A Capital Europeia da Cultura e a comunicação



A principal conclusão do debate de dia 8, promovido por cinco associações culturais vimaranenses, sobre a participação dos cidadãos na Capital Europeia da Cultura, prende-se com a comunicação, ou a falta dela.

Compreende-se que o tempo não tem jogado a favor de quem tem a seu cargo a gestão do processo, mas é certo que ainda não se vêem resultados de um dos objectivos prioritários definidos no documento de candidatura, onde se lê que "uma vez que "um acontecimento que não se dá a conhecer é como se não existisse", considera-se prioritário, no processo de desenvolvimento do projecto, a realização de um projecto de comunicação". A menos de dois anos de 2012, não se conhece qual seja o projecto de comunicação para Guimarães, Capital Europeia da Cultura. E vão faltando elementos básicos no processo de comunicação, nomeadamente ao nível da imagem: o logótipo ainda não existe, a página na internet é escassa em informações, além de pouco dinâmica (a página já tem quase meio ano, mas continua com funcionalidades inactivas, como o espaço destinado à imprensa, central em qualquer estratégia de comunicação; no momento em que escrevo, a notícia mais recente que se pode ler no clipping de notícias data de 19 de Outubro de 2009; por mais que se procure, não se consegue aceder a qualquer dos documentos já produzidos, relacionados com a organização, mesmo aqueles que antes ali estiveram acessíveis). Temos que ser mais eficazes e mais exigentes no domínio da comunicação.

Uma breve passagem por Marselha e por Košice, que serão as capitais da cultura de 2013, deve suscitar alguma reflexão.

Para que se percebam os objectivos a que Guimarães se propõe com a CEC, nomeadamente quanto ao que se espera do envolvimento dos cidadãos no processo, parece-me que deveríamos começar pelo princípio: faz falta, por exemplo, uma maior divulgação do documento da candidatura, que poucos conhecem, tornando-o acessível através da internet.

Pela parte que me cabe, darei um modesto contributo para essa divulgação, deixando aqui o texto que me foi pedido para integrar o processo de candidatura:




Identidade/Memórias

Num dos panos da antiga muralha de Guimarães está inscrita uma frase que se transformou numa insígnia da cidade, Aqui nasceu Portugal, onde transparece a ideia de que foi a partir deste lugar que, desde os confins da Idade Média, o país começou a caminhar. Guimarães, capital histórica de Portugal, terra da Fundação, do Castelo, do primeiro rei, da primeira tarde portuguesa, está indelevelmente associada ao surgimento de uma das mais antigas nacionalidades da Europa. É por essa razão que aqui se preserva e se evoca, mais do que em qualquer outro lugar, a memória da identidade nacional.

Porque daqui nasceu Portugal, Guimarães desde sempre se afirmou como uma cidade histórica associada às raízes da nacionalidade, cujas gentes persistem em manter uma estreita e genuína vinculação à marcas da memória colectiva, que trazem carregada de afectos que, muitas vezes, vão para lá dos fundamentos do simples conhecimento histórica.

A simbólica do berço não se confina aos limites apertados dos muros do velho burgo vimaranense, antes se alarga ao universo da região onde se insere, o Minho. É neste território, criação da Natureza e do Homem, lavrado no granito e pintado de verde, que se encontram traços de identificação com as raízes da nacionalidade, cujas reminiscências mergulham em tempos muito anteriores ao acto fundador de 24 de Junho de 1128.

Este é um território onde o cimento da identidade colectiva também passa por um fundo cultural partilhado, onde se cruzam a história, a monumentalidade – da dispersão do românico ao fulgor do barroco –, as tradições, o trabalho, o artesanato, as manifestações religiosas e festivas, a gastronomia, a paisagem, as gentes. A construção do universo cultural e social comum a todo este território foi amassada na diversidade de permutas interculturais que acentuaram os elementos da sua originalidade e diversidade, no contexto da cultura europeia, por onde passam a herança castreja, a presença romana ou os sucessivos processos de aculturação de que por aqui tiveram lugar.

Este é o berço da nação, mas também é o berço da língua portuguesa, que cresceu mais do que o país, tornando-se comum a tantos milhões de homens e de mulheres que se espalham por todos os continentes. Por Guimarães e pela sua região passa também um pouco da memória da construção da Europa e da sua afirmação no Mundo, também feita de partilhas culturais.

Num tempo em que, por força da imparável torrente globalizadora que vai configurando o mundo em que vivemos, se vão esbatendo as referências colectivas que, desde sempre, marcaram as identidades locais e nacionais, Guimarães aspira a continuar a assumir-se como uma sólida reserva da memória. Por aqui, olha-se para a História com o fascínio de quem observa, em cada sulco talhado no granito, as marcas do fluir do tempo que resistem às vagas do esquecimento, sem sombra de compulsões passadistas, mas com a consciência de que o respeito pela memória histórica é indissociável da construção do seu futuro. Porque um povo, qualquer povo, tem mais clara noção da dimensão do seu futuro na medida em que é capaz de se rever no seu passado.

Enquanto Capital Europeia da Cultura, Guimarães, valorizando as suas especificidades identitárias no contexto da cultura da Europa, apostará na valorização da pertença a uma cidadania que vai para lá das portas da cidade e das fronteiras do país, a cidadania europeia. A concretização deste objectivo passará, necessariamente, pelo investimento no conhecimento da História e da cultura locais e regionais, contribuindo para que se continue a assumir a memória colectiva como um património que deve ser preservado e valorizado.

António Amaro das Neves, in "Candidatura ao título de Capital Europeia da Cultura", pp. 62-63.

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5 Comentários

Anónimo disse…
Tem razão, há falta de informação e o site da CEC é uma lástima (no debate, a senhora que está à frente da fundação da CEC faltou à verdade quando disse que estavam disponíveis no site toda a informação necessária, assim como os documentos).

Mas não estou a perceber a sua posição. Então não faz parte da Fundação Cidade de Guimarães? Ou é como a senhora vereadora (não a que chegou agora, que não sei para o que veio, mas a que já é vereadora há muitos anos), que está instalada lá dentro, mas anda por fora a carpir mágoas porque as coisas lhe escaparam da mão?

Aliás, não estou a perceber nada.
Respeitável anónimo,
Se não está a perceber nada, lamento muito, mas não tenho muitos meios para o esclarecer, a não ser no que respeita à referência que me faz. De facto, por indicação da Câmara Municipal, integro um dos órgãos da Fundação Cidade de Guimarães, o Conselho Geral (que não tem competências executivas). Ali continuarei enquanto entender que a minha presença pode ser útil, mas, com essa participação, não hipotequei a capacidade de pensar pela minha própria cabeça. Não estou com um pé dentro e com outro fora: estou com ambos os pés dentro de um projecto de Capital Europeia da Cultura em que os cidadãos se revejam.
Anónimo disse…
Meu Caro:

Eu, que gostaria de ter estado presente e não pude, agradeço antes do mais as notícias que dás e que, apesar da minha busca, não encontrei noutras paragens, algumas das quais com muito mais obrigação de reportar.

Estou sinceramente preocupado com os objectivos da CEC2012. Sobretudo quanto à mudandça de paradigma social e económico. Avalio a importância do envolvimento da comunidade por este prisma e continuo sem saber que caminhos vamos escolher para o nosso futuro.
Dizemos querer ser uma cidade (e um concelho, digo eu)inteligente criativa, sustentável, uma cidade sedutora para gentes e agentes do conhecimento, da investigação e da inovação, atraindo-as para que com os de cá façamos a argamassa e o fermento da cidade ( e do concelho, digo eu) nova, renascentista, uma cidade -mecenas onde, com propriedade, valerá a pena viver. Mas, pergunto eu, vamos acolher todo e qualquer artista, todo e qualquer cientista ou investigador, de toda e qualquer área, vamos ver o que nos sai em sorte ou vamos pré-definir os limites das áreas ue nos interessam? Não tenho resposta para esta inquietação e gostava de a ter.
Continua o teu trabalho, porque tens uma enorme responsabilidade funcinal.
Abraço
Cândido Capela Dias
Ana C. disse…
Li o que disse o presidente da CMG, que vem na reportagem do público deste domingo:
"Teremos a humildade de aceitar aprender com quem sabe mais do que nós."
Percebo esta afirmação como uma indirecta à tomada de posição das associações que organizaram o debate na SMS. Não acha?
Cara Ana C.,

Confesso que um fim-de-semana muito complicado me impediu de ler a reportagem do Público, que irei tentar ler de seguida.

Mas, desde já direi (e note que não falo em nome das 5 associações, de quem não tenho, nem quero ter, mandato para porta-voz, mas em termos estritamente pessoais, como sempre faço neste espaço), que não interpreto as palavras do senhor Presidente da Câmara como uma indirecta, nem sequer como uma crítica, antes como o reconhecimento de uma realidade, que eu próprio partilho.

De facto, por aqui sempre praticamos o princípio de aprender com quem sabe mais, e nem sequer consideramos que isso seja um acto de humildade, mas sinal de clarividência. Mas também sabemos que ninguém conhece melhor a realidade cultural de Guimarães do que os vimaranenses. E esse saber não deve ser desperdiçado.