É
frequente, quando procuro algo na internet, deparar-me com
materiais que não me são estranhos e que, vendo com mais atenção,
até me são muito familiares, porque fui eu que os escrevi e alguém
deles usou (e abusou, publicando-os como obra sua, sem sequer citar a
fonte). Ainda há pouco, um amigo meu brandoniano, investigador que se tem
dedicado a campanhas
arqueológicas em papéis velhos e frágeis,
a partir das quais tem
dado um contributo fundamental para o conhecimento da obra e da
personalidade de Raul
Brandão, me alertava para o facto de terem sido lançados
recentemente dois livros sobre a presença de Raul Brandão em
Guimarães que bebiam materiais das suas publicações e destas
minhas Memórias de Araduca, sem sequer se darem à urbanidade de
identificarem as fontes de que se alimentaram. Pela parte que me
toca, limitei-me a encolher os ombros. Já estou habituado. E, como
os autores nem sequer tiveram a gentileza de me oferecerem um
exemplar das obras para as quais terei contribuído sem o saber e que não
faço tenção de comprar, por aqui me fico, porque
tenho mais que fazer.
Aparentemente,
não falta por aí quem entenda que o que está na internet
é de todos, não se lhe aplicando as disposições que regulam a
propriedade intelectual e os direitos de autor. E
casos há em que a coisa é tão inocente
que já houve quem me consultasse
para saber a
minha opinião sobre textos montados
com materiais que pescaram à linha neste blogue, colados com cuspo e
sem indicação da fonte.
Vai
daí, quando me deparo com situações destas, em vez de vociferar,
como seria natural, limito-me a sorrir
e a seguir em frente.
Porém,
o caso que agora aqui me traz merece ser contado.
Há
dias, quando o meu prestimoso amigo Nuno Saavedra soube que eu andava
às voltas com um pormenor obscuro
da biografia do arqueólogo
Albano Belino, deu-me a conhecer um texto publicado num blogue de
Eloy Martínez Lanzas, de la Real Academia de Bellas Artes de
Granada, dedicado a Luis Vermell (1814-1890), pintor, escultor e
miniaturista de retratos, que em 1870 viveu em Braga, tendo visitado
o castelo de Guimarães, onde deixou a sua “assinatura”, e a
Citânia de Briteiros. Ao ler tal texto, logo percebi que o seu autor
tinha andado à pesca nas Memórias de Araduca, esquecendo-se de
creditar as informações que
aqui colheu. Nada
de novo, portanto, não fosse uma bizarria deliciosa.
Depois
da sua passagem pela Citânia de Briteiros, Vermell deixou um relato
da sua visita, um texto muito interessante, especialmente por ter
sido escrito quatro anos antes de Francisco Martins Sarmento ter
iniciado as suas prospecções sistemáticas naquele
sítio arqueológico.
Foi publicado no jornal vimaranense Fraternidade,
na sua edição de 22 de Março de 1870. Republiquei-o
neste blogue no final
de Julho de 2013, depois de o
traduzir, já que a publicação original saiu em castelhano. Este texto aparece, em
versão castelhana, no
blogue colecciondeminiaturas.blogspot.com,
numa
publicação datada
de 9 de Maio de 2017, com a indicação de que
o
original da
Fraternidade
era
acompanhado por
um
desenho da Pedra Formosa, de Vermell,
informação
que
não corresponde à verdade: não
há nenhum desenho da Pedra Formosa na Fraternidade
de 22 de Março de 1870, o que revela que quem tal
diz
nunca
pôs os olhos naquele jornal.
Mas
o mais interessante é que o texto que o membro da Real
Academia de Bellas Artes de Granada publicou
é muito diferente do original de Luis Vermell. E a explicação das incontáveis disparidades que saltam aos olhos de quem compara as duas versões resulta de ser uma retroversão
da minha tradução do texto original. Explicando melhor: em 1870, a
Fraternidade publicou
o texto original em castelhano, em 2013, eu traduzi-o para português, e o que
foi publicado em 2017 foi uma tradução da minha tradução.
Comparemos um
excerto das três
versões:
Versão
1 (texto original de Luis Vermell, do jornal a Fraternidade de 22 de
Março de 1880):
Algun
historiador que he leido, dice que estas ruinas son de ciudad, y que
Santiago predicó en ella y de dejó á San Torcuato por obispo:
conjeturo que nunca fueron de poblacion, pues ni rastro de téjas
planas ni semicirculares, ni fragmentos arquitectónicos se ven; lo
que veo es una ancha calzada por la que he subido, y, en cada lado de
donde ahora acaba, la raquítica base de dos torres circulares, del
mismo tamaño de mas de 18 que por aqui he descubierto entre gran
pedregal aun bastante de labrado, apesar de llevarselo: algunas estan
juntas de dos en dos, y son constuidas de piedras irregulares unidas
com tierra: de una todavia ecsiste parte inferior de su puerta de
cara al Este [...]
Versão
2 (texto traduzido para
português, publicado nas Memórias de Araducaem 29 de Julho de 2013):
Um
historiador que eu li diz que estas ruínas são de cidade, e que S.
Tiago pregou nela e lhe deixou S. Torcato como Bispo. Eu acho que
nunca foram de povoação, pois que nem rasto de telhas planas, nem
semicirculares ou fragmentos arquitectónicos se vêem; o que vejo é
uma ampla calçada, pela qual subi, e, de cada lado do ponto onde
agora termina, a base circular raquítica de duas torres, do mesmo
tamanho de mais de 18 que eu descobri, ainda entre muita pedraria
lavrada, apesar de a levarem. Algumas estão juntas aos pares e são
construídas de pedras irregulares ligadas com terra. Não obstante,
de uma ainda existe a parte inferior da sua porta voltada para o
Este.
Versão
3 (o
“mesmo” texto, publicado no
blogue colecciondeminiaturas.blogspot.com, em 9 de Maio de 2017):
Un
historiador que he leído, dice que son las ruinas de una antigua
ciudad, que fundó el apóstol Santiago y que dejó San Torcato como
obispo. En mi opinión creo que nunca fue una ciudad, ya que no hay
rastros de tejados semicirculares, ni se ven fragmentos
arquitectónicos; lo que vi fue una amplia calzada por la que subí,
descubriendo al final a cada lado, las bases circulares de dos
raquíticas torres, hechas con más de 18 piedras labradas del mismo
tamaño, entre otras muchas por allí esparcidas. Algunas aparecen
juntas, de dos en dos, construidas con piedras irregulares ligadas
con tierra. Sin embargo, todavía se conserva la parte inferior de
una puerta orientada hacia el este.
Como
diria o outro, não havia necessidade... de pôr na pena de Luis Vermell aquilo que ele nunca escreveu, o que era simples de evitar. Bastava contactar o autor das Memórias de Araduca (o formulário de contacto está no menu do cabeçalho) que ele teria todo o prazer em pôr à disposição uma cópia do texto original de 1870.
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