Ainda o primeiro presidente do Vitória

 


Tem dado alguma discussão a história da fundação do Vitória Sport Clube e da sua primeira direcção. Discussão que, infelizmente, há quem queira levar para um campo onde a civilidade, a lealdade e as boas maneiras não jogam. Não sendo grande adepto do jogo da bola, direi que prefiro a subtileza do Aloísio à impetuosidade do Bruno Alves e que sempre gostei de uma discussão rasgadinha, mas sem entradas à margem da lei do jogo, nem violência gratuita, nem física nem verbal. É neste campo que jogo.

Passando ao que importa, direi que à luz do que hoje se sabe e se pode comprovar documentalmente, nenhum historiador discutiria o facto de que em 1923 o clube teve órgãos sociais na plenitude das suas funções, com uma direcção activa e com uma assembleia geral que, ao longo do ano, reuniu várias vezes, a última das quais para eleger os corpos directivos para o exercício de 1924. A primeira direcção era liderada por Mariano Fernandes Felgueiras e a segunda por António Macedo Guimarães. Os documentos que já são públicos, e os que a seu tempo o serão, demonstram-no, para lá de qualquer possível dúvida. São factos.

Mas, para um investigador de Ciências Sociais, muito mais interessante que o apuramento dos factos, é a sua interpretação, identificando os nexos e desemaranhando os fios da teia que os explicam. E, se não há nada para explicar no que toca aos factos, porque os documentos os demonstram, ainda há perguntas por responder. A primeira é esta: como se explica que se assuma como a primeira direcção aquela que, à luz dos factos demonstrados, foi a segunda?

O texto de Hélder Rocha com o título Como começou o Vitória, que já aqui reproduzimos, depois de transcrever partes de duas peças que contavam a história do clube (uma de 1959, do próprio Hélder Rocha, outra de 1964, de Almeida Ferreira), dá conta de algo mais que, mais tarde, lhe chegou ao conhecimento, através de uma compilação de recortes de imprensa recolhidos por Rui Manuel Dias de Magalhães, com o título O Passado e o Desporto. Hélder Rocha referia-se à transcrição da composição dos corpos gerentes do Vitória publicada no jornal Voz de Guimarães no primeiro dia de Fevereiro de 1923:


E também a uma segunda publicação, colhida do jornal vimaranense A Razão, de 23 de Dezembro do mesmo ano, referente aos corpos gerentes para 1924 :



 

Destes dois recortes, Hélder Rocha retirou a conclusão óbvia:

Daqui se conclui que o primeiro presidente do Vitória não terá sido António Macedo Guimarães, dono da Chapelaria Macedo, onde faziam tertúlia os sportmen vimaranenses daqueles tempos. Mariano Fernandes da Rocha Felgueiras era filho do Dr. Mariano da Rocha Felgueiras, que foi o mais destacado político local durante a chamada 1.ª República, isto é, desde 1910 até ao 28 de Maio de 1926, ocupando a presidência da Câmara Municipal por diversas vezes. Sabemos que emigrou, para o Brasil, mais ou menos na época próxima da fundação do Vitória, não havendo notícia de volta à terra natal outra vez.

E, para que não restassem dúvidas quanto à novidade do que afirmava, registou (sublinhado meu):

Este facto deve ser anotado na historiografia vitoriana, pois ninguém a tanto fez referência, que saibamos, até agora.


O mesmo recorte seria transcrito por Custódio Garcia e publicado, em 2008, na página 26 do livro Vitória Sport Clube — Guimarães — 1922-2008 — 86 anos de história, com esta nota:

Pelos nomes indicados entende-se tratar-se de uma direcção provisória, pois nela não aparece a designação de Assembleia Geral. Entende-se por isso que a sua intenção seria dar uma certa ordem para bom andamento dos trabalhos.

A verdade é que, se na notícia da Voz de Guimarães não aparece a designação da Assembleia Geral, é porque a publicação saiu truncada, como se percebe por este outro recorte, publicado no dia 11 de Março de 1923 no jornal bracarense Ferrão, que aqui reproduzo por cortesia do meu amigo João Lopes, que se tem dedicado à pesquisa da história do desporto em Braga:


De onde vem a ideia de que o primeiro presidente do Vitória Sport Clube foi António Macedo Guimarães, entusiasta do futebol e chapeleiro com loja aberta no Toural, vizinha da Torre da Alfândega?

Todos os caminhos para deslindar esta dúvida vão dar a uma nota de homenagem a António Macedo Guimarães, publicada no Suplemento Desportivo do Notícias de Guimarães de 4 de Dezembro de 1932, onde se lê:

Representaria uma ingratidão da nossa parte se lançássemos no olvido o nome de António Macedo Guimarães.

Presidente da Direcção do 1.° “Vitória Sport Club” foi um dos mais devotados servidores da sagrada causa do Desporto.

Cheio de energia, de coração magnânimo e possuído dum entusiasmo que não arrefece, em época em que o desporto era privilégio de meia dúzia de rapazes endinheirados, António Macedo Guimarães conseguiu interessar toda uma população citadina e ergueu bem alto o nome da cidade de Guimarães e o do Club a que presidia.

Se, numa primeira leitura, podemos ser levados a concluir que se apresenta António Macedo Guimarães como 1.º presidente do Vitória Sport Club, como se tem concluído, na verdade o que lá está escrito é que o chapeleiro Macedo foi “Presidente da Direcção do 1.° Vitória Sport Club”, o que, podendo parecer o mesmo, é algo bem diferente e muito interessante, porque só há necessidade de referir o primeiro quando há um segundo. E, se houve segundo, é porque o primeiro foi extinto e liquidado, o que, na verdade,  aconteceu ao Vitória no final da década de 1920.

Do ocaso e renascimento do Vitória Sport Club entre 1928 e 1932 ainda há muito para contar.

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