Das Nicolinas (11)


Jerónimo Sampaio, lendo o pregão de 1895
 
Elitistas, as Nicolinas?


Leio no Público de hoje a excelente reportagem do Samuel Silva sobre as Nicolinas. E verifico que as festas continuam a ser analisadas a partir de estereótipos que a realidade pode não confirmar, nomeadamente a de que foram elitistas. Estou cada vez mais convencido de que nunca o foram. Elitista era o sistema de ensino. As festas têm uma raiz, uma tradição, uma inspiração e uma configuração eminentemente populares, onde não falta, até, a importação para o meio urbano de manifestações típicas do velho mundo rural minhoto, como o pinheiro ou as roubalheiras. As festas de S. Nicolau, em Guimarães, sempre foram encaradas pelos vimaranenses como festas suas. E os estudantes sempre dedicaram as suas festas ao povo de Guimarães. Basta passar os olhos pelos pregões para perceber isto. É óbvio que quem fazia a festa eram os estudantes do Liceu (que sucederam nessa função aos antigos estudantes de latim, que, por sua vez, tinham herdado as festas dos meninos do coro da Colegiada), mas isso não quer dizer que não fossem populares e que o povo não participasse nelas. Por essa lógica, um desporto praticado por profissionais, como o futebol, também não seria popular, uma vez que o povo não intervém directamente no jogo...

A este propósito, leia-se o que se escreveu no jornal "Religião e Pátria", durante as Nicolinas de 1895:

"Não há que ver. O S. Nicolau é por excelência a festa popular de Guimarães. Não passam impunemente sobre uma festa centenas de anos, sem que esta festa entre por completo e faça parte dos hábitos, dos costumes e do organismo de um povo."

Uma outra ideia feita é a de que as festas foram, algum dia, interditas às mulheres. Nunca o foram. As mulheres sempre foram chamadas a participar e sempre participaram nas festas, de acordo com as convenções sociais de cada tempo. Como poderia ser de outro modo, se as festas lhes eram dedicadas?


Se p' ró fim, lindas madamas, eu vos deixo
Vós sois d' esta função remate e coroa
(do pregão de 1831) 

Nota final: não nego, nem poderia negar, que nas festas Nicolinas aconteceram, em certos momentos,  algumas práticas de natureza elitista. Mas isso não transformou  a natureza das festas, que sempre foram genuinamente populares. Não há que ver...

Post Scriptum: Um outro estereótipo recorrente, que, pelos vistos, também é absorvido por investigadores que procuram analisar o fenómeno das Nicolinas, é aquele que relaciona a origem das festas dos estudantes de Guimarães com as dos estudantes da Universidade de Coimbra. Não me parece que isto faça muito sentido. As festas de Guimarães são muito mais antigas do que as  de Coimbra, que terão começado em meados do séc. XIX, e não se perfilam na linha das festas das velhas universidades europeias, mas sim nas tradições com que os meninos do coro das antigas catedrais celebravam o seu patrono, S. Nicolau.
[continua]

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