O relógio camarário (conclusão com interrogações)


Que fique bem claro: não tenho qualquer motivo para pensar que o que a fundamenta seja algo mais do que desconhecimento, nem para pôr em causa a boa-fé de quem a conta, mas a história da recente avaria e posterior reparação do relógio da torre do Toural anda muito mal contada.
Em Junho, em data que não consigo precisar, os quatro grandes mostradores do relógio pararam, a horas desencontradas. O assunto foi notícia no dia 25 de Junho, na página de notícias Guimarães Digital, onde se informava que o relógio estava parado desde a semana anterior e se citavam declarações do capelão da Irmandade de S. Pedro, dando conta de que a reparação estava a ser obstaculizada por questões de segurança.
Não era a primeira vez que o relógio deixava de funcionar, mas, até então, sempre voltava a marcar a hora certa ao fim de pouco tempo. Desta vez, teimava em ficar parado. Passaram-se os dias, as semanas e os meses e nada fazia mover os seus ponteiros.
No dia 21 de Agosto, a versão digital do jornal Mais Guimarães publicou uma notícia, com o título Relógios da Basílica de S. Pedro serão substituídos por modelos digitais em que, remetendo para declarações do vereador do Urbanismo, se informava que “os relógios relógios têm uma avaria irreparável e serão substituídos por modelos digitais”, e transcrevia as seguintes declarações daquele responsável autárquico:

O mecanismo do relógio original encontra-se desativado por avaria irreparável. A Câmara Municipal de Guimarães subsidiou a Irmandade de S. Pedro para a compra de um novo mecanismo (digital) que precisa de uma visita técnica antes de ser colocado em funcionamento. A área da torre da igreja onde será instalado necessita reparação para poder suportar os mecanismos. O assunto está a ser acompanhado pelo Município, tendo o local sido objeto de visita de técnicos camarários com o objetivo de iniciar a resolução do assunto.

No dia 12 de Setembro, pouco passava do meio-dia, recebo uma mensagem de um amigo atento: Notícia de última hora: são 12 horas no mostrador do Toural!”. O entusiasmo revelar-se-ia precipitado. Pouco depois, nova mensagem, do mesmo amigo: “Parou nas 12.10h, o que leva a crer que algo se move”. Como a Terra de Galileu, algo se movia. Dois dias depois, quase à mesma hora, anunciava-se no site Guimarães Digital:

A reparação do relógio da torre da Basílica de S. Pedro, no Largo do Toural, começou esta manhã.

Afinal, como o irrevogável do outro, o irreparável do senhor vereador do Urbanismo de Guimarães pode não significar o que vem nos dicionários. É irreparável mas… pode ter reparação.
Ao início da noite do mesmo dia 14 de Setembro, o mesmo órgão de comunicação dava conta dos resultados dos trabalhos desse dia na torre de S. Pedro:

Três dos quatro mostradores da torre da Basílica de S. Pedro, no Largo do Toural, já estão reparados. A reparação ficou concluída às 20h45 desta sexta-feira. Falta proceder à reparação do quarto mostrador que será mais complexa já que terá de ser feita pelo exterior e, por isso, exige o recurso a uma grua.

E, a seguir, transcrevia partes de um comunicado da Irmandade de S. Pedro, onde se dizia (cito o texto que foi publicado pela agência Lusa, por ser mais completo):

"desde 25 de julho de 1938 que o relógio, ícone da praça de Toural e da cidade de Guimarães, foi colocado na Torre da Basílica de São Pedro", sendo a sua conservação e manutenção "da responsabilidade da Câmara Municipal".
[...]
"sem as medidas de segurança exigidas por lei, mas em nome da preservação de um ícone da cidade de Guimarães"
[...]
Em comunicado, a Irmandade do Príncipe dos Apóstolos São Pedro informa que a "conservação e manutenção é da responsabilidade da Câmara Municipal de Guimarães".

Posto isto, temos a concluir que, ao contrário do que se disse, a avaria do relógio, afinal, não era irreparável e que não era a ausência de condições de segurança que impedia a sua reparação.
Acresce ainda que, ao invés do que parece querer fazer-se entender, o relógio que está a funcionar no Toural não é o que lá foi instalado em 1938 pela Câmara. Foi instalado em 2002 pela Irmandade de S. Pedro, à revelia da Câmara, proprietária do relógio de inestimável valor patrimonial que lá estava funcionar há mais de seis décadas. 
A Câmara não tem qualquer responsabilidade com a conservação e manutenção do computador que a Irmandade colocou na torre de S. Pedro. Aquele não é o mecanismo original do relógio-carrilhão inventado pelo senhor Cousinha, mas sim um dispositivo digital. Assim sendo, não se percebem as declarações do vereador que terá dito que “a Câmara Municipal de Guimarães subsidiou a Irmandade de S. Pedro para a compra de um novo mecanismo (digital)”. Perante tantas afirmações definitivas que depois são desmentidas pelos factos, uma pergunta se impõe: será que subsidiou mesmo?
Aguardam-se esclarecimentos.

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