A igreja da Oliveira numa gravura de 1861. Repare-se na torre onde funcionava o relógio, ainda sem mostrador. |
A
história dos relógios de torre é um tanto obscura. Terão surgido
perto do início do século XIV, sendo então muito raros. Na segunda
metade daquele século, já se faziam ouvir em algumas grandes cidades
europeias. Eram, no essencial, mecanismos sonoros com automatismos
construídos com rodas de ferro forjado, martelos e sinos, cujos
movimentos mecânicos eram accionados por sistemas de
pesos.
O
mais antigo e, durante séculos, único relógio de torre de
Guimarães, é o da praça da Oliveira, que a Câmara instalou na
torre da igreja. Ao contrário dos relógios modernos, não tinha
mostrador, apenas dando as horas através dos toques do sino. Não
tenho informação precisa sobre a data da colocação do relógio na torre da igreja
da Colegiada. Mas é certo que no início de 1424 já lá estava há
tempo suficiente para necessitar de reparação. O que nos leva a
supor que poderia ter sido montado em data próxima da conclusão
das obras da reconstrução da igreja de Santa Maria de Guimarães
ordenadas por D. João I depois de Aljubarrota, o que o colocaria na
viragem do século XIV para o século XV, que é como quem diz, quase
na pré-história dos relógios de torre mecânicos.
Por
um documento datada de 18 de Fevereiro de 1424, ficamos a saber que o
relógio terá sido montado quando era prior de Guimarães Mestre
Afonso, aliás Afonso Martins, de quem pouco sabemos, para além das
referências que nos permitem situar o seu priorado entre 1408 e
1419.
Aquele
documento, encontrou-o João Lopes de Faria no Arquivo da Colegiada e
tem por título instrumento sobre o relógio desta igreja.
Trata dos gastos com uma reparação do relógio da dita vila
[de Guimarães] que era desconcertado e não tangia. A
reparação seria muito dispendiosa e a Câmara não teria dinheiro
suficiente para a arcar com os custos sem ajuda do prior e cónegos
e de todos os outros moradores da dita vila assim eclesiásticos como
seculares, isentos e não não isentos. O cónegos
apresentaram-se na Câmara onde, na presença das autoridades locais
e dos representantes do rei no concelho, fizeram questão de que
ficasse por escrito que cada um deles, singularmente, não se
queria escusar a contribuir para a reparação do relógio, na mesma
medida em que contribuiriam todos os outros vassalos e isentos,
embora a tal não estivessem obrigados. Segundo este documento,
ficamos a saber que, quando o relógio foi instalado, os cónegos
aceitaram participar no custeio da despesa de aquisição e
instalação do mecanismo, com a condição que daí em diante não
fossem mais teúdos nem requeridos ao corregimento e carrego do dito
relógio, privilégio de que não pretendiam prescindir, embora
aceitassem, por uma vez, abrir uma excepção.
Deste
documento também ficamos a saber que, desde o início, o relógio da
torre da Oliveira era de propriedade municipal e que a sua aquisição
e instalação tinha sido muito dispendiosa, assim como o seria a sua
manutenção.
Por
qualquer razão que ignoramos, a torre da Colegiada foi demolida, não
se sabe bem quando (o padre Torcato Peixoto de Azevedo diz que foi em
1515, o que é um erro manifesto, porque naquele ano a nova torre já
estava ao alto). Terá sido mandada erguer de novo pelo prior D.
Diogo Pinheiro, que viria a ser bispo do Funchal, embora se diga que
o iniciador da obra teria sido o seu pai, Pedro Esteves.
A
nova torre implicou a colocação de um novo relógio. Um
alvará de D. Manuel I, com a data de de 27 de Agosto de 1516,
autorizou os juízes, homens bons e oficiais da vila de Guimarães a
lançarem, por um ano, a imposição
de 1 real em cada arrátel de carne e pescado e em cada quartilho de
azeite,
para satisfazer necessidades prementes do concelho, entre as quais a
aquisição de um
relógio, com todos os seus aparelhos, feito de novo por se desfazer
a torre em que estava e se fazer outra de novo.
O
relógio de
Guimarães tinha
tal fama que, num contrato do último quartel do século XVI, citado
por A. L. de Carvalho, em que a Câmara de Mogadouro adjudicou a
construção de um relógio, ficou
registado que os
seus mecanismos deveriam ser tão
bons, tão fortes e conformes, como os de N. Senhora da Oliveira da
vila de Guimarães.
O
relógio da
torre da Oliveira foi,
durante vários séculos, um dos principais sorvedouros das receitas
municipais. Num
dos últimos dias de Dezembro de 1600 a Câmara de Guimarães
obrigou-se a pagar, até ao dia de S. João do ano seguinte, a Bartolomeu
Sumariva,
mestre
de artilharia e sinos, italiano estante nesta vila,
a importância de quarenta mil réis pelo trabalho e pelo metal
empregues para de fazer
de novo o
relógio da vila. Nos anos que se irão
seguir,
uma das verbas mais significativas do orçamento da Câmara era a
que se destinava ao
mestre relojoeiro, que tinha a missão de regular, conservar e
consertar o relógio da vila.
No
dia 26 de Junho de 1744, foi colocado na torre da Colegiada o sino do
relógio que ainda hoje lá está e
que, além de
dar as horas, também funcionava como sino
de correr,
substituindo o sino do Castelo na indicação da hora de se cerrarem
as portas que circundavam a muralha da vila, 9 ou 10 da noite,
consoante se estivesse no Inverno ou no Verão. Os seus repiques
também se faziam escutar em ocasiões festivas.
Feito
para contar o tempo, o relógio da torre sofria com a passagem dos
anos e a fúria dos elementos. No dia 21 de Fevereiro de 1843, a
torre foi atingida por um raio que, entre outros estragos, deitou
abaixo o martelo do relógio. Com o passar do tempo, as queixas dos
vimaranenses a
propósito das inconstâncias do
funcionamento do seu relógio iam-se repetindo, como se percebe por
uma
notícia do jornal A
Tesoura
de Guimarães,
de 17 de Março de 1857.
— Relógio.— A
falta do relógio do município, que muita gente tem sentido, está
a terminar pelas diligencias do zelozo, e activo vereador o ilmo. sr.
dr. Salazar; ignoramos contudo se este bem será de duração, porque
ainda ignoramos se o zelo da ilustre Câmara pelos bens do município
foi, ou deixou de ser conforme com os seus reais interesses. Temos
ouvido dizer, que o relógio está tão velho, que não admite
concerto durável. O ilustre vereador, que repelidas vezes o foi
examinar acompanhado de peritos, não se enganaria com muita
facilidade; se porém este conserto não produzir efeito, deixemo-nos
de remendos: o futuro conserto seja um novo.
Os
remédios que foram aplicados ao relógio na sequência da
intervenção do Dr. Rodrigo Salazar, ilustre vereador municipal, não terão sido suficientes
para o salvar. Logo chegaria o tempo de ponderar a aquisição de um
novo relógio municipal.
[continua]
0 Comentários