A tentativa frustrada de
derrubar o castelo de Guimarães em 1836, de onde se construiu a verdade
alternativa que por aí circula de que foi só por falta de um voto a favor que a demolição não foi avante, não é a única tentativa de que há registo de fazer desaparecer do mapa um dos
mais emblemáticos monumentos portugueses. Alguns anos antes, um tal Custódio
José Sampaio Guimarães tinha requerido ao juiz de fora do concelho que lhe
fosse entregue pretendia “a pedra da torre que se acha colocada no meio do
castelo”. Estava-se em 1829, em pleno período da Usurpação, com as guerras
liberais em pano de fundo. A pretensão foi levada ao palácio de Queluz, onde D.
Miguel instalara a sua corte e a réplica que recebeu não podia ter sido mais clara. Na
resposta que o rei deu, datada de 14 de Agosto daquele ano, que chegaria ao juiz de
fora de Guimarães, Damião Pereira da Silva, através do Conde de Basto, ordenava-se
“que não somente este venerando monumento, mas tudo de que se compõe o mesmo
castelo seja intactamente conservado [...] no mesmo estado em que se acha sem a mais
mínima alteração nas suas obras interiores e exteriores”.
Aviso de D. Miguel de 14 de Agosto de 1829
SENDO PRESENTE a El-Rei Nosso Senhor o requerimento de
Custódio José Sampaio Guimarães em que pretende a pedra da torre que se acha
colocada no meio do Castelo da Vila de Guimarães, é o mesmo Augusto Senhor
servido ordenar que não somente este Venerando monumento mas tudo de que se
compõe o mesmo castelo seja intactamente conservado por ser o palácio em que
nasceu o primeiro rei destes reinos e sempre glorioso e invicto o Senhor Dom
Afonso Henriques, tendo este monumento há sete séculos resistido à ravage dos
tempos e resistirá de futuro sustentado pelas exemplares e excelsas virtudes e
um soberano fundador da monarquia portuguesa merecendo em todos os séculos
passados a devida consideração aos senhores reis destes reinos assim como agora
merece a El-Rei nosso Senhor que ordena se conserve este castelo no mesmo
estado em que se acha sem a mais mínima alteração nas suas obras interiores e
exteriores, o que já em geral está ordenado pelo Senhor Rei D. João V no alvará
de 20 de Agosto de 1721 e pelo Senhor Rei D. João V, de saudosa memória, no alvará
de 4 de Fevereiro de 1802. Manda outrossim o mesmo Senhor que este aviso se
registe nos livros da Câmara para assim se executar e para constar o quanto
El-Rei Nosso Senhor conserva na sua real lembrança o berço da monarquia, o que
sempre será lisonjeiro para os habitantes da mesma vila. O que participo a V.
S. para que assim se execute. Deus Guarde V. S. Palácio de Queluz em 14 de
Agosto de 1829. Conde de Basto. Snr. Damião Pereira da Silva, Juiz de fora da
Vila de Guimarães.
No aviso do rei de 14 de
Agosto de 1829 referem-se dois alvarás com força de lei, que a seguir se
reproduzem. O primeiro, assinado pelo rei D. João V em 1721, tem sido
identificado como a cédula de nascimento, em Portugal, do conceito de património e de
protecção patrimonial.
Alvará de D. João V, de
20 de Agosto de 1721
EU EL-REI Faço saber aos que este Alvará de Lei virem,
que por me representarem o Director e Censores da Academia Real da História
Portuguesa, Eclesiástica, e Secular, que procurando examinar por si, e pelos
Académicos os Monumentos antigos, que havia, e se podiam descobrir no Reino,
dos tempos, em que nele dominarão os Fenícios, Gregos, Persas, Romanos, Godos,
e Arábios, se achava que muitos, que poderão existir nos edifícios, estátuas,
mármores, cipos, lâminas, chapas, medalhas, moedas, e outros artefactos, por
incúria e ignorância do vulgo se tinham consumido, perdendo-se por este modo um
meio mui próprio, e adequado, para verificar muitas notícias da venerável
antiguidade, assim Sagrada, como Política; e que seria mui conveniente à luz da
verdade, e conhecimento dos Séculos passados, que, no que restava de semelhantes
memórias, e nas que o tempo descobrisse, se evitasse este dano, em que pode ser
muito interessada a glória da Nação Portuguesa, não só nas matérias
concernentes à História Secular, mas ainda à Sagrada, que são o instituto, a
que se dirige a dita Academia. E desejando eu contribuir com o meu Real poder,
para impedir um prejuízo tão sensível, e tão danoso à reputação e glória da
antiga Lusitânia, cujo Domínio e Soberania foi Deus servido dar-me; Hei por bem,
que daqui em diante nenhuma pessoa, de qualquer estado, qualidade, e condição
que seja, desfaça, ou destrua em todo, nem em parte, qualquer edifício, que
mostre ser daqueles tempos, ainda que em parte esteja arruinado; e da mesma
sorte as estátuas, mármores, e cipos, em que estiverem esculpi- das algumas
figuras, ou tiverem letreiros Fenícios, Gregos, Romanos, Góticos, e Arábicos;
ou lâminas, ou chapas de qualquer metal, que contiverem os ditos letreiros, ou caracteres;
como outrossim medalhas, ou moedas, que mostrarem ser daqueles tempos, nem dos
inferiores até o reinado do Senhor Rei D. Sebastião; nem encubram, ou ocultem
alguma das sobreditas coisas: e encarrego às Câmaras das Cidades, e Vilas deste
Reino tenham muito particular cuidado em conservar, e guardar todas as
antiguidades sobreditas, e de semelhante qualidade, que houver ao presente, ou
ao diante se descobrirem nos limites do seu distrito; e logo que se achar, ou descobrir
alguma de novo, darão conta ao Secretário da dita Academia Real, para ele a comunicar
ao Director, e Censores, e mais Académicos; e o dito Director e Censores com a
notícia, que se lhes participar, poderão dar a providência que lhes parecer necessária,
para que melhor se conserve o dito monumento assim descoberto; se o que assim
se achar, e descobrir novamente, forem lâminas de metal, chapas, ou medalhas,
que tiverem figuras, ou caracteres, ou outrossim moedas de ouro, prata, cobre,
ou de qualquer outro metal, as poderão mandar comprar o Director, e Censores do
procedido da consignação, que fui servido dar para as despesas da dita Academia;
e as pessoas de qualidade, que contravierem esta minha disposição, desfazendo
os edifícios daqueles Séculos, estátuas, mármores, e cipos; ou fundindo lâminas,
chapas, medalhas, e moedas sobreditas; ou também deteriorando-as em forma, que
se não possam conhecer as figuras, e caracteres; ou finalmente encobrindo-as, e
ocultando-as, além de incorrerem no meu desagrado, experimentarão também a
demonstração, que o caso pedir, e merecer a sua desatenção, negligência, ou malícia;
e as pessoas de inferior condição incorrerão nas penas impostas pela Ordenação
do Liv. 5. Tit. 12. §. 5., aos que fundem moeda; e porque os que acharem
algumas lâminas, chapas, medalhas, e moedas antigas, as quererão vender, e
reduzir a moeda corrente, as Câmaras serão obrigadas a comprá-las, e pagá-las
prontamente pelo seu justo valor, e as remeterão logo ao Secretário da Academia,
que fazendo-as presentes ao Director, e Censores, se mandará satisfazer às Câmaras
o seu custo.
Alvará de D. João,
Príncipe Regente, de 14 de Fevereiro de 1802
EU O PRÍNCIPE REGENTE Faço saber aos que este Alvará
com força de Lei virem : Que por Me representar o Bibliotecário Maior da Real
Biblioteca de Lisboa a importância de que seria não só para o conhecimento das
Antiguidades Sagradas e Políticas, e para ilustração das Artes e das Ciências,
mas para ornamento da mesma Biblioteca, formar-se nela uma grande Colecção de
Peças de Antiguidade e raridade, que possa servir aos indicados fins; e querendo
que com efeito se forme em utilidade Pública a referida Colecção, Hei por bem
suscitar a disposição do Alvará de Lei de 20 de Agosto de 1721, pelo qual o
Senhor Rei D. João Quinto, Meu Avô, ordenara em benefício da Academia Real da
História Portuguesa a conservação e integridade das estátuas, mármores, cipos,
lâminas, e outras peças de antiguidade, em que se achassem figuras, letreiros,
ou caracteres, o qual Alvará mando novamente publicar, para se pôr em inteira e
plena observância, a bem da Real Biblioteca de Lisboa. Determino porém, que as
funções no mesmo Alvará declaradas pertencentes ao Secretário da dita Academia,
quanto à correspondência com as Câmaras sobre os monumentos que se acharem,
fiquem pertencendo ao bibliotecário Maior da dita Real Biblioteca, devendo o
mesmo fazer-me tudo presente pelo Conselheiro, Ministro e Secretário de Estado
dos Negócios da Fazenda, Inspector Geral da Real Biblioteca de Lisboa, para Eu
ordenar as providências necessárias, assim à compra das medalhas, lâminas, e
outros objectos semelhantes por conta da minha Real Fazenda, como à conservação
dos mesmos objectos, e outras quaisquer que sejam convenientes nesta matéria.
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