Em defesa da casa dos Lobo Machado


É um dos edifícios mais carismáticos do centro histórico de Guimarães. Foi mandado erguer em meados do século XVIII pelo padre Rodrigo de Sousa Lobo, o Caguetas, abade de Santa Comba de Regilde, bacharel em Cânones, comissário do Santo Ofício e provedor da Santa Casa da Misericórdia de Guimarães. Conhece-se um contrato de 1754 que adjudica a dois galegos, o mestre pedreiro Amaro Farto e Vicente Carvalho, a construção da sua frontaria em pedra lavrada, mas não se conhece o autor do projecto, em que vários investigadores têm identificado o traço ou a influência do arquitecto André Soares, autor do Paço Arquiepiscopal de Braga e da igreja dos Santos Passos de Guimarães. A singularidade desta casa nobre urbana resulta tanto da profusão a sua decoração rococó, como de ter sido o centro de acontecimentos marcantes na história de Guimarães.

Residência da família Lobo Machado, nela nasceu, em 1842, Gaspar Lobo de Sousa Machado e Couros, a quem o rei D. Luís I atribuiria o título de Visconde de Paço de Nespereira. Foi sede, a partir de 1858, da Assembleia Vimaranense, fundada para facultar aos seus membros “uma diversão decorosa e civilizadora, por meio da convivência quotidiana, leitura, jogo lícito, bailes ou simples reuniões de famílias”. Ali se reunia boa parte da burguesia vimaranense, para jogar bilhar, ler os jornais ou conversar.

Foi à volta da mesa de uma das sua salas que quatro amigos souberam que Francisco Martins Sarmento fora condecorado pelo governo francês, em reconhecimento dos seus estudos arqueológicos e históricos. Começou aí a germinar a ideia de uma homenagem ao sábio vimaranense, que se consumaria no dia 20 de Novembro de 1881, data em que se a Sociedade Martins Sarmento instalou naquela casa da rua da Rainha.

Durante o conflito brácaro-vimaranense, despoletado no dia 25 de Novembro de 1885, quando os procuradores de Guimarães à Junta Geral do Distrito foram enxovalhados em Braga. Quando os vimaranenses, em reacção à afronta, exigiram a desanexação do distrito de Braga e a união ao Porto, a sede da Assembleia Vimaranense esteve no epicentro dos acontecimentos. Foi aí que se instalou a Comissão de Vigilância da causa concelhia

Mais tarde, a casa dos Lobo Machado acolheu a Associação Comercial, que a comprará em 1932. Fundada em 1865, esta associação é, a par da Sociedade Martins Sarmento, uma das emanações da sociedade civil a quem a nossa cidade mais deve, tendo estado presente nas grandes causas que mobilizaram os vimaranenses. Logo nos seus primeiros dias, projectando-se a linha de caminho de ferro entre Guimarães e Braga, reclamou a inclusão de Guimarães no seu itinerário. Não faltando exemplos do que Guimarães deve à Associação Comercial, basta lembrar um: as Festas Gualterianas.

Custa perceber a falta de amparo da cidade e do seu tecido empresarial no momento em que a ACIG viveu o estrangulamento que conduziu à sua extinção. Sendo a associação há mais tempo em actividade em Guimarães, superou muitas crises. Acredito que esta também poderia ter tido solução.

Hoje, mete dó a situação em que se encontra a imponente casa dos Lobo Machado, agora posta em hasta pública.

Importa assegurar que lhe seja dado um destino que não desvirtue a sua história. Têm sido públicos os apelos, a que me junto, para que a Câmara exerça o direito de opção que a lei lhe concede, mas percebo que a defesa dos interesses do Município obriga a racionalidade na tomada de decisões com implicações financeiras previsivelmente relevantes. Caso o valor da arrematação torne impraticável o exercício do direito de opção, acredito que a defesa do interesse público passará pela recurso aos dispositivos legais que colocam nas mãos da autarquia e de outras entidades públicas o condicionamento do uso a que o edifício poderá ser afectado.

[Crónica originalmente publicada no n.º 4 do Jornal de Guimarães em Revista, Julho de 2021] 

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