De António Lobo de Carvalho tem-se destacado a sua verve desabrida e obscena. Mas os sonetos de António Lobo, onde o tom jocoso estava quase sempre presente, também adoptavam outros registos, e, por vezes, não escondiam propósitos comezinhos, como ser convidado para um jantar ou... obter uma casaca. Aqui fica um exemplo, num soneto dirigido ao Conde da Calheta, em que anunciava que a condessa sua esposa iria dar à luz um filho varão:
Eu tenho, excelso conde, um livro antigo,
Nunca das mãos me sai ou da algibeira,
Que um cigano deixou a uma parteira,
A qual em vida quis casar comigo!
Contém de adivinhações um longo artigo
Sinais de parto pela vez primeira;
E trata esta questão em lauda inteira,
La Dama encinta si trae hombre, ó hijo;
Com que eu cá me entendo: isto suposto,
Quereis vós apostar um tanto ou quanto,
Pois mais que o ganho, a perda vai de gosto?
Se for varão, que venha a lume santo,
Perdeis uma casaca, e eu sempre aposto.
Sendo fêmea, atrás dela andar de manto.
Fosse pelas virtudes do livro do cigano, fosse por mera sorte, o poeta acertou no seu prognóstico. A Condessa da Calheta pariu um rapaz, em dia de Santa Rita de Cássia. António Lobo livrou-se de ter andar de manto, atrás de uma condessinha, e não tardou a reivindicar a casaca que ganhou na aposta:
Santa Rita a impossíveis consagrada,
Todo o mundo a respeita com fé pia
Cássia o diga, que incrível romaria
Não cobre o seu altar, e a sua entrada!
Mas co'a ilustre condessa atribulada
Na acção do parto, cuja dor sentia,
Que fez a Santa? Emprestar-lhe o seu dia,
Mas, além disso, não lhe fez mais nada.
Mais fiz eu, que observando o meu planeta,
Bem que sou de futuros língua fraca,
Vaticinei um conde em linha recta.
Morda-se a inveja agora ímpia e velhaca,
E em tanto acendereis a este profeta
Três velas de calção, véstia e casaca!
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