Mariano Fernandes da Rocha Felgueiras, primeiro presidente do Vitória Sport Clube. Fotografia do passaporte. Cortesia de Abel Cardoso. |
O Vitória Sport Club celebra no Dia de hoje, 22 de Setembro de
2022, o seu centésimo aniversário. É um facto incontestável, amplamente
testemunhado: hoje festeja-se. Porém, em rigor, não é possível afirmar-se, como
vejo por aí, até na placa que está afixada no actual Café Milenário, junto ao
local onde se situava a porta da antiga Chapelaria Macedo, que o Vitória nasceu
no dia 22 de Setembro de 1922. Em rigor, ninguém sabe em que dia foi fundado o clube,
pelo que, até se assentar oficialmente no dia 22 de Setembro para a
festa do aniversário, os festejos nunca tiveram dia certo, acontecendo, quase
sempre, durante o mês de Outubro, até à década de 1980. De passagem, noto que a
primeira vez que se celebrou a instalação do clube foi quando se assinalou o seu
2.º aniversário. Aconteceu no dia 5 de Outubro de 1924.
A história das primeiras décadas do Vitória Sport Clube de
Guimarães (assim era chamado quando nasceu) está cheia de lacunas que a
narrativa “oficial”, insuflada de horror ao vazio, persiste em preencher com factos
fantasiosos que, se permitem traçar uma linha do tempo simples e contínua, revelam
escassa aderência à realidade que só a pesquisa sistemática, rigorosa e paciente
permitirá reconstituir.
Neste dia de celebração, aqui ficam algumas notas, colhidas a eito
num processo de investigação que ainda está a fazer o seu caminho.
1. Se parece pacífico que não será possível fixar uma data certa
para a fundação do Vitória, a imprensa local da época permite-nos estabelecer o
intervalo temporal em que aconteceu.
A notícia mais antiga que se refere expressamente ao clube tem data
de 17 de Dezembro de 1922 e foi publicada no jornal Ecos de Guimarães. Anunciava
um jogo de futebol, aliás foot-ball, para aquele domingo:
FOOT-BALL
Realiza-se hoje, pelas 14 horas, no Campo da Atouguia, um “match” entre o “Victória Sport Club do Guimarães” e o “Maçarico Sport Club da Póvoa de Varzim” que segundo se diz promete ser interessante.
Portanto, no final do ano de 1922, o Vitória já existia.
Por outro lado, sabemos que em meados de Agosto daquele ano se
trabalhava em Guimarães para a criação de um grupo desportivo. Quem o revela é o
jornal Pro-Vimarane, na sua edição da primeira quinzena daquele mês, onde
se escreve que
um pequeno grupo de rapazes, ou por outra, um pequeno grupo de vontades da nossa terra, trabalha afincadamente na organização de um Club Desportivo que abranja todos os possíveis ramos de Sport, para o que procura já um campo apropriado.
No final do mês de Setembro, o tal clube ainda não se tinha constituído,
pelo que se percebe, através da leitura do Pro-Vimarane da segunda
quinzena daquele mês (que saiu já em Outubro, uma vez que inclui rubricas
datadas do dia 30 de Setembro), onde se voltava à liça com as movimentações para
a criação de um clube:
Por isso, esse Grupo vem hoje lançar a ideia da criação aqui, na nossa terra, nesta terra tão refractária a modernismos, de um bem organizado Club, que, a par da cultura física, se dedique à tão altruísta como necessária cultura intelectual.
Assim, podemos estabelecer que o Vitória Sport Clube foi criado
entre o início de Outubro e meados de Dezembro de 1922. Com os elementos
disponíveis, é o mais próximo que podemos chegar de uma data de nascimento.
2. É hoje incontroverso, à luz das fontes disponíveis, que o
Vitória Sport Clube foi fundado por um grupo de rapazes vimaranenses, muito
jovens ainda, e que o presidente da sua primeira direcção foi Mariano Fernandes
da Rocha Felgueiras, filho do então presidente da Câmara Municipal de
Guimarães, Mariano Felgueiras, e que não tardaria a emigrar para o Brasil, onde
viveu até ao fim dos seus dias. Este é, ou deveria ser, um nome incontornável entre
os homenageados do centenário.
Os primeiros corpos gerentes do Vitória Sport Club. O Ferrão, Braga, edição de 11 de março de 1923 (cortesia de João Lopes) |
3. Como já o afirmou Hélder Rocha, depois de concluir que “o
primeiro presidente do Vitória não terá sido António Macedo Guimarães, dono da
Chapelaria Macedo”, não está em causa a “relevância que merece” este sportsman
na história do Vitória. Além do seu papel no clube, onde exerceu diferentes funções,
nomeadamente as de presidente, no mandato do ano de 1924, António Macedo
foi o mentor da primeira geração de homens do futebol vimaranense.
António Macedo Guimarães, o mentor dos primeiros passos do futebol vimaranense. |
4. Tem-se dito que o Vitória foi formalmente instituído em 1922, para que pudesse participar na fundação da Associação de Futebol de Braga. Pode parececer uma ideia plausível, já que a Associação de Futebol de Braga foi fundada no dia 23 de Novembro daquele ano. Mas a verdade é que, nem o Vitória, nem qualquer clube de Guimarães, se contam entre os seus fundadores. A filiação do Vitória Sport Club na associação distrital aconteceu quase um ano depois, no início de Outubro de 1923, com o propósito, então anunciado, de disputar a 1.ª categoria do Campeonato do Minho.
Aquela seria a primeira de três inscrições que teriam lugar em
menos de uma década. Em Junho de 1924, o clube foi “despejado” pelo senhorio do
Campo de Jogos José Minotes. Sem recinto de jogos, iria atravessar um ano praticamente
sem actividade, até à inauguração do Campo da Perdiz, em Junho de 1925 (durante
esse período, apenas temos o registo de dois jogos, um em Famalicão e outro nas
Taipas). A inatividade conduziu à desfiliação da associação, registada em
Outubro de 1924. Não duraria muito tempo: no final de Abril de 1925, quando se
preparava para retomar a atividade em pleno, foi autorizada a refiliação do
clube que, mais uma vez, seria efémera.
Em 1927, depois de disputar o último jogo do Campeonato Distrital,
o Vitória entrou num longo período de ocaso, que se prolongará por quase cinco
anos. Ainda nos falta muita informação sobre aqueles anos, mas é certo que o
clube chegou a ser extinto, como se depreende de várias fontes de informação e
o afirma claramente um texto publicado no jornal Ecos de Guimarães de 10
de Novembro de 1910, a propósito da tentativa de criação de um novo clube em
Guimarães, que se designaria Grupo Atlético Desportivo Português, presidido por
Humberto Guimarães Pinheiro, mas que não deixaria rasto significativo:
Constituiu-se para aí, segundo lemos, um grupo desportivo assim intitulado que desde logo resolve procurar uma casa que lhe servisse de sede. Achamos bem, mas entendemos que o primeiro passo a dar seria antes o arrendamento do campo de jogos da Perdiz, que é relativamente barato, e que está sem arrendatário desde há tempos, pela liquidação infeliz do grupo desportivo existente nesta cidade.
O ressurgimento de 1931 é, na verdade, uma refundação. Depois dos
seus responsáveis terem recuperado o
direito legal à utilização do nome Vitória Sport Clube, foi aceite a terceira filiação
do clube na Associação de Futebol de Braga. A notícia, cujo conhecimento ficamos
a dever ao nosso amigo João Lopes, investigador da história do Sporting Clube
de Braga, saiu no jornal Correio do Minho do último dia de Maio de 1931.
5. Embora inicialmente fundado em 1922, o Vitória Sport Clube, tal
como o conhecemos, é o resultado da refundação de 1932, que teve como principal
impulsionador Carlos Machado, um operário que faleceria dois anos volvidos
sobre a obra que Guimarães lhe ficou a dever, o Campo do Benlhevai, onde o
Vitória viveria muitos dos seus dias de maior glória. Carlos Machado é uma das
figuras fundamentais da história do Vitória.
Carlos Machado, o principal responsável pelo renascimento do Vitória Sport Clube em 1931-32. |
6. A par de Carlos Machado, motor do renascimento vitoriano, três outras figuras corporizam a primeira idade de ouro do Vitória Sport Clube:
O dirigente
António Faria Martins, um dos grandes dirigentes dos tempos heróicos do Vitória. |
O ideólogo
José Acácio Pinto Rodrigues, advogado e notável orador. Os seus discursos entusiásticos ajudaram a sedimentar a identificação do Vitória com a cidade de Guimarães. |
O treinador
Alberto Augusto, o Batatinha, o construtor das equipas das primeiras grandes vitórias do VSC. |
Saibamos honrar as suas memórias e a de todos quantos deram corpo a uma das pedras basilares da identidade vimaranense contemporânea.
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