Abriu ao público no dia 15 de Junho,
no Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, a exposição “Vitória Sport Clube
1922-2022”, com uma belíssima retrospectiva visual do primeiro século daquele
que, um dia, foi considerado o “primeiro clube da província”. Divide-se em três
secções: as dez décadas do futebol vitoriano, as modalidades amadoras e os campos
onde o Vitória jogou. Vale a pena ver com tempo. Além de ser, do ponto de vista
histórico, tão rigorosa quanto será possível quando se trata de um tema que
mobiliza a insustentável derivação da paixão a que costumam chamar “fervor clubístico”, vê-se
com prazer e traz novidades. Estão de parabéns os membros da equipa do Arquivo que
concebeu, investigou, produziu e montou esta exposição, com justo destaque para Pedro Costa e Luís
Fernandes.
Se a história da primeira década
do Vitória tem sido, geralmente, contada com a singela linearidade daquilo que nasceu, cresceu
e andou, porque assim tem sido contada por transmissão oral, a realidade
demonstrável está longe de ser simples ou linear. Há muito que falta saber e,
mesmo do que já se sabe com as certezas que os documentos podem demonstrar,
ainda há muito por explicar. A primeira década vitoriana fez-se com altos e
baixos que andavam quase sempre a par com a dificuldade em encontrar um campo onde
fosse possível jogar e treinar. Atribulações que chegaram a pôr em causa a existência
do próprio clube.
No princípio, os jogos disputavam-se em campo
improvisado, junto ao cemitério da Atouguia. Como ali não havia estruturas
permanentes, aquele foi o tempo das “balizas às costas”, — na feliz expressão de
Hélder Rocha, que viveu a pré-história vitoriana ainda na tenra idade. Aquele
tempo durou um ano, o primeiro do clube, já que no dia 13 de Janeiro foi inaugurado
o Campo José Minotes, junto ao lugar do antigo Campo Santo (cemitério), onde
hoje se encontra a sede da Amave. Resultou da adaptação para o jogo da bola de
um hipódromo que se tinha erguido para um concurso hípico internacional, integrado no programa das Festas Gualterianas de 1923. Era um campo de futebol comme-il
faut, com vedações, bancadas, camarotes, marcações e… balizas. Mas teve vida
breve. Ainda não tinham decorrido nove meses quando o proprietário do terreno mandou
derrubar as vedações e as bancadas, para ali construir uma moradia.
Iria o Vitória voltar ao tempo
das “balizas às costas”?
A reacção foi imediata. A direcção, então
presidida por Afonso
da Costa Guimarães, designou uma comissão, composta pelos militares Carlos
Coelho, Heitor de Almeida e José Campos, que por largos dias percorreram os terrenos
em volta da cidade, em busca de um espaço adequado para a instalação de um campo de futebol.
Encontrada a solução e fechado o contrato de arrendamento do terreno, começaram
as obras, que teriam sido de maior monta do que o inicialmente previsto, uma vez
que a inauguração, que esteve agendada para o dia 24 de Maio, só aconteceria
duas semanas depois, a 7 de Junho de 1925.
Nascia o Campo da Perdiz, do qual
ainda sabemos pouco.
Ficava situado nas imediações da
Atouguia, num local onde seria erguida a tourada cuja reconstrução, há 75 anos,
ficaria gravada na história da cidade. Mais tarde, o lugar seria ocupado por
uma sucata, entretanto removida para abrir espaço para o prédio de habitação
que agora lá existe.
Do campo propriamente dito
sabemos que tinha umas vistas magníficas e que era motivo de orgulho dos vitorianos.
Estava vedado e, além do futebol, serviria para outras exibições desportivas,
como tiro aos pombos ou gincanas automóveis. Até hoje não conseguimos uma boa descrição
das instalações do Campo da Perdiz. Mas algo se vai sabendo.
Na véspera da inauguração, o
jornal Ecos de Guimarães, ao anunciar o programa das festas (dois jogos —
as segundas categorias do Vitória jogaram com o Fafe, as primeiras com o
famalicense — e actuação da banda de música do RI20), deixava um apelo aos cidadãos
de Guimarães:
Depois do trabalho insano que os dirigentes deste Club dispenderam com a sua realização, é justo que o público vimaranense saiba compensar esse trabalho e que acorra ao campo a animar com a sua presença os que não se pouparam a sacrifícios e trabalhos para dar vitalidade a uma terra e criar-lhe um nome dentro do mundo desportivo.
Por aqueles dias, futebol já
fazia parte da vida social e festiva da cidade. É na descrição dos desafios de
futebol integrados nas Festas Gualterianas de 1926 que nós encontrámos a
confirmação daquilo que já suspeitávamos: tendo sido erguido com “trabalho
insano”, era natural que tivesse boas condições para os jogadores e para o público, nomeadamente bancadas. No intervalo do jogo entre o Sport Clube de
Guimarães (agremiação efémera que nascera da fusão de dois clubes da cidade,
o Vitória e o Atlético Sport Clube), os jogadores homenagearam o jovem e
promissor guarda-redes vimaranense Ângelo Freitas que, durante a romaria de S.
Torcato daquele ano, tinha sido vítima de um acidente muito grave, que o
incapacitou para a prática do futebol. A homenagem seria assim descrita pelo Ecos
de Guimarães de 14 de Agosto:
Tendo alinhado previamente os dois grupos em frente à bancada em que o conhecido desportista se encontrava, foi efusivamente abraçado pelos capitães dos mesmos, que assim lhe foram manifestar o pesar que todos sentiam em vê lo afastado da vida desportiva e lhe testemunharam o apreço em que justamente era tido.
Havia uma bancada, portanto.
No trabalho preparatório da
exposição agora patente no Arquivo Municipal, os organizadores olharam com
atenção para uma fotografia já conhecida, com um campo de futebol, e ficaram
com dúvidas quanto à sua localização (estava registada como sendo do Benlhevai).
É esta:
Um olhar atento de quem conheça a orografia do terreno que envolve o vale onde fica a cidade, permite descartar o Benlhevai e confirmar que aquele recinto de jogos ficava em Guimarães (ao fundo, percebe-se parte do recorte da Penha), e constatar que também não podia ser, nem o Campo José Minotes, nem o da Amorosa que, além do mais, é de um tempo em que os jogadores já não usavam os equipamentos que ali se viam. A comparação desta fotografia com as que se conhecem do Campo de Touros erguido em 1947, permitiram concluir que se tratava do Campo da Perdiz.
E depois... aconteceu um daqueles
momentos felizes de descoberta que só acontecem a quem se dá ao trabalho de
procurar, que exige paciência e método e que nem sempre encontra o que procura.
Numa pequena saqueta vermelha, pertencente a uma colecção particular, foram
encontrados dois clichés fotográficos. Este é um deles:
Ao fundo vêem-se, sucessivamente, da esquerda para a direita, o Castelo, o convento da Costa e a Penha. Esta fotografia tem quase o mesmo enquadramento de uma outra de 1947, que mostra a célebre tourada em tempo de construção. E lá estão, ao fundo, na mesma sequência, o Castelo, o convento da Costa e a Penha.
E assim ficamos a conhecer, para
lá de qualquer dúvida, o Campo da Perdiz. Que tinha bancada, camarotes, vedação,
marcações e… balizas que já não andavam às costas.
O prédio à esquerda está, sensivelmente, no mesmo terreno onde, um dia, esteve o Campo da Perdiz. |
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