Das Nicolinas (1)


Quem era estudante?

Todos os anos é assim: com o aproximar das Nicolinas, ressurge a discussão sobre as festas. Nos últimos anos, a conversa tem sido alimentada, também, pela discussão à volta da candidatura à integração das festas dos estudantes de Guimarães na lista do património imaterial da UNESCO. Por vezes, pelo discurso que corre, perpassa a ideia de que as Nicolinas devem ser classificadas porque são uma tradição que persiste, quase imutável, desde tempos imemoriais, quando a verdade é que, se as Nicolinas se têm mantido vivas, é exactamente porque souberam mudar, adaptando-se aos tempos que vão correndo. Para percebermos esse processo dialéctico de transformação que fez das festas aquilo que elas são hoje, basta olhar um pouco para o passado, nomeadamente para um tempo em que ainda nem sequer tinha sido inventada a designação Nicolinas (que só surgiria no início do século XX, pela pena de João de Meira).

Recuemos, por exemplo, até ao longínquo 23 de Novembro de 1837, data em que 39 estudantes de Guimarães aprovaram os estatutos da "Associação Escolástica Vimaranense", onde estavam contidas as regalias de que gozava o estudante.

 
Note-se que esta Associação tinha como fim "promover a continuação, aumento e luzimento dos festejos do dia 6 de Dezembro, e pugnar por todos os foros e regalias que os Estudantes desta Vila desfrutam, desde tempo imemorial". Como se depreende facilmente, por essa altura as festas a S. Nicolau resumiam-se a um único dia, o dia do santo, não comportando um programa com um elenco mais ou menos alargados de "números" espalhados ao longo de vários dias.

Nos estatutos indicava-se quem podia ter a condição de estudante e gozar do foro escolástico e também quais as situações que implicam a perda de tal condição:

Art. 2.° – São estudantes:
§ 1.° – Os que frequentam qualquer aula pública de latim, filosofia, retórica, ou qualquer outra ciência.
§ 2.° – Os que frequentam as mesmas faculdades com Mestres particulares, fazendo certa a sua frequência por atestado do mesmo Mestre.

Art. 3.° – Gozam do foro escolástico:
§ 1.º – Todos os eclesiásticos desta Vila.
§ 2.° – Todos os indivíduos nela residentes, que tendo frequentado as aulas da Universidade, não estão compreendidos nas excepções do art. 4.°.
§ 3.° – Todos aqueles que, suposto actualmente não frequentam, contudo igualmente não estão no caso das exclusões do art. 4.°.

Art. 4.° – Perde o foro escolástico:
§ 1.° – O que contrai matrimónio.
§ 2.° – Os que assentarem praça nos corpos da 1.ª linha.
§ 3.° – Os que abraçarem a profissão do comércio.
§ 4.° – Os que servirem qualquer profissão mecânica.
§ 5.° – Os que servirem qualquer cargo público, civil ou militar.
§ 6.° – Os que deixarem os estudos, sem que tenham seis meses de frequência.

Ou seja, o foro escolástico não era privilégio apenas dos estudantes no activo, mas sim de todos os homens solteiros que algum dia estudaram e que não estavam abrangidos pelas situações que implicavam a perda dessa condição, enunciadas no art.º 4.º do dos estatutos. A realidade de hoje é bem diferente.


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