Bela entre as mais belas terras de Portugal, Guimarães é, por certo, a mais nobre, porque lhe coube a honra excelsa de ser pátria da Pátria Portuguesa – essa Pátria imortal que há oito séculos conhece as horas altas do triunfo e as amarguras de crises pungentes, até chegar à “apagada e vil tristeza”, a que Camões verberava e a que contemplamos hoje.
Um povo, que soube diferenciar-se para sempre e poderosamente do grande conjunto peninsular; que se formou como nação independente pela sua vontade heróica, sobrepondo-se à terra e à antropologia; que criou uma das línguas mais formosas dos homens e uma das literaturas mais ricamente típicas; que viveu uma historia que é um prodígio e um eterno mistério; que foi obreiro principal no reconhecimento integral da Terra e um dos criadores da América; que soube cristalizar a sua sobreexcitação heróica no hino nunca excedido dos Lusíadas; que ainda hoje, na hora triste das dissídias e da pobreza, é senhor dum império e sabe tingir a sua dor de idealismos poéticos e de orgulhos fidalgos – é um grande povo e guarda por certo intactos tesouros de energias.
Quem as chamará à actividade, quem as galvanizará e drenará para a epopeia da reconstrução? Que titã? A voz magica dalgum poeta, o gesto escultural dalgum homem de Estado, o heroísmo inspirado dalgum soldado, uma grande dor colectiva, um grande movimento revulsivo da alma nacional? Deus o sabe! Nós, portugueses, devemos saber apenas este dogma da nossa religião cívica: que a Pátria é imortal e que a nossa energia, os nossos pensamentos, a nossa vida lhe pertencem. Só é grande a vida que nesse fogo criador se consumiu.
Eis por que eu quero tanto a esse burgo pitoresco de Guimarães, porque lá nasceu Portugal, nesse inolvidável dia de S. Mamede, Portugal, soldado invencível, monge e mártir, poeta namorado, campeão dos mais altos valores criados pela alma humana, em comunhão com Deus, porque lá nasceu o que não pode morrer: a Pátria.
Que maneira mais fecunda de comemorar a rebeldia santa de Afonso Henriques do que fazer desse pensamento carne da nossa carne, direcção espiritual, programa político, unirmo-nos todos, em torno do altar-mor da Pátria, esse castelo de Guimarães, com o mesmo pensamento lealdoso dos barões de Afonso I?
Madrid, 4 Maio 1928.
Fidelino de Figueiredo.
(A Ilustração Moderna, n.º 25/26, Julho-Agosto de 1928, Porto, pág. 15)
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