Um problema de ‘lana caprina’


Guimarães é uma cidade com as suas curiosidades. Uma delas reside no facto de, por aqui, os "historiadores" parecerem brotar às catadupas, de onde menos se espera. Dá-se um pontapé numa pedra e saltam dois "historiadores" de baixo dela. O mais certo, é serem especialistas num dos ramos mais obscuros dos estudos históricos nacionais, a Idade Média. O que não falta por aí são "medievalistas de bancada", que nunca entraram num arquivo e que são incapazes de ler e de interpretar um documento medieval, por manifesta iliteracia paleográfica, mas que transluzem certezas em matérias em que os humildes historiadores profissionais apenas conseguem avançar, e muito à cautela, com dúvidas e incertezas.
Não tenho por hábito discutir medicina com médicos, nem leis com juristas, nem gáspeas com sapateiros. Do mesmo modo, não discuto história com qualquer um, pelo que há muito adoptei o hábito higiénico de ignorar as "obras" desses historiadores adventícios. E, confesso, também não tenho como argumentar com tais "eruditos", uma vez que não tenho o hábito de ler o que escrevem, por falta de interesse e de paciência.
Mas quase que vou abrir uma excepção.
Mão amiga chamou-me a atenção para um texto hoje publicado no jornal Notícias de Guimarães, onde, a certa altura, se escreve que, num livro recentemente publicado em Viseu, um certo Coronel do Exército Português "cita, longamente, o nome do actual Presidente da Sociedade Martins Sarmento, Amaro das Neves, e as suas «Memórias de Araduca», em proveito da teoria Viseense". Não percebo como, com tudo o que aqui já escrevi, o meu nome possa ser invocado em nome de tal teoria. Mas percebo a intenção da bicada, na linha de outras que me têm passado ao lado, que está por trás da expressão "em proveito da teoria Viseense". Pretende-se sugerir, de modo enviesado, que eu seria um agente ao serviço da causa dos que defendem o nascimento de Afonso Henriques em Viseu. Não estou ao serviço dessa causa. Nem, em matéria de investigação histórica, estou ao serviço de qualquer causa, seja ela qual for.
O que hoje espicaçou o meu interesse foi encontrar, no tal artigo, a transcrição de um excerto de um texto que escrevi há quase vinte anos, onde afirmei que «a questão do lugar de nascimento de Afonso Henriques é, no contexto da História nacional, um problema de lana caprina, dos que não tiram o sono a qualquer historiador». O texto em referência, com o título "Afonso, rei de Portugal nascido em parte incerta", foi publicado no jornal O Povo de Guimarães, no dia 23 de Março de 1990. O assunto era o local de nascimento de Afonso Henriques. Na altura, saltou-me às canelas, com uma ferocidade carregada de despropósito, um colaborador do jornal O Comércio de Guimarães, em termos que considerei completamente desajustados, o que me levou a escrever ao então director daquele jornal, perguntando-lhe se já "valia tudo". Em resposta, recebi uma carta simpática, através da qual o director de O Comércio de Guimarães dava conta da sua solidariedade com a minha irritação e, por entre expressões pouco generosas para o autor do tal texto que o seu jornal publicara, me informa, de livre e espontânea vontade, que não tenho razões para acreditar que não fosse sincera, que concordava com aquilo que eu havia escrito no meu texto que estivera na origem do incidente.

Resta dizer, a quem ainda não tenha reparado, que, por ironia, aquele que era director do jornal O Comércio de Guimarães, na Primavera de 1990, vem a ser o autor do texto a que aqui me referi, hoje publicado no Notícias de Guimarães. O meu texto, que agora cita e com o qual afirmou concordar na altura da sua publicação, pode ser lido aqui.

Comentar

0 Comentários