Sobre o nome do Vitória (de Guimarães)

Anúncio das comemorações dos 25.º aniversário do Vitória Sport Clube, publicado no Notícias de Guimarães de 28 de Setembro de 1947.


Sobre as motivações da escolha do nome do Vitória Sport Clube sabemos pouco. Apareceu, na imprensa, nos últimos dias de 1922 como “Victoria Sport Club de Guimarães”, sem qualquer explicação para a escolha da designação. Décadas mais tarde, escreveu-se que a opção teria resultado do decalque do nome do Vitória Futebol Clube, de Setúbal, que, à época, já levava uma dúzia de anos. Nas fontes da época, não temos qualquer informação directa que nos permita validar aquela ideia, apenas expressa quando o tempo já velara a memória dos dias da fundação com um espesso manto de esquecimento.

O que podemos dizer com segurança é que, quando o Vitória Sport Club nasceu, a palavra Victoria era frequente na designação de clubes de futebol. Em terras britânicas, provavelmente por referência à Rainha Vitória, havia diversas agremiações desportivas com esse título, entre as quais se contava o Northwich Victoria F. C., fundado em 1874, que sobreviveu até aos nossos dias. Também anteriores à fundação do seu homónimo de Guimarães são o Victoria Jaworzno, fundado em 1918, que milita nos escalões secundários do futebol polaco, e o mais conhecido F. C. Viktoria Plzeň, da Chéquia, fundado em 1911 e que, na época 2022-23, compete na Liga dos Campeões europeus, com lugar no grupo do Barcelona e do Bayern de Munique. No século em que vivemos, da América à Austrália, são inúmeros os clubes chamados Vitória (Al-Nasr, em árabe).

Já a opção por Sport Clube, em vez do Futebol Clube, que aparecia no nome de tantas agremiações desportivas fundadas nas primeiras décadas do século XX, parece mais fácil de explicar: é eminentemente programática, anunciando a intenção de criar um clube eclético, aberto à prática de outras modalidades desportivas e não confinado ao futebol.

Recorte de notícia sobre um jogo entre o VSC e o Vitória de Setúbal, publicada no Notícias de Guimarães de 4 de Janeiro de 1948. 

Convirá recordar que este clube, que nem sempre se chamou Vitória, já teve Guimarães no nome oficial. Foi em 1926, após a fusão com o Atlético Sport Club, quando o clube adoptou a designação de Sport Club de Guimarães. No final desse ano, voltou a utilizar o nome de VSC, aparentemente por razões administrativas, para poder disputar o campeonato distrital, uma vez que o Sport Club de Guimarães não estaria inscrito na Associação de Futebol de Braga. Para desaparecer, logo a seguir, até ao ressurgimento em 1932, no campo do Benlhevai.

Pelas décadas que se seguirão, os jornais de Guimarães referem-se ao clube, quase sempre, simplesmente como o Vitória. Para os da casa, não havia necessidade de mais. O Vitória era o Vitória, não a barbearia Vitória, nem o café Vitória, nem o Setúbal, do mesmo modo que, para os vimaranenses, o Castelo de Guimarães é, simplesmente, o Castelo. A designação oficial completa, Vitória Sport Clube, usava-se pouco, quase tanto como a expressão Vitória de Guimarães, que era sistematicamente utilizada pelos de fora, embora os de Guimarães a não desdenhassem. Nos relatos de jogos publicados na imprensa vimaranense, Vitória de Guimarães aparecia com regularidade, nomeadamente quando se transcreviam textos de jornais de outras terras ou quando se tratava de jogos com outro Vitória, o de Setúbal.

Título de notícia do Notícias de Guimarães de 5 de Julho de 1959.

Durante muitos anos, a expressão “Vitória de Guimarães” foi usada correntemente, por todos — jornalistas de fora, jornalistas de Guimarães, dirigentes do Clube, adeptos, treinadores, jogadores — sem que houvesse notícia problemas. Se Vitória de Guimarães constituísse expressão de afronta ao nome do clube, como é que se explicaria que, no tempo da presidência de uma das figuras mais marcantes da história vitoriana, Fernando Roriz, se tivesse começado a publicar um boletim intitulado O Vitória de Guimarães — Órgão de Informação do Vitória Sport Clube, dirigido por outro vitoriano de velha cepa e com muitos serviços prestados ao clube, José Abílio Gouveia, lançado no final de Março de 1968 e que teve seis séries, a última das quais iniciada no Verão do ano 2000? Ou a sua utilização na capa do livro que assinalou o périplo do clube por África, em 1959?

Capa do "número único comemorativo da viagem do Vitória de Guimarães ao Ultramar Português", realizada no Verão de 1959.

A designação não oficial Vitória de Guimarães foi empregue, ao longo de muitas décadas, por dirigentes e cronistas vitorianos que construíram o Vitória e a sua imagem, como José Gualberto Freitas, José Acácio Pinto Rodrigues, António Faria Martins ou, mais recentemente, Fernando Alberto Ribeiro da Silva. Ultimamente, parece que passou a ser proibida. Pobre do jornalista pouco cauto que se atreva a proferi-la, porque logo lhe cai em cima uma horda de novos polícias da linguagem, altamente versados em insultos vernaculares, que, ignorando a história e a cultura do clube, marcadas pela civilidade, pela hospitalidade e pela tolerância, desatam em imprecações desabridas, por vezes abeirando a ameaça física. E, se não há danos físicos a lamentar, o mesmo não podemos dizer dos danos reputacionais para o clube e para a cidade, dificilmente reparáveis.

Muitos, entre os quais me conto, mais do que se indignarem, espantam-se, envergonham-se e perguntam: porquê?

Não entendia porque é que há adeptos do Vitória que não querem o nome do seu clube associado a Guimarães, até ao momento em que, ao ler os comentários a uma publicação de André Coelho Lima no Facebook, percebi que há quem ache que o Vitória é maior do que Guimarães, recusando que o nome da cidade seja associado ao clube, porque apequena o clube (não a cidade…). Do que depreendo, rejeitam a classificação do Vitória Sport Clube como um clube local, reivindicando o estatuto de grandeza de um clube de dimensão nacional, presumo que no mesmo patamar do Sport Lisboa e Benfica e do Futebol Clube do Porto. Fiquei esclarecido…

Admito que haja quem tenha entrado em órbita e pense o contrário, mas não, o Vitória Sport Clube não é maior do que Guimarães. O Vitória é uma parte importante de Guimarães, mas Guimarães é muito mais do que o seu maior clube.

Pela parte que me toca, estou entre os que acreditam que a associação do clube à cidade deveria ser motivo de orgulho para todos os vimaranenses-vitorianos.

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