“Afonso Henriques 900 anos depois” - Congresso em Viseu - 3

D. Afonso Henriques numa caricatura de 1905, de José de Meyra.

O jornal Público de 17 de Setembro reproduz uma notícia da agência Lusa, a propósito do congresso sobre Afonso Henriques que está a decorrer em Viseu, onde se transcrevem declarações produzidas naquele encontro pelo respectivo comissário, João Silva de Sousa, e pela presidente da Academia Portuguesa de História, Manuela Mendonça, que merecem algumas reflexões:

1. “João Silva de Sousa considera que os documentos em que Almeida Fernandes sustenta a tese Viseu, Agosto de 1109, nasce D. Afonso Henriques não deixam dúvidas e lembrou que é defendida por vários outros historiadores.” Será que se pretende transformar uma simples construção hipotética, de impossível demonstração à luz da documentação conhecida, e que, ao contrário do que se afirma, suscita muitas dúvidas entre os historiadores, numa verdade definitiva?

2. O senhor Comissário defende a alteração nos “manuais escolares do local de nascimento de D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, de Guimarães para Viseu, na sequência de uma tese de Almeida Fernandes”. E afirma expressamente: “O Ministério da Educação deve dar ordens para que essa matéria seja alterada e toda ela bem resolvida”. Ou seja, proclamada a verdade única e definitiva, pretende-se que seja transformada em doutrina de Estado. Saudades do tempo do livro único?

3. Afirma também o Professor João Silva de Sousa que a imposição do Ministério da Educação aos autores dos manuais escolares deverá ser feita “nunca retirando a Guimarães o berço da independência, porque não há razão para isso, porque foi realmente por S. Mamede que se deu o facto, mas dando o berço da nacionalidade à cidade de Viseu enquanto não se descobrir outra”. Confesso que fico confundido, não conseguindo perceber bem a diferença entre as expressões “berço da independência” e “berço da nacionalidade”. Poderia tentar avançar com várias hipóteses explicativas, mas iria acabar por concluir que seriam manifestamente artificiosas. O que constato é que há em Viseu quem, depois de proclamar a sua cidade como berço de Afonso Henriques, pretende também apropriar-se de uma das marcas de Guimarães, o título de Berço da Nacionalidade. Há em tudo isto uma incompreensível confusão: a condição de Berço da Nacionalidade de Guimarães não resulta do nascimento de Afonso Henriques, mas do facto de ter sido a partir daí que Portugal iniciou a sua marcha para a independência, com D. Afonso Henriques. Ou será que também se pretende mudar a batalha de S. Mamede e trasladar o Castelo de Guimarães para Viseu? Não se percebe como Viseu possa invocar a condição de Berço da Nacionalidade. Até porque a fundação da nacionalidade resulta de um movimento encabeçado por D. Afonso Henriques contra D. Teresa e, como o próprio Almeida Fernandes afirma na obra em que avançou com a sua tese viseense, naquela altura, os senhores de Viseu terão estado com D. Teresa, contra Afonso Henriques. Tendo estado do outro lado da barricada, portanto, não se vê qual a legitimidade que Viseu poderia invocar para passar a ostentar tal título.

4. Já a Presidente da Academia Portuguesa de História, afirmando subscrever, a título pessoal, a tese de Almeida Fernandes, afirmou que “oficialmente, e em nome da Academia Portuguesa de História, não o posso fazer, porque a temática não foi objecto de debate entre os medievalistas”. De onde se conclui que, ao contrário do que afirma João Silva de Sousa, a tese de Almeida Fernandes não só suscita dúvidas, como nem sequer foi discutida entre os medievalistas. Manuela Mendonça também advoga que o nascimento em Viseu “terá que ser registado nos manuais escolares e transmitido aos alunos”, embora com alguma divergência em relação à posição mais terminante de João Silva de Sousa: será necessário que, primeiro, a comunidade científica aceite a tese em questão. Para isso falta, diz, “um debate nacional, a nível pelo menos dos medievalistas, e depois um acordo final”. A meu ver, um debate nacional para se encontrar a verdade sobre o nascimento de D. Afonso Henriques seria, só por si, um acontecimento histórico, algo nunca visto na nossa comunidade científica, sendo altamente improvável a adesão dos medievalistas portugueses a tal conclave. Acredito que os historiadores tenham mais que fazer do que envolverem-se em discussões estéreis, em busca de uma mirífica verdade oficial sobre tal matéria.

Entretanto, da prometida "documentação inédita sobre o nascimento de Afonso Henriques" em Viseu, ainda não não nos chegaram notícias.

A notícia do Público citada neste texto encontra-se aqui.

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3 Comentários

Anónimo disse…
A Câmara Visiense vai celebrar te-Deum por alma de D. Afonso Henriques , pelas 11H15 na Sé, no dia 6 de Dezembro deste ano
Anónimo disse…
A Câmara Municipal de Viseu vai celebrar missa por alma de D. Afonso Henriques, na Sé Catedral, às 11 horas e 15 minutos do dia 6 de Dezembro de 2009, dia e mês em que faleceu o rei em 1185
Anónimo disse…
Faz bem, a muito piedosa CMV. É bem lembrado: é muito católico e é sempre tempo para uma primeira vez. E não tardarão os ilustres medievalistas de serviço a demonstrar que, afinal, Afonso Henriques também morreu em Viseu. É assim que se fazem as coisas.