Monumento a Ferreira da Castro nas Caldas das Taipas. Fotografia do Reflexo Digital. |
O cavalheiro que todos os anos, e ao longo da década de sessenta, ocupava a mesa ao fundo do comedor do Hotel das Termas, o único das Caldas das Taipas, oferecia aos respectivos hóspedes uma identidade que sem dúvida os honrava. Quem não o reconhecesse poderia tomá-lo por um despachante da alfândega na reforma, e se se desse o caso de lhe ouvir o sotaque aqui e além abrasileirado, por um derradeiro representante da raça dos torna-viagem que Camilo Castelo Branco caricaturara. Mas naquele estabelecimento, obsoleto já por essa época, e maioritariamente frequentado por casais idosos, e por solteironas em fim de carreira, o festejadíssimo Ferreira de Castro constituía uma presença indispensável.
O
que vai acima é o primeiro parágrafo de uma crónica do escritor
Mário Cláudio (“O escritório de Ferreira de Castro”, texto publicado no Diário de
Notícias em Setembro de 2015),
onde recorda o escritor de A Selva, que vivia a maior parte do seu
tempo em estabelecimentos hoteleiros, frequentando, desde a década
de 1950, o Hotel das Termas, nas Caldas das Taipas, onde seria
homenageado em 1971.
Em
1963, teve um gesto raro. Escreveu um texto para ser publicado no
jornal Notícias
de Guimarães,
cumprindo uma promessa
que fizera no ano anterior ao correspondente daquele
periódico nas Taipas, que assinava C. e que o investigador António
José Oliveira identifica como sendo o seu avô, António Oliveira.
Naquele ano, o escritor esteve nas Taipas dois meses. Partiu no final
do Verão, a 20 de Setembro. Na sua edição do dia 29 daquele mês,
a primeira página do Notícias de Guimarães trazia o texto de
Ferreira de Castro, com o título A Terra onde a Lua fala. Passam hoje 55
anos, como há pouco me mostrou o meu amigo Nuno Saaavedra, na
página do Facebook Caldas
das Taipas -
Espólio Fotográfico.
Aqui
fica.
Recorte da primeira página do Notícias de Guimarães de 29 de Setembro de 1963. |
A
terra onde a Lua Fala
Com
o rosto de Vila e corpo de Aldeia, Caldas das Taipas ostenta todas as
louçanias do Minho. A quinhentos metros da via nacional, que a liga
ao Mundo, termina o urbanismo: as duas avenidas transformam-se em
estradas, as estradas ramificam-se em caminhos. E é lá que a
natureza minhota, de milharais empenachados, choupos e salgueiros
onde se abraçam as vides, esplende em toda a sua beleza. Beleza
humilde, íntima, discreta, propícia, como poucas, para os diálogos
com o silêncio ou com os arquipélagos de sombras e claridade que se
formam nos recantos do mundo vegetal. Alguns dos milharais, longos e
estreitos, correndo entre as sebes de árvores, que tantas vezes se
unem em cima, sugerem verdes naves, enquanto as videiras se estendem
de tronco a tronco, como grinaldas. Cantam regatos ao lado dos
nossos pés, cantam aves nas franjas
mais altaneiras, cantam insectos em seus refúgios secretos, enchendo
permanentemente a terra dum vasto ritmo sinfónico. E uma suave
poesia, dessas que despertam sentimentos eternos, domina tudo. Ela
irá sempre connosco até às
margens líricas do Ave, que é, com a sua indolente curva, o diadema
azul das Taipas. As pontes romanas, quase ao rés da água, dir-se-ão
entablamentos
de velhos templos submersos; o arvoredo romântico fala de amor e
certamente não há lua mais sugestiva e bela do que esta, que ao
espelhar-se no rio parece dizer-nos, baixinho, muito baixinho, como
se nos prometesse uma doce aventura dos sentidos:
–
Não
partas! Fica e sonha... Eu voltarei amanhã...
Ferreira
de Castro
[Notícias
de Guimarães,
29 de Setembro de 1963]
1 Comentários