A Comarca de Guimarães
A três léguas de distância da Cidade de Braga, nove, pouco menos, da Cidade do Porto, e sessenta da Cidade de Lisboa foi fundada a Capital desta Comarca pelos Galos Celtas mil e quinhentos anos antes da vinda de Cristo, e foi conhecida na antiguidade com muitos nomes, de que o principal foi Araduza. Conquistaram-na aos mouros os reis de Leão, e foi uma das terras principais do dote, que Afonso VI deu ao nosso Conde D. Henrique. Pôs nela este Príncipe a sua Corte dando-lhe foral pelos anos de 1090 e tem a prerrogativa de ser pátria do primeiro Rei de Portugal D. Afonso Henriques
Está situada em 41. gr. e 34. min. de latitude , e 10 e 26 min. de long. entre os rios Ave, Selho e Vizela, que por todas as partes a circundam e fertilizam. El-Rei D. Dinis a rodeou de vistosas e fortes muralhas com nove portas, e sete altas torres, que tudo se inclui na circunferência de três mil seiscentos e oitenta e cinco passos geométricos. Goza de voto em Cortes, com assento no banco terceiro.
Nela se venera a prodigiosa imagem de N. Senhora da Oliveira, que a tradição afirma a trouxera Santiago a Espanha, à qual é dedicada a insigne Colegiada fundação de Mumadona, tia de D. Ramiro II, Rei de Leão para Mosteiro de Religiosos e Freiras de S. Bento; porém El-Rei D. Afonso Henriques a fez Colegiada, e El-Rei D. João I a reedificou pelos anos de 1425.
O seu Cabido se compõe de um Prior data de Sua Majestade com perto de três contos de renda, Chantre com seiscentos mil réis, Arcediago de Vilacova com duzentos e vinte mil réis, Arcediago do Sobradelo com trezentos mil réis, Tesoureiro-mor com quatrocentos e quarenta mil réis, Mestre-Escola com quatrocentos e sessenta mil réis., e Arcipreste com quatrocentos e quarenta mil réis. As prebendas, que nos seus princípios não passavam de três mil réis, hoje são quinze e chegam a render cada uma duzentos e trinta mil réis. Tem mais a Colegiada oito meios Cónegos e seis Capelães, e quarenta e seis Clérigos para a assistência dos enterros, todos com consideráveis emolumentos.
Enobrecem muito esta vila os muitos edifícios públicos, a saber quatro Freguesias, em que se dividem os seus moradores, que são a Colegiada, S. Paio, S. Sebastião e S. Miguel do Castelo, em que foi baptizado o Senhor Rei D. Afonso Henriques, e duas mais nos arrabaldes, Casa de Misericórdia, e os hospitais de S. Lázaro, S. Paio, e S. Dâmaso e os Conventos de S. Francisco, de S. Domingos, de Capuchos de S. .António menir, o de S. Clara de Religiosas Franciscanas, de S. Rosa de Dominicas, o Colégio dos Padres Jesuítas e dois Recolhimentos, o de N. Senhora das Mercês e o de S. Isabel, e extramuros o Convento de S. Marinha da Costa de Religiosos de São Jerónimo.
Os edifícios particulares consistem nas casas de morada de muitas famílias nobres, que habitam nesta vila e são Administradores de cinquenta e quatro morgados, que se fundaram por pessoas naturais dela, com grandes rendimentos de fazendas, com que vivem opulenta, e luzidamente.
Reside nela o Corregedor da sua Comarca, Ministro de letras, cujo cargo teve princípio neste Reino pelos anos de 1372. À sua conta está a emenda e castigo dos malefícios que na Comarca se cometem, para cujo efeito a corre cada ano em correição, e andando nela pode conhecer de tudo: castiga, prende, guinde os juízes e mais oficiais, os quais são obrigados a dar-lhe conta dos casos mais graves, que sucedem nos seus distritos, para ele dar a S. Majestade: conhece por agravo, que se interpõem dos Juízes de fora, e provê, como lhe parece justo, porque dó por agravo pode tomar conhecimento dos defeitos, salvo no tempo da correição.
Também tem nela sua residência ordinária o Provedor da Comarca, lugar de letras, instituído para arrecadação das rendas reais, e para tratar dos bens dos órfãos, viúvas, Capelas, defuntos e ausentes, que vai todos os anos em correição para prover nestes particulares, e nos das Confrarias: conhece por agravo, que para ele de interpõe
dos Juízes dos órfãos, porque nestes casos não se intrometem os Corregedores. Toma conta aos testamenteiros, e tutores, provê a serventia dos ofícios das terras, e faz executar sem apelação, nem agravo o que cabe na sua alçada.
dos Juízes dos órfãos, porque nestes casos não se intrometem os Corregedores. Toma conta aos testamenteiros, e tutores, provê a serventia dos ofícios das terras, e faz executar sem apelação, nem agravo o que cabe na sua alçada.
Tem mais Juiz de fora, cargo que teve princípio no tempo de El-Rei D. Manuel: é também lugar de letras para conhecimento das injúrias, e das devassas. Não pode sair do lugar do seu julgado durante o seu triénio. Tem mais juiz dos órfãs, Juiz ordinário, Vereadores, e Meirinhos, e Escrivães, e porque todas as Cidades, e Vilas capitais das Comarcas se governam com Ministros de semelhante jurisdição por não repetir em cada uma delas uma mesma coisa, para em todas fica aqui advertido com a singularidade de que nas terras que são de donatários, como Valença, Crato, etc. não usam os Ministros do nome de Corregedores, senão de Ouvidores, ainda que não há diferença na jurisdição.
Tem a Comarca, de que esta vila é capital, quatro vilas, vinte concelhos, catorze coutos e três honras com trezentas e trinta paróquias com mais de quarenta mil fogos e perto de cento e cinquenta mil almas (…).
António de Oliveira Freire, Descripçam corografica do Reyno de Portugal, Lisboa, 1739, pág. 23-26
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