirigida às elites e ao homem comum. Deve ter espaço para o efémero, mas também para o perene. Deve comportar a memória e a modernidade, o digital e o analógico. E, porque é Guimarães que dá nome à capital, deve ter, em todas as suas manifestações, um mínimo denominador comum que as vincule às manifestações e aos protagonistas da cultura local. A CEC servirá para trazer a cultura europeia até Guimarães, mas deve servir, também, para a afirmação da identidade cultural de Guimarães, mostrando ao resto da Europa a sua própria cultura. Porque a cultura de Guimarães também é, sempre foi, cultura europeia, quer na sua vertente erudita, quer na sua vertente mais popular.

Estamos convictos de que, na programação da CEC, se deve valorizar o que de mais original tem Guimarães. Desde logo, fará todo o sentido apostar na sua dimensão de berço da nacionalidade, de capital histórica de Portugal, de espaço precursor da fundação. Em 2012 nem sequer faltará um excelente pretexto para afirmar essa dimensão, fazendo-a entroncar na História da Europa, ligando-a ao destino de um europeu que atravessou o continente e iniciou, neste recanto ocidental, a construção de um país. Porque em 2012 se comemora o seu 9.º centenário, acreditámos que o Conde D. Henrique deve ser um dos protagonistas da CEC.

Como Raul Brandão, na literatura; ou Gil Vicente, no teatro; ou Francisco Martins Sarmento, na arqueologia; ou Joaquim Novais Teixeira, no cinema; ou José de Guimarães, nas Artes Plásticas; ou Elisabete Matos, na música; como alguns mais, todos eles figuras com estreitas ligações a Guimarães e à sua cultura, mas com uma dimensão que ultrapassa os muros estreitos do velho burgo. Todos eles com dimensão para serem protagonistas incontornáveis de uma Capital Europeia da Cultura que valorize os marcadores da identidade de Guimarães.

Ao longo dos tempos, muitos jovens vimaranenses de elevado potencial em diferentes sectores da arte, do espectáculo e da cultura, têm sido forçados a emigrarem, por falta de oportunidades de trabalho e de crescimento. De entre eles, não faltam casos de sucesso em diferentes áreas da criação, da música à dança, do teatro às artes plásticas, do cinema às novas tecnologias, em Portugal e no estrangeiro. Com a CEC, temos a oportunidade de os chamar, dando-lhes condições para participarem neste empreendimento irrepetível e trabalhando para que fiquem, depois de 2012. O investimento nas pessoas deve ser consistente: a CEC deve apostar em dar meios para a valorização e para o crescimento do mais valioso património que Guimarães possui, as suas gentes. 

Em Guimarães, nunca faltou o talento. Escassearam, muitas vezes, os meios e as oportunidades. Em 2012 haverá meios e não deverão faltar oportunidades. Não devem ser desperdiçados.

A Capital Europeia da Cultura deve ser assumida como um projecto global de cidadania. Um projecto inclusivo, que envolva os cidadãos europeus de Guimarães, num processo partilhado, discutido e participado. Um projecto que não deixe ninguém de fora. Um projecto em que, mais do que veículos, destinatários, espectadores ou público, os cidadãos sejam actores do processo. Para tanto, haverá necessidade de se criarem espaços, formais e informais, de diálogo e de partilha, em conformidade com o que está inscrito no programa da candidatura aprovada em Bruxelas. Para que 2012 mobilize os cidadãos e se afirme como uma construção colectiva marcante, em que todos se sintam do lado de dentro.

O Círculo de Arte e Recreio, o Cineclube de Guimarães, o Convívio, a Sociedade Martins Sarmento e a Sociedade Musical de Guimarães, assim como, certamente, outras instituições, estão, como sempre estiveram, disponíveis para trabalharem, com entusiasmo, com os seus recursos e com a sua capacidade de mobilizar vontades, energias e recursos, para o envolvimento dos cidadãos em torno do projecto colectivo da Capital Europeia da Cultura 2012.

Em 2013, queremos olhar para trás e pensar em 2012, não como um momento que aconteceu em Guimarães, mas como um tempo que fez Guimarães acontecer.

Podem contar connosco.

[Texto colectivo dos presidentes das direcções do Círculo de Arte e Recreio, do Cineclube de Guimarães, do Convívio, da Sociedade Martins Sarmento e da Sociedade Musical de Guimarães, lido por António Amaro das Neves na abertura do debate A Cidade, os Cidadãos e a Capital Europeia da Cultura 2012, realizado no dia 8 de Janeiro de 2010 no Salão Nobre da Sociedade Martins Sarmento]

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