É uma das mentiras mais
deslavadas que se contam a propósito do património vimaranense, a que conta
que, certo dia, o Castelo de Guimarães esteve para ser demolido e que só o não foi
pela diferença de um único voto na sessão da Câmara de Guimarães que terá
votado tal proposta. Para comprovar a frequência de tal patranha (não poucas
vezes difundida por gente cá da terra) basta colocar num motor de busca um trecho
do texto seguinte, que copiei duma página especializada em viagens:
Em 1836, um dos membros da Sociedade Patriótica Vimaranense defendeu a demolição do castelo e a utilização da sua pedra para calcetar as ruas de Guimarães, já que ele tinha servido como prisão política ao tempo de D. Miguel (1828-1834). Embora tal proposta não tenha sido aceite (por um único voto na Câmara Municipal)…
A citação tem duas
inverdades:
1.ª — Não foi na Câmara Municipal que
foi votada a proposta para a demolição do Castelo de Guimarães, mas sim numa sessão
da Sociedade Patriótica Vimaranense, associação defensora dos interesses locais
que existiu entre 25 de Outubro de 1835 e 20 de Dezembro de 1836.
2.ª — Não foi pela margem mínima de um voto que a
proposta não passou. Foi derrotada por larguíssima margem: dos 19 presentes na
reunião, 4 votaram a favor e 15 votaram contra.
Diz-se que uma mentira mil vezes repetida se torna
verdade. Não torna, continua a ser mentira. O que acontece, como neste caso, é
que muitos, perante uma mentira mil vezes desmentida, continuam a preferir
acreditar nela, provavelmente por acharem que, como dizia Francis Bacon, a mentira é mais
interessante do que a verdade. A verdade é que venceu a tese de que o Castelo deveria
ficar de pé, por “ser um monumento antiquíssimo que recordava a história do
país, e muito particularmente a de Guimarães”. Para quem ainda tem dúvidas, aqui
fica o extracto da acta da sessão da Sociedade Patriótica Vimaranense do dia 31
de Janeiro de 1836, tal como a dá o magnífico paleógrafo vimaranense João Lopes
de Faria, nas suas preciosíssimas Efemérides
Vimaranenses:
Às 9 horas e meia da
noite, aberta pelo seu presidente Barão de Vila Pouca; lida e aprovada a acta.
Por proposta do presidente, na forma dos estatutos, fez-se a eleição da mesa e
saíram eleitos: presidente, João Barroso Pereira, vice-presidente, António de
Nápoles, secretários José de Sousa Bandeira e António Leite de Castro,
vice-secretários Joaquim Pinto Teixeira e José Correia de Oliveira Mendes.
Souto, relator da comissão de salubridade, leu o projecto para o conserto das
ruas. Bandeira pediu urgência, e, concordando nisso a assembleia, foi posto em
discussão na sua generalidade e aprovado em globo. Manuel Baptista Sampaio
propôs que todo o dinheiro que se apurasse para este fim, não entrasse nos
cofres da Câmara. Vieira, como membro da Câmara, deu explicações e orou a favor
do artigo. Abreu, aprovou a necessidade da medida, mas combateu o meio dela.
Bandeira, sustentou o artigo e Moreira de Sá contra. Agostinho Vicente,
requereu se consultasse a assembleia se a matéria estava discutida, e,
decidindo-se que sim, posto o artigo à votação foi aprovado. O 1.º parágrafo
teve renhida discussão: oraram contra Abreu, e a favor Basto, Dr. Souto,
Bandeira, Pinto Teixeira, Costa, Barroso e Agostinho Vicente, e, julgando-se
discutido, posto à votação passou. Costa pediu que se exigisse também a
demolição do castelo para o dito fim, e até por ser uma cadeia bárbara que
serviu no tempo da usurpação. Agostinho Vicente abundou nas ideias do Costa.
Bandeira combateu o argumento lembrando ser um monumento antiquíssimo que
recordava a história do país, e muito particularmente a de Guimarães; lembrou o
respeito que os ingleses têm aos monumentos antigos, e falando largamente votou
contra. Abreu abundou nas ideias da não demolição. Agostinho Vicente falou a
favor da demolição, por ter sido prisão do tempo do usurpador. Basto falou no
sentido do Bandeira, assim como Souto, Barroso, Moreira de Sá e Vieira, e,
julgada a matéria discutida, foi posta à votação. O Bandeira, visto a
transcendência do objecto, que nada menos importava do que o privarmos dos
testemunhos da antiguidade, requereu votação nominal e, sendo assim decidido,
votaram a favor da demolição: Costa(a), Castro, Barão de Vila Pouca
e José Correia, e contra: Barroso, Souto, Basto, Ferreira Guimarães, Sampaio,
Freitas Guimarães, Vigário de Creixomil, Leite de Castro, Vigário-geral,
Arcediago, Lima, Vieira, Maia, Sá e Bandeira. Ficou por isso rejeitado o
argumento de Costa. Pinto Teixeira que na redacção não houvesse melindre, por
isso que dizendo-se que a Torre, que se pretendia demolir, fora dada ao Cabido,
devia o governo ser prevenido disso. Bandeira combateu a ideia, dizendo que
ainda que tivesse sido dada ao Cabido para as obras da igreja, o Cabido se não
tinha dela aproveitado, e que hoje era pertencente aos Bens Nacionais. Souto,
como relator da comissão de salubridade, leu o requerimento para se pedir a
vacina: foi aprovado e mandado expedir. Às 10 horas foi levantada a sessão e
dada para ordem da noite o projecto das calçadas.
(a) Não sei quem é o célebre Costa, por
haver diversos sócios com tal apelido. Castro é Agostinho Vicente Ferreira de
Castro; José Correia é o cirurgião José Correia de Oliveira Mendes; Pinto
Teixeira é o advogado Joaquim Pinto Teixeira de Carvalho; Bandeira é o escrivão
José de Sousa Bandeira.
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