O Padrão do Salado, estereoscópia de Aurélio Paz dos Reis, 1907. Centro Português de Fotografia.
Via Nuno Saavedra/Fototeca de Guimarães
Na ordem das publicações que tratam da história,
da geografia e do património de Guimarães, à Corografia Portuguesa, do
plagiador Carvalho da Costa, seguem-se as Memórias Ressuscitadas da
Província de Entre-Douro-e-Minho no ano de 1726, manuscrito de Francisco Xavier da Serra Craesbeeck, antigo corregedor da comarca de Guimarães, que trata longamente de
Guimarães, mas que é parco em palavras acerca do Padrão, limitando-se a remeter
para o que publicou o Padre Carvalho da Costa:
Sobre o padrão, que aqui está na praça, e fronteira à porta principal desta igreja, basta ver o que se diz na “Corografia”
Francisco Xavier da Serra Craesbeeck, Memórias Ressuscitadas da Província
de Entre-Douro-e-Minho no ano de 1726, Edições Carvalhos de Basto, Lda., Barcelos, 1993,
p. 137.
Na única vez que Craesbeck designa o padrão por
algo mais que padrão, chama-o de padrão de N. S. da Oliveira.
O que se publicou ao longo do século XIX não trouxe novidades significativas acerca do Padrão, da sua história ou da sua denominação, limitando-se a pouco mais do que reproduzir o que antes escreveram Estaço e Torcato. A única novidade aparece na obra Monumentos de Portugal, Históricos, Artísticos, Arqueológicos, uma compilação revista e acrescentada de textos dispersos do historiador e arqueólogo Inácio Vilhena Barbosa, anteriormente publicados em revistas. Nesta obra, o incansável divulgador do património nacional atribui, sem explicar com que fundamento, a fundação do Padrão ao rei Afonso IV. Aparentemente, onde Estaço e Torcato escreveram que o Padrão foi erguido quando reinava D. Afonso IV, Vilhena Barbosa leu que foi erguido por D. Afonso IV. Esta ideia seria replicada, logo a seguir, por José Augusto Vieira, no seu O Minho Pitoresco, publicado em 1886.
Ambos os autores designam o monumento
simplesmente como “o Padrão”.
Nada de Salado, ainda, como se verificará pela leitura dos dois excertos que a seguir se reproduzem.
VII
Resta-me falar de um monumento, que, não obstante estar
separado do edifício da colegiada, diz-lhe respeito.
É o cruzeiro coberto, que se levanta na praça, em frente da
porta da igreja, e em distância de poucos passos do adro. Dão-lhe o nome de
padrão, e teve por fundador a el-rei D. Afonso IV.
É um edifício composto de quatro arcos ogivais, formando um
quadrado, coberto de abobada de laçaria de pedra. Compõe-se cada arco de várias
colunas delgadas, com seus capiteis de figuras e folhagens grosseiramente
esculpidas. Encostam-se os arcos a quatro grossos pilares de cantaria, que
formam os quatros ângulos, em que se estriba a abobada. Sobre o vértice de cada
um dos arcos vá-se o escudo das armas reais, da maneira que el-rei D. Afonso IV
usava delas. Entrando por qualquer dos quatro arcos, sobe-se dous degraus para
um pavimento lajeado, no meio do qual se ergue, debaixo da abobada, um esbelto
e formoso cruzeiro de pedra, fabricado segundo o estilo gótico. Além da imagem
de Cristo crucificado, adornam este lindo cruzeiro as estátuas de Nossa
Senhora, de S. João Evangelista, de S. Dâmaso, papa, natural de Guimarães, de S.
Torquato, mártir, arcebispo de Braga, de Nossa Senhora do Rosário, de S.
Filipe, apostolo e de S. Gualter, todas de vulto inteiro. As quatro primeiras
estatuas ornamentam a cruz da parte em que está a imagem de Cristo crucificado;
as três restantes do lado oposto.
Na haste da cruz está uma lâmina de bronze com a seguinte
inscrição gravada, tendo todas as palavras separadas umas das outras por uma
cruz semelhante à da ordem militar de Christo: A onra d Deus e d Scã Maria,
e por esta uila mais onrada ser, e o poboo fez fazer esta obra Pero Steves, de
Guimarães, mercador em Lixboa, filho d Estevão Gcia, e de Mta Pez, na E. M.
CCCLXXX annos. VIII dias d Setembro.
M. L. R.
O. F. E. X.
Esta data de 1380 é a era de César, que corresponde à de
Cristo de 1342.
Este Pero Esteves, filho de Estevão Garcia e de Martha Pores,
foi o fundador, isto é o que fez colocar o cruzeiro naquele lugar no dia e era
acima referida.
Mas como disse logo no princípio, narrando a lenda de Nossa
Senhora da Oliveira, este cruzeiro foi mandado fazer na Normandia e dali
transportado para Guimarães por Gonçalo Esteves, irmão do dito Pero Esteves.
A cruz tem por base um pedestal
composto de vários degraus, que servem de assento ao povo
Debaixo da mesma abóbada, encostado ao arco fronteiro à porta
da igreja, está um altar com uma imagem de Nossa Senhora da Vitória. Foi ali
colocado em comemoração da Vitória de Aljubarrota. E, todos os anos, no dia 14
de agosto, aniversário deste glorioso sucesso, vão os cónegos ali em procissão
solene, levando hasteado o pelote de el-rei D. João I. Depois de se celebrar
missa em acção de graças, no altar de Nossa Senhora da Vitória, recolhe-se a
procissão ao templo.
Barbosa, Inácio Vilhena, Monumentos de Portugal,
Históricos, Artísticos, Arqueológicos, Castro Irmão — Editores, Lisboa,
1886, p. 102-103
*
* *
Fora do templo encontra o touriste no
largo principal, que lhe serve de vestíbulo, dois gloriosos padrões da boa e
antiga cidade, um dos quais a Casa da Câmara, assente sobre arcadas de granito,
é fundação coeva de D. Manuel, como o atestam as esferas armilares, que avultam
sobre as janelas, embora modificado na reconstrução que sofreu no século
passado; a figura que se vê no frontão do edifício representa Guimarães,
segundo a tradição popular. O outro, propriamente denominado o padrão, tem
como fundador a el-rei D. Afonso IV e é um curioso cruzeiro de granito; coberto
por uma abobada de pedra, sustentada por quatro elegantes arcos em ogiva. No
cruzeiro, de estilo gótico, admiram-se, além dos brincados lavores de cinzel,
as imagens do Cristo crucificado, Nossa Senhora, S. João, S. Dâmaso, S.
Torcato, Senhora do Rosário, S. Filipe apóstolo, e S. Gualter. Uma lâmina de
bronze cravada na haste da cruz diz que o autor da obra foi Pero Esteves, de
Guimarães, mercador em Lisboa. Debaixo da mesma abobada, mas encostado ao arco
fronteiro à igreja, está um altar com a imagem da Senhora da Vitória, em
comemoração da batalha de Aljubarrota. Próximo existia ainda há pouco tempo uma
oliveira secular, dentro de uma gradaria de ferro, e era essa, ou pelo menos
recordava essa, a oliveira da lenda que deu à Senhora o título e a Guimarães o motivo para o seu brasão de armas.
José
Augusto Vieira, O Minho Pitoresco, Livraria António Maria Pereira —
Editor, Lisboa, 1886, tomo I, pp. 585-611
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