Planta do Castelo de Guimarães, levantada pelo Capitão Luís Augusto de Pina (1928). A cor, o local de implantação da antiga capela de S. João Baptista. |
A
comissão de cidadãos que, a crer no que se escreveu nos jornais da época, quase
transformou o Castelo de Guimarães num “mirante chinês”, propunha-se reparar a
Capela de S. João. Na década de 1930, no decurso da intervenção que a Direcção-Geral
dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) dirigiu no Castelo de Guimarães, procedeu-se
à “demolição de uma capela e seu anexo, que obstruíam a praça do Castelo —
demolição de que resultou ficar descoberto o lanço da muralha a que aquelas
construções se arrimavam". Que capela era aquela?
Geralmente
é apresentada como um acrescento sem qualquer interesse. O autor do texto do volume do Boletim da DGEMN,
que assina D. João da Câmara, escreve que
Dentro, na
praça de armas — onde, em redor da Torre de Menagem, viçavam largos hortejos e
se alastrava uma alta parreira de ferro e arame — avultava, com os seus muros
de pedra e cal arrimados à muralha, um barracão e ainda uma pequena capela sem
nenhum valor tradicional ou artístico.
Boletim da Direcção-Geral dos Edifícios
e Monumentos Nacionais, n.º 8, O Castelo de Guimarães,
1937, p. 22.
Luís de Pina, na página 62 do seu estudo O Castelo de Guimarães, de 1933, classifica a capela dedicada a S. João
Baptista como um casinhoto que “serviu de capela (por vezes paiol!)”.
Já o Padre António Ferreira Caldas, na sua monografia sobre
Guimarães, publicada em 1881, descrevia assim o pequeno templo do Castelo:
Entre
a torre de menagem e o lanço da muralha do lado sul está uma pequena capela,
noutro tempo dedicada a S. João Baptista, e hoje profanada e convertida por
vezes em paiol de pólvora dos corpos aqui estacionados.
António
José Ferreira Caldas, Guimarães, Apontamentos
para a sua História, 2.ª Edição, 1991, p. 409
Quando, em 1908, o Castelo foi elevado à condição de Monumento
Nacional, parte das suas dependências continuaram na posse do Ministério da
Guerra. Entre elas figurava o paiol que, ao que se percebe, ocupava o pequeno edifício
da capela de S. João Baptista e a construção que lhe estava colada. Por essa
altura, já não faltava quem defendesse que aqueles “casinhotos” deveriam ser
demolidos. Em 1911, num artigo que publicou no jornal republicano Alvorada, em
que defendia que o Castelo deveria ser objecto de um processo de reparações ou reconstruções
que restaurasse “a sua originalidade, sem profanar o mais”, Jerónimo de Almeida defendeu que se deveria, “mudar o paiol da
pólvora dali para fora, alagando igualmente a casa que a guardava”.
O restauro do Castelo de Guimarães empreendido na década de 1930
tem que ser entendido à luz do tempo em que foi feito e dos valores ideológicos
então vigentes, associados à valorização dos momentos gloriosos da História
nacional, de que os monumentos nacionais eram assumidos como “documentos vivos”, pelo que deveriam ser devolvidos, tanto quanto possível, às suas configurações originais.
Compreendo que, como se enuncia no Boletim da DGEMN sobre o restauro do Castelo de Guimarães, com aquela obra, se curasse de “apagar antigas injúrias, de
cicatrizar as chagas mais dolorosas”. E sei que, se fosse hoje, a orientação
dada ao restauro seria bem diferente. No entanto, tenho dificuldade em aceitar que, como se diz no mesmo
texto, a capela que então foi removida fosse de “nenhum valor tradicional ou
artístico”.
Note-se que a Capela de S. João Baptista do Castelo não era de implantação recente. Embora
as referências documentais que lhe conhecemos sejam escassas, é certo que já lá
estava havia séculos. Numa efeméride anotada por João Lopes de Faria, está
registado que, no dia 7 de Junho de 1770, D. Domingos de Portugal e Gama, Prior
da Colegiada de Guimarães, numa visitação à igreja de S. Miguel do Castelo,
mandou que fossem tomadas providências em relação à capela de S. João do
Castelo, “que estava servindo para usos profanos”. Já antes, nas suas Memórias
Ressuscitadas da Antiga Guimarães, Torcato Peixoto de Azevedo situa, dentro da muralha do Castelo, “uma capela de S. João Baptista, aonde se diz
missa”. O Padre Torcato, que nasceu em 1622, no que escreveu nada diz acerca de quem terá
mandado erigir a capela. Provavelmente, não o sabia. Acredito que sempre a terá
conhecido naquele lugar, pelo que lhe será anterior.
Da capela apenas conhecemos as fotografias que mostram a sua
frente e o seu telhado. Pela sua singeleza, aceita-se que não tivesse valor
artístico. O mesmo já não direi do seu valor tradicional. Uma capela dedicada
a S. João Baptista erigida no Castelo de Guimarães, também conhecido por
Castelo de S. Mamede, tem manifesto valor tradicional, simbólico e histórico.
Não há como não a ligar à primeira tarde
portuguesa, título feliz do mural em que o pintor Acácio Lino representou a
Batalha de S. Mamede, que aconteceu a 24 de Junho de 1128. Em dia de S. João
Baptista.
A antiga capela de S. João do Castelo (à direita). À esquerda, o paiol das tropas de Guimarães |
Em primeiro plano, pormenor do telhado da antiga capela do Castelo. |
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