Martins Sarmento continua a sua primeira "revista das folhas de Braga", debruçando-se agora sobre o que leu no jornal O Constituinte:
O Constituinte. – Não diremos porque, esperávamos que o Constituinte tratasse a questão à sua verdadeira altura. Ilusão completa. O Comércio do Minho fazia estilo, este faz espírito, e que espírito! Um pano de amostra: – o Constituinte dá-nos a pintura fantasiosa “duma mulher da rua dos Couros ferrando a queixada nas nádegas roliças” dum dos procuradores vimaranenses. Francamente, nós cuidávamos que só algum cabreiro de Barroso, com fama de engraçado no seu lugarejo, poderia ocupar os seus ócios com larachas deste farelo e que em Braga chistes desta espécie eram já obsoletos. Mas o certo é que o sal ático para uso dos atenienses de Braga é este, porque são justamente os redactores do Constituinte que nos chamam beócios. A repugnância que sentem os leitores de certa ordem por graçolas tão plebeias tornava supérfluo qualquer desforço, se fossemos capazes de descer a retaliações naquele campo; mas ali não há só plebeísmo na concepção e na forma, há tudo isso e a maior uma agressão duas vezes ignóbil, porque é malévola e cobarde. Nós apostamos mil contra um que os redactores do Constituinte não têm coragem de dizer face a face aos cavalheiros que insultam, mascarados pelo anónimo, uma única daquelas chufas. É de notar sobretudo a escolha do momento, em que vieram estampá-las na sua folha. Não bastou a estes dignos jornalistas o espectáculo de três homens, expostos por mais de quatro horas às vaias das turbas, no meio duma cidade que se diz culta, sem que os agentes da força pública os livrem daquela situação aviltante, sem que uma voz de indignação se faça ouvir, nem contra a cobardia da multidão, nem contra a autoridade que não reprimiu a anarquia porque se regozija com ela. Estes três homens sós e abandonados numa terra de umas poucas de mil almas, são por fim corridos à pedra e à lama, entre morras e uivos ferozes; e quando já estão longe e o lodo das ruas lhes não pôde chegar, vem o Constituinte para o alto da sua gazeta despejar sobre eles a lodo ainda mais infecto de larachas que não podem ser mais plebeias! Parece que não tem fundo este poço de abjecções, porque não é necessária grande sagacidade para descobrir que neste suplemento de apupos, de que o Constituinte tomou a iniciativa, contando com os imitadores que não hão de faltar, verão, há o resfolgar dum ódio pessoal, que não pode perder o ensejo de saciar-se com os aplausos dos grandes cobardes de ontem.
Deixemos estas misérias e vejamos como esta folha de Braga historia o grande crime dos procuradores de Guimarães. Começa ele pelas “divagações impertinentes e por vezes irritantes” do snr. conde de Margaride (o homem terrível) retardando as resoluções da junta. Estas divagações seriam assunto para uma réplica “de bom humor” – o bom humor que já conhecemos - se os ânimos não estivessem já bastante irritados. Mas estavam; e a indignação, que começou a referver lá em cima, comunicou-se por um fio eléctrico aos valentaços do pátio e da rua. Ainda assim não haveria explosão nenhuma, se o snr. Meira não tivesse necessidade de sair. Sim, é de crer que os arruaceiros a postos, se não apupassem uns aos outros. Logo que o snr. Meira apareceu “de todos os ângulos do edifício do governo civil, bem como do campo de Santana rompem vozerias e arruaças ameaçadoras contra este cavalheiro, que se viu forçado a recolher-se ao hotel dos Dois Amigos, onde se achava hospedado.”
Outro desmentido à Voz do Distrito.
“A ausência do snr. Meira e os motins que se prolongavam irritaram os nervos do snr. conde de Margaride (o homem) que pretendia imprudentemente vir à rua, o que lhe foi vedado pelos avisos e bons conselhos dos seus amigos.”
Com o seu “bom humor” do costume, o Constituinte acha graça à irritação de nervos dos companheiros do snr. Meira, ao saber que ele era alvo das arruaças ameaçadoras! Realmente é para rir; porque as arruaças ameaçadoras eram uma inofensiva expansão. Não quebraram osso nenhum, não arranharam a pele a ninguém, e não se pode explicar que elas “desagradassem” ao snr. José Minotes. A verdade é que desagradaram, e que este cavalheiro “de chicote (uma badine) em punho se dirigiu para o passeio, sem contudo tomar desforço algum.”
Ponhamos de parte a intenção, com que se escreveu “de chicote em punho” e não tomou “desforço algum”. O que se vê é que um incidente, de que a Voz do Distrito quis tirar a sua infeliz argumentação, não teve a menor importância. O Constituinte tanto o entende assim que continua logo: “Em duas horas e meia o injustificável procedimento do snr. conde de Margaride (sempre o homem) era objecto em toda a cidade de acerbos comentários, que aumentavam a indignação pública”, etc.
É em virtude disso, que os representantes de “todas as classes e condições” de Braga se foram agrupando pelas imediações da hospedaria dos dois Amigos, para não deixarem escapar-se os procuradores vimaranenses, sem mostrar-lhes como a Roma portuguesa costuma manifestar as suas indignações: à pedrada, à lama, à batata, à panela velha, etc.
O Constituinte diverge de alguns dos seus colegas em “lamentar estes acontecimentos” e a prova da sua sinceridade está na candura, com que despeja sobre as vítimas a lama das gazetilhas faiantes, quando a lama das ruas de Braga estava já varrida. A par dele, a Folha de Braga parece-nos quase nobre.
Para o ponto especial, que nos ocupa, a opinião do Constituinte é que os procuradores de Guimarães só tiveram culpa em “fazer obstrucionismo”. A frase é dele. Vão de acordo nisso todas as outras folhas de Braga, excepto a Voz do Distrito, que improvisa umas coisas sem jeito, nem arte.
Por causa do obstrucionismo feito numa Junta Geral do Distrito é que se dá em Braga o inaudito atentado do dia 28.
Para cúmulo da surpresa, vamos mostrar que mesmo essa futilíssima razão é falsa.
continua aqui...
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