Memórias Paroquiais de 1758: Ruílhe


E chegamos ao fim de um roteiro que começamos a percorrer no dia 18 de Janeiro. Com Ruílhe, ficam publicadas as Memórias Paroquias do concelho de Guimarães em 1758.

Tal como na de Cunha, na memória de Ruílhe há referência à tradição a que estavam obrigados moradores daquelas freguesias que se consumava na "ignominiosa acção de irem à dita vila, sete vezes ao ano, varrerem o terreiro da Senhora da Oliveira e os açougues, com umas insígnias injuriosas", sobre a qual já muito escrevemos na série de textos sobre a servidão de Cunha e Ruílhe.


Ruílhe
Notícia e descrição da freguesia de São Paio de Ruílhe.
Está esta freguesia na província do Minho, Arcebispado de Braga Primaz das Espanhas. É comarca de Guimarães e do mesmo termo, ainda que fique no meio do termo de Barcelos, por ser esta freguesia e a de São Miguel da Cunha dadas antigamente pelos vereadores da vila de Barcelos, de cujo termo eram, ao termo de Guimarães, para estas duas freguesias exercitarem na dita vila aquela ignominiosa acção de irem à dita vila, sete vezes ao ano, varrerem o terreiro da Senhora da Oliveira e os açougues, com umas insígnias injuriosas, conduzidos três homens, que iam cada vez, cuja obrigação pertencia antigamente aos vereadores da vila de Barcelos, em castigo de fraquearem naquela insigne batalha de Ceuta, cuja fraqueza supriram os soldados de Guimarães, e por isso iam àquela vila os vereadores de Barcelos exercitar aquela injuriosa acção, e por não haver naquela vila quem quisesse servir a ocupação de vereador, deram estas duas freguesias para o termo de Guimarães, com obrigação de exercitarem a dita acção, o que fizeram pelo decurso de alguns trezentos anos. Opuseram-se as ditas freguesias com requerimentos a Sua Real Majestade, o senhor Dom João quinto, que Deus tem, que, informado da verdade, por seu real decreto, no ano de mil setecentos e quarenta e dois, foi servido mandar se fizesse perpétuo silêncio nos requerimentos e não houvesse mais requerimento algum como consta do mesmo decreto, que em meu poder se acha, e se não exercitasse mais semelhante acção.
Pertence esta freguesia a Sua Real Majestade.
Tem esta freguesia setenta e oito fogos ou vizinhos. Tem, pessoas de sacramento, e menores, duzentas e trinta e oito.
Está situada num vale plano e dela se descobre a cidade de Braga, que dista uma légua, ainda que não toda.
A igreja desta freguesia está no meio dela. Tem sete lugares: Além do Rio, Este, Vila, Cacascelos, Ruílhe, Pecelar e Igreja.
São paio é orago desta freguesia. Tem três altares, um mor e dois colaterais. No maior está São Paio, de vulto, e o Menino Jesus e o Sagrado Viático. Nos colaterais, à parte do Evangelho, está a Senhora do Rosário, à parte da Epístola, está Santa Luzia, imagem de muitos milagres. Tem a irmandade de São Sebastião, que fica no mesmo altar de Santa Luzia, tema da mesma Santa e a de Nossa Senhora do Rosário.
O pároco desta igreja é abade, apresentação do ilustríssimo e excelentíssimo senhor donde do redondo. Terá de renda trezentos mil réis. Não tem capela ou ermida alguma.
Produz esta freguesia muito milho grosso, por serem planas as terras, com algumas levadas do rio, vinho em abundância. Tem muitas devesas de lenha de carvalho, que os lavradores levam jucada à cidade de Braga, com que bem se remedeiam
Serve-se esta freguesia do correio da cidade de Braga, por ficar distante uma légua.
Dista da cidade de Braga uma légua, capital deste Arcebispado, e da cidade de Lisboa, cinquenta e seis léguas.
Nos mais interrogatórios não há que dizer.
A esta freguesia cercam dois montes pequenos e limitados, um à parte do Norte, outro do Sul, que produzem mato e devesas de carvalho, e muita caça de coelhos e algumas poucas perdizes. Não têm coisa digna de memória. Fica um entre esta freguesia e São Miguel de Cunha e do Sul entre esta e o Salvador de Tebosa.
Passa por esta freguesia um rio, que se chama o rio Este, por ter seu princípio acima da cidade de Braga, onde chamam carvalho de Este.
O seu nascimento é limitado, porém aumenta-se daí em diante, no tempo do Inverno é caudaloso, porém no Verão traz pouca água nesta freguesia, por os lavradores se aproveitarem até ao seu nascimento, e tem havido anos que de todo seca.
Entra neste rio outro que vem da veiga do Penso, e a ele se une na freguesia de Lomar. É de curso quieto, por correr plana a terra por onde passa.
É a sua corrente do Nascente ao Poente.
Cria peixes em abundância, como são barbos, trutas, bogas, escalos, com a circunstância de serem os mais gostosos que se criam na província. Em mais abundância são escalos.
Pesca-se nele em todo o tempo do ano, sem haver particularidades.
Ao redor dele tudo é cultivado de campos, com algumas levadas que nesta freguesia os regam e limam. Tem alguns arvoredos em partes, como são carvalhos e salgueiros,
Sempre se apelidou o rio de Este, por ter seu nascimento onde chamam o Carvalho de Este, acima da cidade de Braga uma légua, e não há notícia tivesse em tempo algum outro nome.
Vai este rio entrar no mar a Vila do Conde. Porém, primeiro se junta ao rio Ave, junto a Vila do Conde.
Não é navegável, por não ter cabedal para isso, e ter juntamente muitos aludes de moinhos e azenhas.
Tem nesta freguesia uma ponte de pau, por onde passam carros de uma para outra parte em todo o baixo da freguesia.
Tem nove engenhos negreiros, um lagar de azeite, este rio.
Todas as levadas que nele há são livres para seus donos, só uma desde o primeiro de Maio até Setembro não vai aos campos sem licença do dono de um moinho que fica da parte de baixo.
Tem este rio sete léguas desde o seu nascimento até entrar no mar, passa por o redor da cidade de Braga e vem continuando por aldeias.
São estas as notícias que posso dar desta freguesia e por verdade me assino. S. Paio de Ruílhe, 3 de Abril de 1758.
O abade António Machado da Silveira
O vigário de Tebosa, Manuel Ferraz da Mota.
O Abade de Cunha, Manuel António Coelho
“Ruílhe”, Dicionário Geográfico de Portugal (Memórias Paroquiais), Arquivo Nacional-Torre do Tombo, vol. 32, nº 173, p. 1051 a 1056.

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1 Comentários

Unknown disse…
O Distrito de Braga com todos os concelhos que dele fazem parte com uma história riquíssima em toda a sua idade primitiva até aos dias de hoje. Já muito se sabe sobre a sua história mas será que já sabe tudo?.