Se o paralítico já anda, só pode ser milagre.



Aqui há uns meses, os mostradores do relógio da basílica de S. Pedro pararam, cada qual virado para seu lado, cada qual assinalando a sua hora. Ficou como tinha sido o relógio camarário da torre da Oliveira até 1861: cego, mas não mudo, já que continuou a bater os quartos, as meias e as horas inteiras, com o acompanhamento do hino da cidade. Estava avariado, nada que não tivesse já acontecido muitas vezes na longa história dos relógios de torre da cidade, pelo que era só esperar por que fosse reparado.
Mas a reparação tardava. O assunto começou a ser falado porque, afinal, todos acabaram por perceber que o relógio fazia falta. No dia 21 de Agosto, ficou a saber-se que, afinal, a avaria era irreparável. A notícia foi dada pelo vereador do urbanismo da Câmara Municipal de Guimarães e foi publicada pelo Mais Guimarães, de onde transcrevo declarações daquele responsável:
O mecanismo do relógio original encontra-se desativado por avaria irreparável. A Câmara Municipal de Guimarães subsidiou a Irmandade de S. Pedro para a compra de um novo mecanismo (digital) que precisa de uma visita técnica antes de ser colocado em funcionamento. A área da torre da igreja onde será instalado necessita reparação para poder suportar os mecanismos. O assunto está a ser acompanhado pelo Município, tendo o local sido objeto de visita de técnicos camarários com o objetivo de iniciar a resolução do assunto.
Longe da terra, acabo de ler no Guimarães Digital que três dos quatro mostradores da torre da Basílica de S. Pedro, no Largo do Toural, já estão reparados.
De onde se conclui que, manifestamente, não era verdade que a avaria fosse irreparável, que tenha havido necessidade de comprar um novo mecanismo digital, que fosse necessário proceder a obras na torre da igreja para que pudesse suportar os mecanismos.
Só não sei se é verdade que a Câmara tenha subsidiado a Irmandade de S. Pedro para a compra de um novo mecanismo. Aguardam-se esclarecimentos.
A notícia do repentino arranque do relógio irreparavelmente parado foi dada em comunicado da Irmandade, onde se afirma que:
a conservação e manutenção é da responsabilidade da Câmara Municipal de Guimarães.
Aparentemente, em Guimarães, terra que tanto preza o seu passado e a sua história, há um problema grave de falta de memória para tempos recentes.
Em 1938 a Câmara colocou na torre da basílica de S. Pedro um relógio que comandava um carrilhão de 15 sinos. À altura, era o único do seu género em Portugal. Anunciado como uma maravilha da engenharia mecânica, foi inaugurado nas festas Gualterianas daquele ano. Os vimaranenses encheram os peitos de orgulho, em muitos casos embebido em lágrimas de comoção, quando ouviram  pela primeira vez o seu hino a ser tocado no carrilhão da torre do Toural. O Município, proprietário do equipamento, assegurava o seu funcionamento, as revisões e reparações de que necessitasse. Foi seu zelador, durante quase meio século, o senhor Artur Silva.
Um dia, quando ia dar corda ao relógio, o senhor Artur Silva encontrou-o, de acordo com a reportagem de Armindo Cachada publicada no Jornal de Notícias de 10 de Maio de 2002, todo partido. Os cabos dos pesos estavam cortados, os martelos inutilizados, no lixo, e os tirantes de toque dos sinos desligados. A Irmandade tinha decidido unilateralmente desligar o velho relógio mecânico, substituindo-o por um computador, e nem sequer se deu ao trabalho de avisar o seu zelador, nem o seu proprietário, o Município de Guimarães, que, havia pouco tempo, tinha despendido bom dinheiro na sua beneficiação, dotando-o de um motor para elevar os pesos e de um mecanismo de relógio que controlava a iluminação dos mostradores.
Portanto, não é verdade, antes pelo contrário, que a Câmara Municipal de Guimarães tenha qualquer responsabilidade na conservação e manutenção de um relógio que não lhe pertence e cuja instalação foi feita sem o seu consentimento nem conhecimento, tendo coincidido com a destruição de uma património único: o precioso mecanismo instalado em 1938, que é, esse sim, de propriedade municipal.
O comunicado da Irmandade de S. Pedro conclui com o que aparenta ser uma insinuação que,  na minha opinião, sendo-o, não se quadra bem com uma entidade com a sua natureza:
Lamentamos a má fé… de poucos.”
Má fé de quem, afinal?

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