No Expresso de 23 de Abril, Henrique Monteiro deixa exclamações e perguntas que poderiam ter saído da pena do seu heterónimo, o genial, venerando e venerável comendador Marques de Correia:
Adoro Guimarães! É das cidades mais bonitas de Portugal, a cidade-berço, onde nasceu Portugal. Nasceu porquê? Por causa de Vímara Peres, que deu o nome ao burgo e é considerado o primeiro conde de Portucale? Ou por causa de lá ter nascido D. Afonso Henriques? Não sei, mas parece-me que o nosso primeiro rei nasceu em Viseu. E eu adoro Viseu, é a terra da minha família toda, do meu pai, desde logo.
Não, não foi por causa de Vímara Peres, que não deu o nome a
Guimarães, onde, apesar do que diz a tradição, não morreu. Terá falecido numa
terra chamada Vama, que têm confundido com Vimaranes, mas que era na Galiza, junto
a Compostela. Outra foi a alma mater de Guimarães. Chamavam-lhe
Mumadona.
Também não foi por ser lugar de nascimento de Afonso
Henriques, apesar da antiga tradição, que nenhum documento desmente, nem
comprova, que diz que nasceu no Castelo de Guimarães.
Henrique Monteiro retoma a causa do nascimento em Viseu do filho
de Henrique e Teresa, afirmando que “o historiador Almeida Fernandes, que
investigava o nascimento do rei a pedido da Câmara Municipal de Guimarães, foi
o primeiro a dizer que, afinal, era Viseu”.
É verdade que a tese de Viseu foi concebida por Almeida
Fernandes, mas a encomenda não partiu da Câmara de Guimarães. Este
detalhe seria irrelevante, não fosse demonstrar que Henrique Monteiro não leu o livro de Almeida Fernandes, onde está longamente narrada a história da encomenda. Se tivesse lido,
certamente seria um pouco menos efusivo quanto à suposta validade científica da
tese que perfilha.
Partindo da indicação da Crónica dos Godos de que
Afonso Henriques teria de dois para três anos quando o pai faleceu, em Maio de
1112, Almeida Fernandes determinou que o rapaz tinha “mais de dois anos e meio”, para concluir
que “nasceu nos meados do Verão de 1109” e afirmar, em rodapé, que o futuro rei
teria então dois anos e nove meses. Mais adiante, assevera que o parto aconteceu
no intervalo entre Julho e Agosto de 1109, acabando a fixá-lo no início de
Agosto e a concluir que Afonso Henriques nasceu “à roda de 5 de Agosto de
1109”. Encontrada a data de nascimento, faltava saber onde estava a mãe por
esses dias. Usando do mesmo método enviesado, Almeida Fernandes proclamou que D.
Teresa estava em Viseu. Conclusão: o fundador de Portugal nasceu em Viseu.
Ninguém levou a sério tese tão inovadora, até que José
Mattoso publicou a sua biografia de Afonso Henriques, onde considera verosímil
a tese de Almeida Fernandes, mas prevenindo que “aquilo que é possível, admissível,
hipotético ou provável não se pode transformar em certeza”. Supostamente validada
pelo mais prestigiado dos nossos medievalistas, o nascimento de Afonso
Henriques em Viseu transformou-se numa causa local, assumida pela
própria autarquia viseense. De nada adiantou que Mattoso viesse a esclarecer que
a tese de Almeida Fernandes “não era tão segura como pensava”, sendo “necessário voltar a
examinar a questão, se ela nos interessar mesmo”.
É certo que a causa de Viseu tem alguns defensores. Henrique Monteiro indica quatro reputados historiadores, todos com alguma ligação pessoal a Almeida Fernandes: um genro, dois galardoados com o prémio que tem o seu nome e a presidente
do júri que o atribui.
2 Comentários
Sou Professor de História, já aposentado e perfilho exatamente o que cabo de ler no tema "Uma questão de berço.
Nas muitas visitas que organizava com os meus alunos, sempre lhes disse "não se preocupem muito com o local de nascimento de D. Afonso Henriques. Não há provas conclusivas. Mas Guimarães é a cidade berço porque foi aqui que nasceu Portugal, devido a ter sido aqui que se gravou a Batalha de S. Mamede."
Em tom de brincadeira dizia-lhes que a obrigatoriedade do Registo Civil era apenas de 1911, certidão de batismo também não se vislumbra, pelo menos para já.
Cumprimentos