Memórias Paroquiais de 1758: São Jorge de Selho



Em S. Jorge de Selho, Martins Sarmento encontrou um machado de pedra que esteve ao serviço de um papagaio:
Machado de pedra, encontrada na casa da Quinta, propriedade dos Simães, defronte da igreja de S. Jorge de Selho, e hoje arrendada por um facultativo. Servia de pedra de aguçar o bico a um papagaio. Metendo-a no fogo, para ver se retirava a gordura que a incrustava, o padre Augusto, que foi quem a obteve do seu possuidor, viu que ela estalou na direcção longitudinal. Rachou, mas não se separaram as duas partes.O mesmo padre Augusto insiste que no Paraíso há mais que um machado, a cujo sítio irá direito, logo que possa.
Na descrição que faz da sua igreja, o pároco de 1758 refere a imagem de Santa Anastácia, e conta parte da sua história. Terá sido encontrada no Monte da Santa, que lhe deve o nome, de onde foi conduzida para a igreja do Paraíso (que então era freguesia autónoma), de onde fugiu, voltando para o monte onde foi achada. Seria então levada para a igreja de S. Jorge de Selho, onde foi colocada num alterar. Não consta que tivesse voltada a fugir.

São Jorge de Selho
Dando comprimento a uma ordem deambulatória mandada por ordem de Sua Excelência o senhor D. Frei Aleixo de Miranda Henriques, Bispo eleito de Miranda e Governador da Corte e Arcebispado de Braga Primaz e assinada pelo Muito Reverendo Senhor Doutor Provisor da mesma cidade, com um interrogatório impresso, enviado por ordem de Sua Majestade Fidelíssima, que Deus guarde, para que se desse conta das coisas notáveis desta terra.
Esta freguesia se intitula São Jorge de Cima de Selho, é vigairaria e é da apresentação in solidum da mesa Capitular da Santa Sé Catedral da cidade de Braga. É colada e de renúncia, e a mesma mesa é que arrenda os dízimos desta freguesia, por ser o mesmo Cabido padroeiro desta igreja, e anda ao presente arrendada em cento e oitenta mil réis.
Vizinha esta freguesia, da parte do Nascente, com a freguesia de São Martinho de Candoso e, entre o Norte e Nascente, com a de Santa Maria de Silvares e, da parte do Norte, com a de São Miguel do Paraíso e, da parte do Poente, com a de São João Baptista de Gondar e, da parte do Sul, com a de S. Cristóvão de Cima do Selho. Todas são vigairarias excepto, S. João Baptista de Gondar, que é abadia e do Padroado.
Tem esta freguesia vinte e nove lugares cujos nomes são os seguintes: Portela, Barreiros, Quintãs, Devesa Longa, Pena Amarela, Pevidemis, Ribeiro do Bairro, Vendas, Ponte da Mansa, Agueiros, Vinhas, Moinhos dos Sumes, Devesinha, Crasto, Bouças, Burgo de Cima, Burgo de Baixo, Ponta do Campo, Cabreira, Casa Nova, Leiras, Cruz, Bairros, Arrabalde, Belmenso, Gomes, Peixoto, Soalheira, Quinta. E são os moradores neles trezentos e oitenta, em cujo número entram também os menores.
A igreja paroquial desta freguesia é de uma só nave e capela maior. Tem três altares, o altar-mor e dois colaterais, os quais ainda não têm retábulos, nem santos, por se fazer agora a dita igreja de novo a fundamentis, isto por ser a velha muito pequena e não haver nela o povo que hoje há nesta freguesia e, juntamente, porque estava ameaçando ruína. Há nela a irmandade de Nossa Senhora do Rosário e tem o Santíssimo Sacramento, por modo de viático, e estão os moradores desta freguesia obrigados ao culto e conservação dele.
As imagens que havia na dita igreja se hão-de pôr na nova. São uma imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo Crucificado, duas de Nossa Senhora do Rosário, uma maior, outra mais pequena, e uma de Nossa Senhora da Conceição, S. Jorge padroeiro, um Menino Jesus e uma de Santa Anastácia e outra de São Bento e todas são incorporadas. Há mais outras de tintas, por modo de painéis, que são São Pedro e São Paulo, no altar-mor, e, num dos retábulos dos colaterais, Santo António e São Francisco. Também há São Sebastião Mártir incorporado.
Está esta igreja quase no meio da freguesia, sendo que, para as partes do Nascente, Sul e Poente fica mais povo do que para a parte do Norte. Está situada num terreiro não muito largo, por estar entre a residência em que vive o pároco dela e as casas de uma quinta, que chamam do Assento, de que é direito senhor o Cabido de Braga e hoje a possui o reverendo Bento Bernardes de Meneses Barreto, por compra que dela fez. Tem casas grandes, todas boa pedraria, e se avistam de partes remotas, por ficarem altas, e, pelo dito dos antigos, narra-se que foram fabricadas por um homem das ilhas, que nelas viveu e foi senhor da dita quinta.
Nos limites desta freguesia há uma capela de São João Baptista, a qual está numa quinta que chamam Portela, que possui o morgado Francisco de Meneses Bernardes Cardoso, o qual a fabrica, como particular sua, que é. E está pública e serviu de paróquia, enquanto se fez a nova igreja.
Os frutos que os moradores desta terra colhem são centeio, milho-alvo, milhão, painço e feijão e algum pouco trigo. É esta freguesia plana, poucas águas e nenhuma de virtude, nem nome particular. Tem muito povo, mas pouco abundantes de bens, porquanto a maior parte são oficiais que vivem por seus ofícios. E, suposto hajam algumas fazendas, as mais delas estão em mãos de caseiros que as fabricam.
Esta freguesia é do termo da vila de Guimarães, que fica distante três quartos de légua e do correio da dita vila se servem os moradores desta terra.
Dista esta terra da cidade de Braga, Arcebispado capital e Primaz, três léguas e da cidade de Lisboa, capital do Reino, sessenta e quatro.
Pelos confins desta freguesia corre um rio, a que chamam o Selho, o qual tem o seu princípio na freguesia de São Torcato, a qual fica distante desta légua e meia. É pequeno, corre do Nascente a Poente, sendo que faz muitas voltas e, no tempo do Estio, ainda mais diminuto é, que tem havido anos em que, no dito tempo, em alguns sítios dele se não viu gota de água. E, nas partes que limita com esta freguesia, tem moinhos e levadas para eles. Numa delas houve algum dia pisão, porém hoje não se usa dele, e, no tempo de Verão, não podem os ditos moinhos moer, por falta de água, só se o ano é muito chuvoso.
O sobredito rio serve de limite entre esta freguesia para a parte do Sul com a de São Cristóvão de Cima de Selho e tem um sítio entre uma e outra freguesia, a que chamam os Sumes, cujo nome recebe porquanto se some a água por baixo de pedras, em termos que não se vê nada dela e só se ouve soar, distância de vinte passos, parum minus est*. E este mesmo sítio serve de passagem para uma e outra parte, de pé e de cavalo, em todo o tempo, excepto se há alguma inundação muito grande.
Os peixes que nele se criam são bogas, escalos e algumas trutas e enguias. Os curiosos que os casam é com anzol, chumbeiras e alvitanas e, no tempo da seca, os rapazes com troviscados que matam grandes e pequenos.
Para a parte do Norte, fica um monte não muito grande, porém no meio muito bem subido e agudo, com muita abundância de penedos, fica entre os confins desta freguesia e a de São Miguel do Paraíso, intitula-se o monte da Santa, porquanto dizem os antigos que nele se achou uma imagem de Santa Anastácia, cuja imagem ainda hoje se conserva nesta igreja. E também dizem se achou, no mesmo sítio, um sino que serviu nesta igreja e que tinha vozes muito suaves, porém já nenhum dos que hoje são vivos se lembra dele. Criam-se neste dito monte alguns coelhos e se encontram algumas vezes perdizes. Alguns curiosos fazem suas caçadas com cães e espingardas, em qualquer tempo do ano.
Os lavradores desta terra usam de criação de gados, como são bois, vacas e ovelhas, sendo que, destes, muito poucos, por serem os pastos limitados.
O temperamento desta terra: no tempo do Inverno são os ares bastantemente frios e se vêem muitas geadas pelas terras, porém muito bem próspera no viver dos homens.
Esta terra é plana, porém como numa covada, porquanto da parte do Sul fica um monte alto, e nele se avista uma capela que é da Senhora do Monte, que pertence à freguesia de Santa Cristina de Serzedelo, e, para a parte do Nascente, com ter alguns altos se avistam parte de algumas torres da vila de Guimarães e alguma parte de alguns conventos, como é o de S. Francisco, e também se vê o convento de São Jerónimo, da Costa.
Estas são as coisas notáveis de que posso fazer menção desta limitada freguesia, o que tudo vai na verdade, e em fé dela me assino, com os reverendos párocos abaixo assinados. Hoje, 20 de Maio de 1758 anos em S. Jorge de Cima de Selho.
O vigário João da Cunha e Freitas.
O vigário de S. Cristóvão de Cima de Selho, Bento Fernandes. O vigário de S. Miguel do Paraíso, Pedro Ribeiro Bernardes.

*Parum minus est: um pouco menos.

Selho, S. Jorge de”, Dicionário Geográfico de Portugal (Memórias Paroquiais), Arquivo Nacional-Torre do Tombo, Vol. 11, n.º 329, p. 2245 a 2248.
[A seguir: Paraíso]

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