As Festas Nicolinas postas em contexto por A. L. de Carvalho.




Em 1945, quando as Festas Nicolinas assinalavam o cinquentenário do seu ressurgimento de 1895, A. L. de Carvalho escreveu para o Notícias de Guimarães um texto, com o título Bando Escolástico, que é um breve ensaio comparativo das festas dos estudantes de Guimarães, relacinando-as com outras tradições dedicadas a S. Nicolau noutras paragens. Aí conclui, como poderíamos concluir hoje, que nenhum centro escolar, nacional ou estrangeiro, mantém, como a academia vimaranense, uma tradição e programa festivo tão destacante!
Anos mais tarde, já em meados da década seguinte, A. L. de Carvalho aprofundaria esta sua observação comparativa no livro pioneiro dos estudos nicolinos vimaranenses, O S. Nicolau dos Estudantes - Tradições escolásticas de Guimarães (1956).

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Bando Escolástico
S. Nicolau, Bispo, foi na Idade Média um Santo muito popular.
Segundo reza o hagiológio cristão, a este Santo se atribui o milagre de haver ressuscitado três meninos escolares, assassinados por um estalajadeiro.
Por tal acção miraculosa foi o Santo elevado à categoria de Patrono dos estudantes, não só em Guimarães como em outros centros escolares em Portugal e no estrangeiro.
Na Universidade inglesa de Oxford, eram dias consagrados os de Santa Escolástica e de S. Nicolau, fazendo parte da solenidade uma refeição a cem estudantes pobres da faculdade de letras.
Idêntica comemoração, religiosa e profana, era dispensada a S. Nicolau pelos estudantes das Universidades na Rússia, em Paris, em Salamanca e em Coimbra.
Neste último centro de estudos o programa Nicolino constava, além do culto interno, de procissões, espectáculos e danças públicas.
Luís de Camões, cuja vida escolar acorreu naquele centro de estudos desde 1530 a 1542, refere-se ao culto de S. Nicolau em Coimbra numa passagem do seu auto dramático El-rei Seleuco[1]. Neste auto sacro o tema decorre à volta do celebrado milagre do Santo — que salvou os três estudantes de serem cozinhados e servidos como petisqueira numa estalagem em terras de França.
Igualmente na vizinha cidade dos Arcebispos era festejado S. Nicolau pelos estudantes, como se vê desta referência registada em um livro da Vereação bracarense, relativo ao século XVII: 
“Acordarão por verem a grande devassidade de pouca cortezia que ha nesta cidade e pouco temor do Snor Deos e da justiça em atirarem cõ laranjas assi aos estudantes de vesporas e dia de S. Nicolao como a outras pessoas desta cidade e termo e estrangeiros atirarem de maneira que as pessoas não ouzão de andar pellas ruas... pello dito dia de S. Nicolao.......................”
Por este modo se comprova que os escolares bracarenses de velhas épocas costumavam festejar com folguedos entrudescos o dia de S. Nicolau — diabruras escolásticas da mocidade que mereceram sanções e posturas proibitivas da edilidade municipal.
Uma efeméride portuense diz-nos que também o dia de S. Nicolau tinha celebração religiosa, a par da qual os moços escolares —particularmente na freguesia que, aqui no Porto, o tem por orago — promoviam uma festança de magusto, ruidosa e alegre.
Duas porções de castanhas eram oferecidas aos rapazes, alunos da escola paroquial: uma pelo abade da freguesia e outra pela irmandade ali erecta sob a evocação do Santo.
Deste magusto salienta-se a nota pitoresca de os mocinhos escolares, aliados a todo o rapazio da rua, se munirem de campainhas e, em grande algazarra, em bando traquina, percorrerem todo o popular bairro ribeirinho, lançando com o estriduloso ruído das campainhas este apelo pedincheiro:
“Quem dá lenha ou um pau,
P’rá fogueira de S. Nicolau!
Quem dá lenha ou chamiça
Ou a fralda da camisa!”
Recorda um cronista portuense que esta costumeira terminou nos fins do século XIX, e que a ela se associaram, por vezes, mais de três centos de campainhas.
De tudo quanto se sabe em matéria de celebrações Nicolinas, pode concluir-se: — Que nenhum centro escolar, nacional ou estrangeiro, mantém, como a academia vimaranense, uma tradição e programa festivo tão destacante!
Sirvam estas ligeiras nótulas para tributar, da minha parte, a muita simpatia que tenho pelas tradicionais festas escolásticas dos académicos da minha terra — aos quais, cá de longe, saúdo!
Porto, 1945.
A. L. de Carvalho.
Notícias de Guimarães, 2 de Dezembro de 1945



[1] Referência a uma das falas de um personagem deste auto de Camões, Ambrósio, que a certa altura diz: Tu fazes já melhores argumentos, que moços do estudo por dia de S. Nicolau. [AAN]

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