Guimarães na feliz restauração de 1808 (1)

Napoleão Bonaparte. Pormenor de gravura da Col. da Sociedade Martins Sarmento.

Continua aberta ao público, até ao próximo dia 20 de Julho, na Galeria de Exposições Temporárias da Sociedade Martins Sarmento, a exposição O tempo tão suspirado, comemorativa dos 200 anos da aclamação em Guimarães do príncipe regente D. João VI. A entrada é livre. Entretanto, iremos publicando aqui o texto que preparámos para o catálogo desta exposição:

Um dos traços mais marcantes do modo de ser das gentes de Guimarães reside na maneira generosa e arrebatada que os vimaranenses sempre colocam nos empreendimentos colectivos em que se envolvem, em especial quando estão em causa as bases da sua própria identidade comunitária. Nos anais de Guimarães não faltam exemplos, desde aqueles tempos remotos em que se lançaram os fundamentos da construção de Portugal, de grandes gestas colectivas, por vezes situadas na fronteira estreita que separa a história e o mito. É do lado da história que, inegavelmente, se posicionam os actos praticados pelos vimaranenses no ano de 1808, aquando da “feliz restauração” do Príncipe Regente D. João, num acto de resistência contra o invasor francês.

O golpe de Estado do 18 de Brumário (9 de Novembro de 1799) havia colocado os destinos da França nas mãos de Napoleão Bonaparte. A ambição daquele que, cinco anos depois, se coroaria Imperador dos Franceses, não cabia na estreiteza das fronteiras do seu país. Também não cabia do lado de dentro do limes do antigo Império Romano. Ambicionava conquistar a Europa, dominar o Oriente, expandir-se para a América. À frente do mais poderoso exército do seu tempo, nenhum obstáculo suficientemente forte se entrepunha entre Napoleão e o seu projecto expansionista, excepto a Inglaterra.

Portugal, por força da velha aliança anglo-britânica, ficou numa situação particularmente delicada, com uma faca de dois gumes apontada ao seu coração. De um lado, os franceses, que ameaçavam invadir a metrópole, caso Portugal não assumisse uma posição clara contra a Inglaterra; do outro, os ingleses, que lhe tomariam as colónias, caso Portugal se bandeasse para o lado de Napoleão. Portugal Continental tornou-se num alvo para a França, que cedo encontrou na vizinha Espanha dois aliados interessados na partilha dos despojos do reino de D. Maria I: o rei Carlos IV e o generalíssimo Manuel de Godoy, o Príncipe da Paz.

Em 1806, Napoleão impõe à Europa o Bloqueio Continental, decretando que todos os países europeus deveriam fechar os seus portos ao comércio com a Inglaterra. Encurralado, D. João, o Príncipe Regente que, desde 1799, governava Portugal em nome de sua mãe, D. Maria I, hesitou e Portugal não abdicou de imediato dos seus negócios com o seu principal parceiro comercial, a Inglaterra. No dia 27 de Novembro de 1807, Napoleão subscreveria com Manuel de Godoy, em representação da Espanha, o Tratado de Fontainebleau, que autorizava o atravessamento de tropas francesas pelo território espanhol, a caminho de Portugal, e estabelecia a partilha entre os signatários do território de Portugal. Os três primeiros artigos do tratado estipulavam a divisão da metrópole portuguesa em três partes:

Artigo 1. A província de Entre Douro e Minho, com a cidade do Porto, se trespassará em plena propriedade e soberania para Sua Majestade o Rei da Etrúria, com o título de Rei da Lusitânia Setentrional.

Artigo 2. A província do Alentejo e o reino dos Algarves se trespassarão em plena propriedade e soberania para o Príncipe da Paz, para serem por ele gozados, debaixo do título de Príncipe dos Algarves.

Artigo 3. As províncias da Beira, Trás-os-Montes e Estremadura portuguesa, ficarão por dispor até que haja uma paz, e então se disporá delas segundo as circunstâncias, e segundo o que se concordar entre as duas partes contratantes.”

Em simultâneo, foi assinada uma convenção secreta paralela, na qual ficou definido o programa militar para a concretização da ocupação e conquista de Portugal, em conformidade com o Tratado de Fontainebleau. Os dois artigos iniciais deste documento estabelecem os contingentes militares a envolver na campanha:

Artigo 1. Um corpo de tropas imperiais francesas de 25 000 homens de infantaria e 3 000 de cavalaria entrará em Espanha e marchará directamente para Lisboa; unir-se-ão a estas um corpo de 8 000 homens de infantaria espanhola, e 3 000 de cavalaria, com 30 peças de artilharia.

Artigo 2. Ao mesmo tempo, uma divisão de tropas espanholas, consistindo em 10 000 homens, tomará posse da província de Entre Douro e Minho e da cidade do Porto; e outra divisão de 6 000 homens, também de tropas espanholas, tomará posse do Alentejo e do reino dos Algarves.”

[continua]

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2 Comentários

Cristina Ribeiro disse…
Errata: escapou-te o V em "VI"
Obrigado, Cristina. Tens toda a razão. De facto, ele também foi o D. João I, rei do ""Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves", mas o que eu queria escrever era mesmo D. João VI. Vou corrigir.