A nêspera (2)

Isto não é um magnório (imitando Magritte).

Durante largos séculos, em Portugal, o vocábulo nêspera designava, exclusivamente, o fruto castanho, globuloso, acídulo e mole, que, depois de colhido, era acondicionado sobre palha durante algumas semanas, para concluir o seu processo de maturação. No território que hoje é Guimarães, já havia uma “villa nesperaria” no ano 973, a Nespereira de Raul Brandão. Tal designação provinha, necessariamente da nespereira comum ou europeia, com o nome científico de mespilus germanica, já que a outra árvore, a que dá frutos dourados, doces e com grandes caroços castanhos e brilhantes, a mespilus japonica, é originária do Oriente e só foi introduzida na Europa em finais do século XVIII.
Uma pesquisa nos mais antigos dicionários da língua portuguesa permite-nos perceber que, pelo menos até ao início do século XX, quando se invocava a nêspera ninguém pensava no fruto a que por estas terras se chama, correctamente, de magnório, mas sim no fruto a que se refere o poeta vimaranense Manuel Tomás, no poema épico Insulana, publicado em 1635, no verso “E a nêspera, que palhas vem pedindo”.
Eis o que encontrámos, numa busca não exaustiva:
No Vocabulário Português e Latino, de Rafael Bluteau (Volume 5, Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1716):
NÊSPERA. Fruto conhecido, que tem cinco, e às vezes só quatro caroços; não madurece na sua planta, mas sobre palha. É muito adstringente, principalmente antes de madura. É boa para fluxos do ventre, hemorragias, e vómitos. Os caroços são aperitivos para urinar, atenuam a pedra nos rins, e na bexiga, e tomados em pó a expelem. As nêsperas da Grécia não devem de ter mais que três caroços, porque os Gregos lhe chamam Triciccon. Matthiolo faz menção de umas nêsperas que têm cinco caroços; as folhas da planta que as dá são compridas e arremedam às do loureiro, e não são retalhadas nas bordas. Tão grande simpatia tem a Nespereira com o pilriteiro, que enxertada uma na outra, admiravelmente medram. A nêspera madura é gostosa e sadia, particularmente comida sobre carne. Mespilum, i. Neut. Plin.
E a nêspera, que palhas vem pedindo.
Insul. de Man. Thom. Livro 10. Oit.101.
NESPEREIRA. Planta que dá nêsperas. Tem o tronco quase sempre torto, os ramos são duros, e difíceis de quebrar. Parecem-se as folhas com as de loureiro na figura, mas são lanuginosas, e brancas por dentro. Deita umas flores a modo de rolas, brancas ou vermelhas; o cálice em que se encerram é mui recortado; passada a flor, faz-se a modo de maçãzinha quase redonda, carnosa, e tirante a vermelha, quando madura, as pontas superiores do cálice lhe formam uma espécie de coroa. Mespilus, i. Fem. Plin.
No Novo diccionario das linguas portugueza,e franceza, com os termos latinos ..., de Joseph Marques (Tomo Segundo, Volume 2, Na Officina Patriarcal de Francisco Luiz Ameno, 1764):
Nêspera, fruto conhecido , que tem cinco , e às vezes só quatro caroços: não amadurece na sua planta , mas sobre palha ; as nêsperas são adstringentes. Dizem que os caroços das nêsperas pulverizados, e bebidos em vinho são bons para o achaque da pedra. Com o tempo, e a palha as nêsperas amadurecem, provérbio que quer dizer, que é preciso esperar com constância, e paciência o sucesso de um negócio.
Nespereira, árvore de mediana altura guarnecida de espinhos, que não picam muito: tem as folhas recortadas como as do perrexil ; dá um fruto chamado nêspera , que encerra cinco caroços: é de cor tirante a vermelha, e de forma quase redonda.
No Diccionario na Lingua Portugueza, de António de Morais Silva (Volume 2, Na Impressão Regia, 1831):
NÊSPERAS, s f. pl. Fruto, que se põe a amadurecer em palhas. (mespilum).
No Novo diccionario critico e etymologico da lingua portugueza, de Francisco Solano Constâncio (Ed. Casimir, Paris, 1833):
NÊSPERA, s f. Fruto (Fr. Nefle, e ant. mesple ou mesfle, do Lat. Mesilum, Gr. méspilé) fruto pequeno, globuloso, acídulo, mole, que tem cinco caroços ou pevides.
No Novo diccionario da lingua portugueza ...: Seguido de um diccionario de synonimos, recopilado... de Eduardo Augusto de Faria (vol. III, Typographia lisbonense, 1849):
NÊSPERAS, s f. Fruto (bot.) fruto pequeno, globuloso, acídulo, mole, que tem cinco caroços ou pevides.
No Diccionario encyclopedico ou novo diccionario da lingua portugueza para uso dos portuguezes e brazileiros, de José Maria Almeida e Araújo de Portugal Correia de Lacerda (Volume 2, F.A. da Silva, 1874):
NÊSPERA, s f. Fruto (Fr. Néfle, e ant. mesple ou mesfle, do Lat. Mespilum, Gr. mêspilé) fruto pequeno, globuloso, acídulo, mole, que tem cinco caroços ou pevides.
No Thesouro da lingua portugueza, do Dr. Fr. Domingos Vieira (vol. IV, Ernesto Chadron e Bartolomeu H. de Moraes, Porto, 1876):
NÊSPERA, s. f. (Do latim mespilum). Fruto pequeno e globuloso, doce quando maduro, produzido pela nespereira. — “As Ervas Estomáquicas frias são: Raízes de tanchagem, e de azedas. Paus, sândalos citrinos e rubros. Folhas de tanchagem e murta. Sementes de tanchagem, e de marmelos. Flores rosas vermelhas, e baláustias. Frutos marmelos, pêras, nêsperas, e murtinhos. Sucos dr acácia, que é a árvore da almecega, e de pútegas.” Braz Luiz d'Abreu, Portugal Médico, pag. 356, ¶ 241.
No Novo dicionário da língua portuguesa, Cândido de Figueiredo (1913):
Nêspera, f. Fruto de nespereira, um tanto ácido, e com vários caroços. (Do lat. mespilum)
Nespereira, f. Árvore frutífera, da fam. das rosáceas, (mespilus germanica, Lin.). (De nêspera)

Para que não restem dúvidas, porque uma nêspera é uma nêspera.

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