Os 300 anos do dízimo de Urgezes: onde eles já vão…


Tenho visto repetida, por estes dias, a indicação e que o dízimo de Urgezes que, antigamente, era pago pelo rendeiro da dizimaria a que a Colegiada tinha direito naquela freguesia, está umbilicalmente ligado às festas que os estudantes de Guimarães dedicam ao seu padroeiro, foi documentado, pela primeira vez, no ano de 1717. Esta informação parte do que escreveu A. L. de carvalho na sua obra “O São Nicolau dos Estudantes”, de 1965, onde se lê, na página 65:

Segue-se outro lançamento, no ano de 1717, referente ao mesmo rendeiro:
“…e outro sim ele rendeiro satisfará nos estudantes do Senhor S. Nicolau pelo seu dia a porção que é obrigado com toda a boa satisfação, como é uso e costume.”

O rendeiro que assumia tal obrigação seria João Francisco, tecelão da Caldeiro e o documento que A. L. De carvalho cita é o livro dos Assentos dos Arrendamentos das Igrejas, Capelas e Ermidas.
A fazer fé no que escreveu o autor na mesma página, antes de nos dar aquela informação, este não seria o primeiro, uma vez que haveria um outro, anterior, onde leu (página 66):

O primeiro lançamento indica-nos como arrendatário João Francisco, da Caldeiroa, tecelão,
E acrescenta esta cláusula da obrigação contratual:
“…  satisfará aos estudantes do Senhor S. Nicolau, pelo seu dia, a porção que é abrigado com toda a boa satisfação, como é uso e costume e foi sempre.”

Socorrendo-me das transcrições do notabilíssimo paleógrafo vimaranense João Lopes de Faria, posso afirmar que o que escreveu A. L. de Carvalho tem algumas incorrecções e lacunas de informação, a saber:
a) O rendeiro da dizimária de Urgezes da Colegiada de Guimarães em 1717 não era o tal tecelão João Francisco, da Caldeiroa, mas sim Gonçalo de Abreu, do lugar de Montezinhos de S. Miguel das Caldas de Vizela. Foi-lhe outorgado, no dia 7 de Julho de 1716, um contrato que vigorou até à assinatura de um novo, em 3 de Julho de 1719, em que o arrendatário foi João Machado de Miranda, homem de negócio, dos infanções e da governança da vila de Guimarães;
b) O segundo lançamento que A. L. de Carvalho transcreve, sem indicar data, foi lavrado a 8 de Janeiro de 1734;
c) O registo que indica como sendo de 1817 tem, efectivamente, a data de 28 de Julho de 1737.
Este João Francisco, tecelão, morador na rua Caldeiroa, era natural da freguesia de Urgezes, onde nasceu no dia 18 de Julho de 1695. Casou, em segundas núpcias, com Maria Castro, a 20 de Março de 1718, na freguesia de S. Sebastião. Baptizou nove filhos, dos quais o primeiro se chamou Nicolau. Foi rendeiro dos dízimos a que a Colegiada de Guimarães tinha direito em Urgezes entre 1734 e 1746, tendo falecido em 1744, ainda na vigência do seu último contrato de arrendamento, cujos direitos e obrigações transitaram para os seus herdeiros.
Logo, nada há que indique que o registo referente ao dízimo dos estudantes mais antigo seja do ano de 1717. O registo mais antigo dos arrendamentos trienais da dizimária de Santo Estêvão de Urgezes feitos pelo Cabido que João Lopes de Faria encontrou tem a data de 12 de Janeiro de 1675, embora nada diga sobre a renda dos coreiros e estudantes. Porém, como o contrato de 1734 diz, referindo-se ao pagamento desta obrigação contratual, que deve ser efectuado como “foi sempre”, será lícito concluir-se que já assim era, pelo menos, em 1675. Assim sendo, o dízimo de Urgezes não fez 300 anos em 2017. Fará, pelo menos, 343 anos no próximo dia 12 de Janeiro…
Porém, se se optar pela data  do primeiro registo a fazer-lhe referência específica que conhecemos, temos que ir até ao ano de 1734. Por essa via, ainda faltam 17 anos para 300.

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