Na
memória de Ronfe de 1758, o reitor João do Couto Ribeiro faz uma
demonstração de conhecimentos alternativos, nomeadamente no
tocante à biologia aquática. Escreve ele, a dado passo, falando do
rio Ave, que separa a sua freguesia da do Paraíso:
Cria bastantes peixes. Em maior abundância, neste tempo, são bogas, barbos, alguns escalos, poucas enguias e menos trutas. Se neste mês de Maio há enchentes grandes, sobem lampreias e sáveis. Já vi uma besta que levava uma pipa de vinho cheia de lampreias caçadas à fisga e se levaram a vender a Guimarães. Há poucos anos se caçaram, de uma chumbeirada, dezoito sáveis. Tenho observado que os barbos se vão ao mar fazer sáveis e tornam a morrer à água doce e o mesmo as lampreias e as enguias, a congros. E neste rio vi caçar dois de oito palmos cada um e as trutas se vão fazer …. [palavra ilegível] ao mar e tornam, principalmente ao rio Minho, salmões.
Ronfe
foi couto (com Vermil) e teve uma feira de gado.
Ronfe
Freguesia
de Santiago de Ronfe.
É da
Província de Entre-Douro-e-Minho, Arcebispado de Braga Primaz,
comarca de Guimarães.
É couto,
de que é senhor donatário, ao presente, o Conde de Castelo Melhor,
ainda que a justiça escreva em nome de el-rei nosso senhor, que Deus
guarde.
Tem cento
e noventa e quatro fogos, pessoas de sacramento, ausentes e menores,
setecentas e cinco.
Está
situada a igreja numa planície. Dela se descobre a igreja de São
Mamede de Vermil, São João de Airão, Santa Maria de Airão, Santa
Marinha de Mogege, São João de Gondar, São Miguel do Paraíso,
todas vizinhas dela.
É cabeça
deste termo e couto de Ronfe. Tem os lugares e aldeias seguintes:
Ermida, dois vizinhos, Soutinho, quatro, Casais, três, Couto, três,
Souto oito, Romãos, quatro, Quintela de Baixo um, Quintela de Cima,
cinco, Poça, três, Vinha Velha, dois, Oleiros, oito, Cavada, dois,
Ribadave, dois, Quintãs, um, Arieiro, um, Bessa, dois, Serquinha,
quatro, Cachada, dois, Lourinha, cinco, Serdeira, quatro, Azenha, um,
Barroca, cinco, Cabo de Vila, um, Devesa, três, Catas, três, Olival
quatro, Pedroso, três, Terça de Baixo de Além, quatro, Fonte do
Francisco, seis, Venda da Ladra, um, Bouça um, Chozende, três,
Bica, dois, Dentro, um, Sobrado, um, Ermígio, um, Costeira, um,
Outeiro, dois, Monte, onze, Cancela, um, Barze, cinco, São Miguel,
um, Gremil, três, Mourisco, três, Cruz, quatro, Além, cinco,
Covelo, quatro, Repiade, quatro, Requeixo, nove, Casa Nova, três,
Gemunde, dois, Mesão Frio, sete, Ouca, cinco, Igreja, dez.
Compreende
este couto a freguesia de São Mamede de Vermil, parte da de Mogege e
dois lugares de São João de Brito, cujas informações dos
reverendos párocos declararão vizinhos e pessoas que pertencem a
este couto.
A
paróquia está situada no meio da freguesia, cujo orago é Santiago
Maior. Tem três altares. O maior, de Santiago, em que é colocado o
Santíssimo Sacramento. O da parte direita, de Nossa Senhora do
Rosário. em confraria. E o da parte esquerda, das Almas. Tem
irmandade de muitos irmãos. Tem uma só nave.
É
reitoria da Ordem de Cristo, da colação ordinária. Renderá cem
mil réis, pouco mais ou menos. Não tem beneficiados.
Tem,
dentro dos limites da freguesia, quatro capelas. Uma da Senhora da
Abadia, pertencente a Manuel Cardoso da Silva, onde alguma gente vem
de romagem, dia da Senhora. Outra, de São Miguel, pertencente a
Bento Leitão de Almeida. Outra, da Senhora da Graça, pertencente à
freguesia, onde acode algumas pessoas dia da Senhora das Neves.
Outra, de Santo António, em cujo dia concorre bastante gente, dia de
São Bento e de Santo Amaro da freguesia.
Os frutos
em maior abundância são milhão e vinho verde, algum centeio e
milho alvo e pouco trigo e feijão.
Tem juiz
ordinário, dois vereadores e procurador, de que esta freguesia é a
cabeça. Há na freguesia uma feira, chamada da Farrapa, que se faz
aos domingos de tarde; está quase extinguida, por muita sisa.
Serve-se
do correio de Guimarães, que chega ao domingo e parte à
sexta-feira, e dista um légua, e à cidade de Braga, capital deste
Arcebispado, duas léguas e meia, e, à de Lisboa, capital deste
Reino, sessenta.
Tem esta
freguesia quatro privilégios das Tábuas Vermelhas da Senhora da
Oliveira da vila de Guimarães.
Não
padeceu detrimento algum com o terramoto de 1755, mais que o susto.
Não há
serra alguma. Medeia entre esta freguesia e de Joane um limitado
monte, chamado de Albarda, que corre de Norte a Sul, carregando para
o Poente. Principia na freguesia de São Mamede e finda na de Mogege.
Terá, de comprido, meio quarto de légua e metade de largo. É
cercado de bouças de mato e terra lavradia, celebrado porque nunca
nele ou nas ditas bouças se procurou lebre que se não achasse. Eu
já vi três juntas a comerem um burro morto.
Medeia
esta freguesia e a de São Miguel do Paraíso o rio de Ave, hoje bem
nomeado por passar ao redor da Senhora do Porto. Dizem que tem
princípio na fonte de Ave, da freguesia de Salto, numa penha e assim
corre, de Nascente a Poente, sempre em curso arrebatado, até se
meter no mar, em Vila do Conde, com o mesmo nome. Não é navegável
por ter muitas levadas para moerem azenhas.
Tenho
observado que entra nele a fonte de Pedralva, na freguesia de São
Cláudio, e o envenena de tal sorte que o vinho que se cria à beira
dele é muito verde. E não se cria à beira dele fruta de espinho,
nem caroço, no espaço de duas léguas, até entrar nele o rio de
Pombeiro, em São Miguel das Aves, e, daí para baixo, o torna a
serenar, que o vinho é melhor e se torna a criar a dita fruta, como
em Santo Tirso e outras freguesias.
Cria
bastantes peixes. Em maior abundância, neste tempo, são bogas,
barbos, alguns escalos, poucas enguias e menos trutas. Se neste mês
de Maio há enchentes grandes, sobem lampreias e sáveis. Já vi uma
besta que levava uma pipa de vinho cheia de lampreias caçadas à
fisga e se levaram a vender a Guimarães. Há poucos anos se caçaram,
de uma chumbeirada, dezoito sáveis. Tenho observado que os barbos se
vão ao mar fazer sáveis e tornam a morrer à água doce e o mesmo
as lampreias e as enguias, a congros. E neste rio vi caçar dois de
oito palmos cada um e as trutas se vão fazer ….
[palavra
ilegível]
ao
mar e tornam, principalmente ao rio Minho, salmões. As suas margens,
em partes, se cultivam e dão pão e vinho em outras mato e penices.
Tem no
distrito desta freguesia nove moinhos que só moem no Verão, cinco
azenhas que moem todo ano. Uma delas está alagada. Com enchente,
estas moem muito pão e concorre a elas muita gente de légua e duas
e mais de distância, principalmente no Verão. E, havendo grandes
enchentes, também pejam a se remediarem os moradores com moinhos que
têm pelos campos, que alguns, passada a enchente, não tem água
alguma.
Não acho
coisa notável nesta freguesia de que possa mais dar informação e
peço se junte esta em caderno com o que der o padre pároco de São
Mamede, por ser deste couto, e o de Mogege e Brito, por ser parte
delas também do dito couto. E assinou esta o reverendo António José
Marques de Araújo e o reverendo Domingos Marques da Silva, um
vigário de São Mamede e outro reitor de Brito. Hoje, de Maio 23
dias de 1758. Aos mais interrogatórios, não tenho que responder.
João do
Couto Ribeiro.
Domingos
Marques da Silva.
O
vigário, António José Marques de Araújo.
“Ronfe”,
Dicionário Geográfico de Portugal
(Memórias Paroquiais), Arquivo Nacional-Torre do Tombo,
Vol. 11, n.º
155, p. 949 a 952.
[A
seguir: Gondar]
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