Do direito de pertencer à Comissão de Festas Nicolinas.

A Comissão de Festas Nicolinas de 1982. Imagem da AAELG-Velhos Nicolinos.

Não faltam, nas Festas Nicolinas, elementos que nos permitem apresentá-las como únicas no seu género. O seu modelo de organização, por exemplo.
As Festas Nicolinas, na complexidade dos seus números, são promovidas por uma Comissão composta por dez elementos, eleitos exactamente dois meses antes do dia em que as festas irão arrancar com o número mais multitudinário do seu programa, o Pinheiro. Causa espanto, a quem está por fora, perceber como, em tão pouco tempo e com meios tão escassos, se consegue montar e assegurar o financiamento de uma organização com tamanha dimensão. E mais motivos de espanto há quando se percebe que todos os membros da Comissão têm menos de 20 anos e nenhuma experiência na organização de eventos semelhantes.
Habituados a assistir à repetição regular das festas, ano após ano, há muito que as integrámos na normalidade do viver vimaranense. Mas basta reflectir um pouco para se encontrarem largos motivos para admiração e para um imenso respeito pelos miúdos que dão o corpo ao manifesto para as pôr de pé, mantendo viva a tradição dos estudantes de Guimarães.

O que vai aí acima escrevi-o no dia 3 de Dezembro de 2011, num texto de elogio da comissão das Nicolinas. Replico-o agora para que, a propósito do que escreverei a seguir, não voltem a acusar-me de tentar denegrir as Festas Nicolinas ou quem assume a missão de as organizar. Por outro lado, quero deixar claro que nada me move contra pessoas em concreto, contra as quais nada tenho. O que aqui está em causa são princípios, não pessoas.
A partir do ressurgimento das festas dos estudantes de Guimarães a S. Nicolau, em 1895, passou a vigorar a distinção entre estudantes novos (os que frequentam estabelecimentos de ensino secundário em Guimarães) e velhos (os que já nos deixaram de frequentar). As festas, que não tardariam a ser baptizadas de Nicolinas por João de Meira, são organizadas por uma comissão constituída por estudantes novos. Que, muitas vezes, eram mesmo muito novos, como aconteceu nas três décadas que se sucederam a 1928, após a retirada ao Liceu Martins Sarmento do último ciclo do ensino liceal, tempo em que a sua oferta educativa terminava no 5.º ano (correspondente ao actual 9.º). Ao longo desses anos, apesar de terem de enfrentar tremendas dificuldades, os nossos jovens estudantes não deixaram morrer a tradição nicolina.
Hoje, estudante novo, no gozo de todos os direitos que vêm inscritos na tradição nicolina, é todo aquele que frequenta um dos dois últimos ciclos do ensino obrigatório em escolas de Guimarães. Velho é o que, tendo frequentado o ensino secundário nas mesmas escolas, já não o frequenta, independentemente da idade e de ter concluído, ou não, esse grau de ensino. Ninguém terá dúvidas, creio: só os estudantes novos podem integrar a comissão de festas. Existem algumas normas, que remetem para a tradição, que estabelecem condições para se pertencer à comissão: a das três matrículas sucessivas ou a da idade (entre os 14 e os 18 anos). Nos tempos que correm, julgo que bastará respeitar um princípio simples: que o estudante esteja inscrito no ensino secundário num estabelecimento de Guimarães, porque a lei é suficientemente clara a fixar os termos em que as matrículas podem ou não podem ser aceites.
Vem isto a propósito de algo que provocou estranheza em relação à comissão deste ano.
Há dias, ao ver uma fotografia publicada na página oficial do Facebook da Escola Secundária Martins Sarmento, onde estava identificado um membro da comissão de festas deste ano, alguém que tinha razões objectivas para suscitar tal dúvida, perguntou se agora um não aluno podia fazer parte da comissão. A pergunta era simples e, não havendo o que esconder, a resposta seria igualmente simples, rápida e suficientemente esclarecedora para afastar todas as dúvidas. O que aconteceu a seguir foi tudo o contrário que se deveria ter acontecido. Sucederam-se comentários, todos eles colocados por antigos membros de comissões de festas, muito indignados, alguns deles claramente insultuosos, visando quem colocou a pergunta e todos os que manifestaram a mesma dúvida, acusando-os de estarem a tentar denegrir as festas (eu próprio recebi uns mimos, alguns deles perfeitamente hilariantes, de quem se achava com autoridade para condicionar o que penso e a forma como o expresso).
Acontece que qualquer pessoa que conheça a lei saberá que aquele que aparece na tal fotografia, em trajo de capa e batina, podendo ter as qualidades que o possam habilitar para o exercício de qualquer cargo, não pode ser membro da comissão das Nicolinas. Isto afirmo eu, que nem o conheço. E não tenho receio de ser desmentido.
Por uma breve consulta ao seu perfil público do Facebook (onde informava que “trabalha na empresa Vitória Sport Clube” e que andou na Escola Secundária Martins Sarmento”, ou seja, que já não anda), fica-se a saber que tinha 22 anos completos no início do ano lectivo de 2018-2019 e é o quanto basta. Com tal idade, à luz da lei, estava impedido de se matricular em qualquer curso do ensino secundário, apenas podendo matricular-se em ofertas de educação e formação destinadas a adultos. E, por não se poder matricular no ensino secundário, não pode pertencer à comissão.
O assunto é mais sério do que pode parecer à primeira vista. É a identidade das festas que é posta em causa, já que um dos elementos que as tornam únicas é o serem organizadas por jovens estudantes do ensino secundário. Aliás, convém recordar que este tem sido um dos argumentos usados para barrar a entrada de estudantes universitários nas festas e na sua organização, por se temer que, por serem mais velhos e experientes, acabassem por secundarizar os estudantes do ensino secundário.
Esperei mais de uma semana para escrever o que aqui escrevi, acreditando que podia ser dispensado de o fazer. Fiquei a aguardar que fosse publicada a informação que solicitei, acerca das escolas, cursos e anos que frequentam os membros da comissão de festas deste ano. Foi dito que estava tudo certo e que até havia documentos que o comprovavam. Dos restantes, nada sei, mas, do caso que aqui me trouxe, a existir documento, ou há má interpretação na sua leitura ou há algo muito pior.

***

Para esclarecer eventuais dúvidas, aqui ficam os excertos da legislação em vigor acerca das restrições na matrícula no ensino secundário, tanto da via geral de prosseguimento de estudos, como da via profissionalizante: 



Decreto-Lei n.º 176/2012
Publicação: Diário da República n.º 149/2012, Série I de 2012-08-02.
Artigo 11.º 
Restrições à frequência
1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, não é permitida a matrícula ou renovação de matrícula em qualquer dos ciclos do ensino básico a alunos que à data de início do ano escolar que pretendam frequentar já tenham atingido os 18 anos de idade.
2 - Excetuam-se do disposto no número anterior os alunos que, não tendo interrompido estudos no último ano escolar, tenham transitado de ano de escolaridade. 

Portaria n.º 226-A/2018 
Publicação: Diário da República n.º 151/2018, 1º Suplemento, Série I de 2018-08-07. 
Artigo 39.º 
6 - Os alunos que tenham completado 20 anos de idade até à data de início do ano escolar só podem matricular-se em ofertas de educação e formação destinadas a adultos. 

Despacho Normativo n.º 6/2018
Publicação: Diário da República n.º 72/2018, Série II de 2018-04-12. 
Artigo 4.º 
10 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores e nas demais disposições legais em vigor, o membro do Governo competente pode autorizar, a título excecional, a frequência de cursos profissionais por alunos que tenham completado vinte anos de idade à data de início do ano escolar, atenta a ponderação do percurso escolar dos alunos e a inexistência de ofertas de educação e formação aplicáveis destinadas a adultos.

Comentar

2 Comentários

Unknown disse…
Caro professor,

Muito gostaria que discorresse acerca da participação das mulheres nas festas Nicolinas, designadamente da sua integração da Comissão de Festas, considerando que, segundo refere, de entre as normas que estabelecem condições para se pertencer àquela, bastará que a inscrição no ensino secundário num estabelecimento de Guimarães.

Simultaneamente, verifica-se no seu texto que, ao longo do tempo, tem existido alguma plasticidade no sentido da adaptação da tradição ao contexto sociocultural da época. Disto é exemplo o alargamento da participação às estudantes no cortejo do Pinheiro ou no do Pregão.

Desta forma, seria interessante perceber a sua posição relativamente à renovação das tradições à luz das questões de género.

Atenciosamente,

Luísa Sousela e Sónia Padrão

Peço desculpa por só responder agora, mas tenho andado metido em trabalhos, nomeadamente sobre as Nicolinas. Corresponderei ao desafio, assim que acabar o que me tem afastado do blogue.