Memórias Paroquiais de 1758: Caldelas

Monumento conhecido como Ara de Trajano (ou de Nerva). À direita, o edifício dos Banhos Velhos)

Em Caldelas, havia o lugar da Taipa de Cima e o lugar (ou quinta) da Taipa de Baixo. Com o tempo, mais do que Caldelas, passaram a chamar-lhe Caldas das Taipas. O topónimo Caldas, como Caldelas, deriva do latim calidae (águas quentes) por ser terra onde nascem águas com temperaturas elevadas a que os romanos deram uso termal, embora as águas das Taipas, com os seus 30º centígrados, sejam mais mornas do que  cálidas.
Da resposta que o padre de S. Tomé de Caldelas deu ao item 22 do questionário das memórias paroquiais de 1758 (se há na terra, ou perto dela alguma fonte, ou lagoa célebre, e se as suas águas têm alguma especial qualidade?) percebe-se que, por aqueles anos, poucos tirariam proveito das virtudes curativas das águas termais que ali nasciam:
Há nesta freguesia, no lugar da Canhota, em terra de José Gonçalves e de João de Sousa, do lugar do Canto, nascem dois cachões de água que dizem vem de mineral de enxofre, que tem alguma virtude, a dita água, para nela tomar banhos frescos e muitas pessoas se têm achado bem com os ditos banhos. É a dita água, em todo o tempo, tépida.
E, além do mais, em Caldelas passa um rio, o Ave, que, diz o padre,  sic, “vai morrer ao Douro, junto com outros rios”, que “tem em si moinhos, azenhas e lagares de azeite, pisões e algumas noras, para dele tirar água para as terras”, e em cujas águas nadam e se pescam “ peixes, como são barbos, bogas, trutas, poucas, escalos e panchorcas da asa vermelha”.
Para melhor compreensão, recomenda-se acompanhar as respostas do pároco de Caldelas aos interrogatórios de 1758 com a consulta do respectivo questionário, que já publicámos aqui. Note-se que, a partir da pergunta n.º 21 do primeiro conjunto de questões, a resposta usa uma numeração diferente.


Caldelas
Declaração das notícias que contêm os interrogatórios juntos desta freguesia de São Tomé de Caldelas, termo de Guimarães, Arcebispado de Braga.
1. Está sita esta freguesia na Província de Entre-Douro-e-Minho, Arcebispado de Braga, comarca e termo da vila de Guimarães.
2. É terra de el-rei Nosso Senhor, não tem outro donatário.
3. Tem vizinhos, ou fogos, cento e quarenta e três; pessoas, entre menores e de sacramento, tem seiscentas.
4. Está situada numa campina e vale, tudo plano. E dela se descobrem várias povoações e freguesias. Para a parte do Norte, até à freguesia de Santa Cristina de Longos, que distará um quarto de légua; para a parte do Nascente, se descobrem as freguesias de São Cláudio do Barco, Santo Estêvão de Briteiros e o Salvador de Briteiros, distância de outro quarto de légua; para a parte do Poente, as freguesias de São Martinho de Sande e São Clemente de Sande, que distarão meio quarto de légua; e, para a parte do Sul, as freguesias de São João de Ponte e Santa Maria de Corvite, que distarão também um quarto de légua. E todas estas são circunvizinhas.
5. Não tem termo seu, é do termo de Guimarães, como já se disse no primeiro artigo. Tem lugares os seguintes: lugar do Souto, lugar da Baiona, lugar de Pedraído, lugar da Faisca, lugar da Quintã, lugar de Melre, lugar da Bemposta, lugar da Rabata, lugar da Bouça, lugar dos Campos, lugar do Azemel, lugar de Surrego, lugar de Carapitas, lugar do Penedo, lugar da Lama, lugar de Bouçós, lugar do Largatal, lugar do Pinhel, lugar da Charneca, lugar da Lameira, lugar do Rabelo, lugar das Caldas, lugar da Canhota, lugar do Canto, lugar do Ferreiro, lugar do Piário, lugar da Taipa de cima, lugar da Venda, lugar da Bouça do Rio, lugar da Taipa de Baixo, lugar de Além, lugar do Carregal, lugar do Alvite, lugar da Seara, lugar do Bacelo, lugar do Assento.
6. A igreja paroquial está situada no meio da freguesia e consta ter esta freguesia trinta e cinco lugares, que ficam declarados por seus nomes no quinto artigo.
7. O orago desta freguesia é São Tomé. Tem a igreja três altares. O altar-mor, tem imagens de São Tomé, São Gonçalo e uma imagem do Senhor da Agonia e a imagem do Menino Deus. Os dois altares colaterais, um tem a imagem de Nossa Senhora da Purificação e o outro tem a imagem de São Sebastião e São Brás.
Há nesta igreja uma irmandade do Coração de Jesus e não tem nesta igreja mais irmandades.
8. Esta igreja é vigairaria e é apresentada pelo Reverendo Cabido de Guimarães. Poderá render sessenta mil réis.
9. Não há nesta freguesia beneficiado algum.
10. Não há nesta freguesia convento algum, nem de religiosos, nem de religiosas.
11. Não há nesta freguesia hospital algum.
12. Não há também nesta freguesia casa de misericórdia.
13. Tem esta freguesia uma capela de Santo António. Esta tem três altares, num tem a imagem de Santo António e Nossa Senhora da Abadia, os outros dois têm as estampas das Almas. Há nesta capela duas irmandades, uma de sacerdotes e outra de leigos, que têm, em dinheiro a juro, duzentos mil réis. E tem fábrica a dita capela de um cruzado, que paga Jerónimo Marques, do lugar da Taipa de Cima e está sita a dita capela nesta freguesia.
14. Tem romagem no dia treze de Junho, onde vem algum povo de fora, nesse tal dia, por virem à festa que se costuma fazer todos os anos.
15. Os frutos que colhem os moradores, em maior abundância, são milhão e algum milho branco e centeio; porém, destas duas castas de pão, milho branco e centeio, é pouco.
16. Nesta freguesia não há juiz ordinário, nem câmara, mas sim está sujeita às justiças de Guimarães, como são corregedor, provedor, juiz de fora, almotacés, vereadores.
17. Não é couto, nem cabeça de concelho.
18. Nesta freguesia não consta houvesse homens de distinção, nem em letras, nem em armas.
19. Nesta freguesia não há feira de qualidade alguma.
20. Também não há correio. Servem-se do correio de Guimarães e de Braga, que entram no domingo e saem na sexta-feira. E dista desta freguesia a Braga duas léguas e a Guimarães légua e meia.
21. Esta freguesia é do Arcebispado de Braga, e é distância de duas léguas e, da de Lisboa Ocidental, sessenta léguas.
22. Não há nesta freguesia privilégios, só sim das Tábuas Vermelhas de Nossa Senhora de Oliveira, da vila de Guimarães, concedidas por el-rei Nosso Senhor, e são três: João Marques, do lugar do Pinhel, é senhor de um, Manuel Fernandes Branco, de Bouçós, outro e José Gomes Branco, do lugar do Souto, senhor de outro. E não há outra coisa digna de memória.
23. Há nesta freguesia, no lugar da Canhota, em terra de José Gonçalves e de João de Sousa, do lugar do Canto, nascem dois cachões de água que dizem vem de mineral de enxofre, que tem alguma virtude, a dita água, para nela tomar banhos frescos e muitas pessoas se têm achado bem com os ditos banhos. É a dita água, em todo o tempo, tépida.
24. Não há nesta freguesia embarcação alguma, nem sítio para ela, por não haver nesta terra porto de mar.
25. Não há nesta terra muralhas, nem praça de armas, nem menos torre, nem castelo.
26. Não houve nesta freguesia ruína alguma no terramoto de mil e setecentos e cinquenta e cinco.
27. Não sei que houvesse nesta terra ruína alguma no dito terramoto que fosse coisa digna de memória.
*****
1. Não há nesta freguesia serra alguma, só um monte muito plano que, por nome, se chama o Monte Baixo.
2. Terá de comprido meia légua e, de largo, um quarto de légua. Principia no lugar da Canhota, desta mesma freguesia, e acaba no lugar de São Martinho, freguesia de São Cláudio do Barco.
3. Não tem o dito monte outro nome, senão o Monte de Baixo, como acima fica dito no primeiro artigo.
4. Nesta freguesia nasce o ribeiro das Caldas, por ser próprio nome, e corre para a parte do Sul e fenece no rio chamado Ave. Não tem propriedades algumas.
5. Nesta freguesia não há serra, nem vilas.
6. Nesta freguesia não há fontes de propriedades.
7. Não há nesta freguesia minas que constem de metais, nem de cantarias, nem de qualidade alguma.
8. Não tem o monte desta freguesia ervas algumas medicinais, nem se cultiva. Só cria uma fraca carqueja.
9. Não há no dito monte mosteiros, igrejas, nem imagens.
10. A qualidade do dito nem é muito frio, nem muito quente.
11. A criação de gados, são ovelhas. Caça, cria alguns coelhos e poucas lebres.
12. Não tem lagoa alguma, nem fojos.
13. Não há mais coisa digna de memória.
****
1. Ao pé desta freguesia corre um rio chamado o rio Ave. O seu nascimento é ao pé das Caldas do Gerês.
2. O nascimento do rio não é caudaloso. Todo o ano corre. Porém, no tempo do Verão, leva muito pouca água.
3. Neste rio não consta entre nele rio algum, só sim alguns regatos de pouca água, isto de Inverno que, de Verão, não levam água.
4. Não tem o tal navegação alguma, por ser de pouca água.
5. É de curso moderado e quieto em toda a sua distância.
6. Corre do Nascente para o Poente.
7. Cria peixes, como são barbos, bogas, trutas, poucas, escalos e panchorcas da asa vermelha.
8. Todo o ano se caça nela com chumbeiras, mingachos e anzóis e também, de Verão, com varredouras e alvitanas.
9. As pescarias não têm particular, caça nele quem quer.
10. Cria ao pé de si árvores, como são castanheiros, carvalhos, e também conserva algumas laranjeiras.
11. As águas dele são frescas e algumas pessoas, de Verão, tomam nele banhos frescos.
12. Não perdeu, em tempo, algum o seu nome de rio Ave e sempre assim se chamou.
13. Vai morrer ao Douro, junto com outros rios, como são o rio de Pombeiro e o rio de Prado.
14. Não tem cachoeira, nem levadas, nem açudes que lhe impeçam o ser navegável.
15. Tem este rio, que se saiba aqui, três pontes de cantaria como é a ponte de Domingos Terres, cita no concelho de Basto, a ponte de Donim e a ponte de São João, ambas sitas no termo de Guimarães.
16. Tem em si moinhos, azenhas e lagares de azeite, pisões e algumas noras, para dele tirar água para as terras.
17. Não consta que em tempo algum dele se tirasse ouro de suas areias.
18. Usa o povo de sua água livremente para os seus campos, sem foro nem pensão.
19. Tem o tal rio, de onde nasce até ao Douro, onde vai morrer, quinze léguas de comprido. Não passa por povoação alguma.
20. Não sei de outra coisa alguma que seja digna de memória.
E desta sorte houve todos os artigos por declarados de tudo o que sabia e me constou. E me assino com os dois reverendos párocos vizinhos, o reverendo vigário de São Lourenço, Miguel de Abreu Pereira, e o reverendo coadjutor de São Martinho de Sande, o reverendo Manuel de Freitas Vieira. Hoje, dois de Maio de mil e setecentos e cinquenta e oito anos.
O vigário desta igreja de São Tomé de Caldelas, Domingos Fernandes.
O coadjutor Manuel de Freitas Vieira.
O vigário de São Lourenço, Miguel de Abreu Pereira.

Caldelas”, Dicionário Geográfico de Portugal (Memórias Paroquiais), Arquivo Nacional-Torre do Tombo, Vol. 43, n.º p. 259 a 266.


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